quinta-feira, 22 de julho de 2010

[conto #023] O Telefone

O TELEFONE

Era pouco mais de meia noite, e ele ia andando sozinho pela rua. Tudo estava escuro. À frente, um telefone público.
Quando ele se aproximou, o telefone começou a tocar. Continuou tocando, insistente, e só parou quando ele já se afastava.
Mais para a frente, outro telefone. E novamente, quando o homem se aproximou, ele começou a tocar. Dessa vez, o homem reparou nisso. Enquanto se aproximava, ouvia aquele som estridente aumentar, e aquilo começou a incomodá-lo. Passou pelo telefone com certo receio, e só quando já estava longe ele parou de tocar.
Bem para a frente, havia uma escola. Em frente a ela, três pares de telefone. Quando ele se aproximou, os três começaram a tocar ao mesmo tempo. Aquilo foi demais para ele: parou por um instante, olhando incrédulo para os telefones, e então saiu correndo.
Só dois quarteirões depois ele parou de correr. Sentia-se um pouco idiota pelo seu desespero anterior. Afinal, eram só telefones. Tudo devia ser só uma coincidência, no máximo uma brincadeira. Se vir outro telefone tocando, ele pensou, eu atendo.
Como se para testar a veracidade de seus pensamentos, ao entrar em outra rua, havia outro telefone. Este também começou a tocar quando ele se aproximou. Decidido, o homem foi até o telefone e atendeu.
-- Alô.
-- Alô. - veio uma voz de mulher - Posso falar com a Helena?
-- Isso é um telefone público. Não tem nenhuma Helena por aqui.
-- Desculpe, foi engano.
Ele desligou, rindo sozinho. No final, era só uma coincidência. E ele entrara em pânico por causa de uma bobagem.
Quando foi atravessar a rua, um caminhão surgiu de repente, o atropelou e foi embora, deixando seu corpo jogado ao lado do telefone.


SOBRE A HISTÓRIA

Esse conto era um dos meus assuntos não resolvidos há quase sete anos. O escrevi aos quinze, e foi o primeiro (ou um dos primeiros) contos com início-meio-fim que consegui fazer. Até então, eu tinha um problema muito sério: quando começava uma história, nunca conseguia terminar. Escrever esse conto me ensinou a criar histórias curtas.
Eu queria ter publicado ele há muito tempo, mas não conseguia deixá-lo realmente bom. O deixei engavetado por séculos, e fiz a versão final recentemente, durante uma aula de álgebra (não faça perguntas). Não acho que conseguiria deixá-lo melhor do que isso sem modificar completamente a idéia original, então resolvi publicar. Posso morrer em paz.
A história é simples: um cara em uma situação estranha e assustadora envolvendo telefones, que acaba morrendo. E é parcialmente baseada em fatos reais; um dia, eu estava andando pela rua, ao entardecer, e todos os cinco telefones no caminho tocaram quando passei por eles. Assustador.
Fiz poucas modificações na história original. A maior diferença é a forma como o personagem principal morre - no original aparecia um ser sobrenatural, aqui eu fiz uma coisa mais casual. Naquela época, eu não tinha ainda a paixão que tenho hoje, de brincar com o que é real e o que se passa na mente das pessoas. Afinal, tudo na história não passa de uma absurda coincidência, mas pode ser visto como algo sobrenatural.
Outra coisa curiosa é que no texto original o personagem tinha nome; mas desde os meus dezoito ou dezenove anos, a maioria dos personagens nos meus contos não têm nome. Também diminuí o tamanho do texto e o deixei bastante limpo, sem enrolações e sem descrições sobre os sentimentos do personagem ou os lugares por onde ele passa - coisas que estavam no texto original e deixavam a narrativa cansativa. Enfim, vivendo e aprendendo. Esse não é nem de longe o melhor dos meus textos, mas é o mais perto que eu já consegui de fazer um conto de terror.