quinta-feira, 15 de agosto de 2013

[conto #053] O Vestido Laranja

O VESTIDO LARANJA

Era uma noite normal e ele estava voltando do trabalho, quando a viu.
Ela andava sozinha pela rua escura e deserta. Mas não parecia sentir medo; pelo contrário, parecia querer aparecer, brilhar, gritar a todos que existia e estava ali. Com seu vestido laranja, gritante, quase ofensivo para olhos despreparados.
Era a mulher que usava o vestido ou o vestido que usava a mulher?
Ele a queria.
Aquela mulher, em toda a sua perfeição, parecia ter existido apenas para usar aquele vestido. Laranja na pele morena, laranja que brilhava como o sol, que queimava seus olhos, sua mente, seu corpo. Aquela mulher, naquele vestido, parecia estar ali apenas para desafiá-lo. E ele a teria.
Começou a segui-la. Ela parecia dançar a cada passo, com a saia de seu vestido rodopiando ao redor de sua cintura, enroscando-se em suas pernas longas, chamando-o. Chamou-o até diante de uma casa abandonada, e ali em frente, ele pulou sobre a mulher, a calou tapando sua boca, a imobilizou e a levou para dentro da casa.
Não entendia porquê a mulher se debatia e tentava gritar, depois de tê-lo chamado até ali. Mulheres: nunca as entenderia. Suas mãos percorreram o vestido laranja, sentindo a  maciez do tecido, as curvas por baixo dele, o esplendor de sua beleza. Quando a resistência da mulher se tornou muito irritante, ele quebrou seu pescoço, e afinal pôde aproveitá-la em paz.
Todas as vezes em que a estuprou, foi sem tirar o vestido. Tirar o vestido seria como tirar sua pele: ele era parte essencial de sua beleza, era aquilo que a fazia resplandecer. A pele por baixo dele não importava, assim como não importavam os ossos por baixo da carne.
Ele deixou o corpo dentro da casa, e na noite seguinte voltou para vê-lo. E na outra, e na outra. Não se importava com o cheiro insuportável de decomposição, com a pele se desfazendo, com os vermes que a comiam, com os líquidos que escorriam dela quando ele a acariciava e a possuía. Enquanto o vestido laranja estivesse ali, ela seria a mulher perfeita.
Mas com o tempo, os restos do corpo começaram a penetrar no vestido, fazendo o tecido pouco a pouco se desfazer. Até que chegou ao ponto que bastava um leve toque sobre ele para que o pano rasgasse como papel molhado.
Somente quando isso aconteceu, ele deixou de a querer. Sem o vestido, ela não resplandecia mais. Pegou o que restava do corpo, levou para o quintal da casa e a enterrou. Como um namorado que se cansa da amante envelhecida.
E nunca mais pensou nela.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

[conto #052] A Andorinha e a Nuvem

A ANDORINHA E A NUVEM

Em um dia de sol e céu brilhante, quando a primavera surgia, uma andorinha de apaixonou por uma nuvem.
A nuvem era branca e fofinha, a mais linda nuvem do céu. A andorinha nunca vira nuvem mais bonita. Se aproximou, envergonhada, mas a nuvem também se apaixonou pela andorinha, e eles se casaram no céu.
Juntos, eles construíram um ninho no lugar mais bonito e iluminado do céu, e ali a andorinha botou seus ovos. Porém um vento forte soprou e derrubou os ovinhos, que caíram no chão e se quebraram.
Quando a nuvem viu seus filhinhos quebrados no chão, ela ficou muito triste, e chorou. A andorinha tentou consola-la, mas nada adiantava. A nuvem chorou e chorou, e na terra abaixo choveu e choveu, por dias e dias; até que a nuvem se desfez de tristeza e desapareceu no ar.
A andorinha ficou muito triste e também chorou e chorou, mas diferente da nuvem, ela não podia se desfazer; por isso saiu voando pelo céu, e voou e voou por dias e dias, em direção à montanha mais alta do mundo. Quando ela chegou no topo da montanha, descobriu que ali, sozinho, vivia uma outra andorinha.
A andorinha da montanha contou que, há muito tempo atrás, se apaixonara por uma gota de água que vivia sobre uma pedra no meio do mar. Ela e a gota de água se amavam muito e viviam muito felizes, mas um dia um sol muito forte surgiu e secou a gota, deixando a andorinha sozinha. A andorinha chorou e chorou, e sua tristeza foi tão grande que ela es escondera desde então na montanha mais alta do mundo.
Comovida com a história, a outra andorinha contou sobre seu amor pela nuvem, como seus ovinhos haviam caído e quebrado, e como a nuvem morrera de tristeza. As duas andorinhas se abraçaram e choraram juntas; e depois de um tempo, acabaram se apaixonando.
E ali, no alto da montanha mais alta do mundo, as andorinhas se casaram e viveram juntas e felizes, até o fim dos tempos.

SOBRE A HISTÓRIA

Ideia dada (de novo) pela minha irmã. Essa história originalmente era uma história infantil contada oralmente, por isso ficou pequena quando escrita. Era para ser uma história triste, mas não deu muito certo.