O VESTIDO LARANJA
Era uma noite normal e ele estava voltando do trabalho, quando a viu.
Ela andava sozinha pela rua escura e deserta. Mas não parecia sentir medo; pelo contrário, parecia querer aparecer, brilhar, gritar a todos que existia e estava ali. Com seu vestido laranja, gritante, quase ofensivo para olhos despreparados.
Era a mulher que usava o vestido ou o vestido que usava a mulher?
Ele a queria.
Aquela mulher, em toda a sua perfeição, parecia ter existido apenas para usar aquele vestido. Laranja na pele morena, laranja que brilhava como o sol, que queimava seus olhos, sua mente, seu corpo. Aquela mulher, naquele vestido, parecia estar ali apenas para desafiá-lo. E ele a teria.
Começou a segui-la. Ela parecia dançar a cada passo, com a saia de seu vestido rodopiando ao redor de sua cintura, enroscando-se em suas pernas longas, chamando-o. Chamou-o até diante de uma casa abandonada, e ali em frente, ele pulou sobre a mulher, a calou tapando sua boca, a imobilizou e a levou para dentro da casa.
Não entendia porquê a mulher se debatia e tentava gritar, depois de tê-lo chamado até ali. Mulheres: nunca as entenderia. Suas mãos percorreram o vestido laranja, sentindo a maciez do tecido, as curvas por baixo dele, o esplendor de sua beleza. Quando a resistência da mulher se tornou muito irritante, ele quebrou seu pescoço, e afinal pôde aproveitá-la em paz.
Todas as vezes em que a estuprou, foi sem tirar o vestido. Tirar o vestido seria como tirar sua pele: ele era parte essencial de sua beleza, era aquilo que a fazia resplandecer. A pele por baixo dele não importava, assim como não importavam os ossos por baixo da carne.
Ele deixou o corpo dentro da casa, e na noite seguinte voltou para vê-lo. E na outra, e na outra. Não se importava com o cheiro insuportável de decomposição, com a pele se desfazendo, com os vermes que a comiam, com os líquidos que escorriam dela quando ele a acariciava e a possuía. Enquanto o vestido laranja estivesse ali, ela seria a mulher perfeita.
Mas com o tempo, os restos do corpo começaram a penetrar no vestido, fazendo o tecido pouco a pouco se desfazer. Até que chegou ao ponto que bastava um leve toque sobre ele para que o pano rasgasse como papel molhado.
Somente quando isso aconteceu, ele deixou de a querer. Sem o vestido, ela não resplandecia mais. Pegou o que restava do corpo, levou para o quintal da casa e a enterrou. Como um namorado que se cansa da amante envelhecida.
E nunca mais pensou nela.