UMA POSSÍVEL CÓPIA
Eu estou parada no ponto, esperando o ônibus. Estou com os fones no ouvido, mas não ouço nada. O rádio do celular não funciona, e eu não tenho mp3. Mas gosto de ficar com os fones no ouvido. Assim não tenho que escutar as bobagens que as duas adolescentes do meu lado estão discutindo.
-- Oi.
Olho pra baixo. Uma menina de uns cinco anos está me olhando e, por algum motivo, sorrindo pra mim. Tento fingir que não a vi. Não, meu Deus, não hoje.
-- O que você tá ouvindo?
-- Nada.
Ali, no ponto, estão mais umas oito ou nove pessoas, além de mim, da menina, e das duas mulheres que deveriam estar tomando conta dela. Mas ela tinha que vir falar comigo. Eu atraio isso.
-- Qual o seu nome?
Incrível. Ela não percebe que eu não estou a fim de papo. Parece muito comigo quando era pequena, o que é preocupante. Nunca vai se tornar uma pessoa normal.
Digo meu nome. A menina diz o dela.
-- Você não tá ouvindo nada?
-- Não.
-- Então por que tá com os fones no ouvido?
-- Porque eu gosto.
É sempre assim. Pessoas que têm medo de cachorro sempre são atacadas por cachorros, sempre entram borboletas na casa de quem odeia borboletas. Sempre vem alguma criança falar comigo. Como se eu fosse feita de doces.
-- Você é bonita.
Que criança adorável. Pena que seja cega.
-- Obrigada.
-- Você tá esperando o ônibus?
Não, querida, estou esperando um avião pousar aqui e me dar uma carona.
-- Sim.
-- Você vai pra onde?
-- Pra lá.
Digo "pra lá" sem apontar nenhuma direção. A menina nem percebe.
-- Quantos anos você tem?
-- Vinte e um.
-- Eu tenho cinco.
Um carro pára. É minha tia, me oferecendo carona. Graças a Deus.
-- Tchau, moça!
Aceno e entro no carro. Minha tia ri.
-- Ganhou uma amiguinha?
Eu rio.
-- Deus que me livre.
-- Tadinha. Você já foi assim.
-- Eu sei. Mais um motivo pra não gostar de quem é assim agora.
-- Um dia você vai ter filhos, e eles podem ser assim.
-- Eu acho que não.
-- A gente sempre acha que os filhos vão ser uns anjos, mas no final...
-- Acho que não vou ter filhos.
-- Claro que vai.
-- Não acho uma boa idéia. Já tem gente demais no mundo.
SOBRE A HISTÓRIA
Mais um conto baseado em fatos reais. Dessa vez, misturei dois acontecimentos distintos envolvendo meus amigáveis relacionamentos com seres abaixo dos dez anos. Para quem não sabe, eu não sou muito chegada em crianças e sou a favor da auto-extinção da raça humana através da não-procriação.