quinta-feira, 27 de agosto de 2009

[conto #016] Porque Não Tínhamos a Pedra Filosofal

PORQUE NÃO TÍNHAMOS A PEDRA FILOSOFAL

Acompanhei meu mestre por toda a trilha, para dentro da floresta. Estava frio e minha capa estava úmida, mas eu seguia em silêncio. À minha frente ele ia depressa, alto e imponente, com sua capa preta que também estava úmida. Me perguntei se ele também sentia frio.
Paramos aos pés de uma árvore enorme, que na época eu não soube identificar. Não havia sinal de vida por perto, mas o ar era rico em aromas. Ele avisou que aquele era o lugar, e eu fiquei aguardando, observando ele preparar o ritual.
Com um galho fino, ele desenhou um círculo. Dentro do círculo, uma estrela, e dentro desta outra estrela. Mandou que eu lhe entregasse os materiais, e fui lhe dando tudo o que ele pedia: as pedras de sal, os galhos de árvore, os cristais, o cálice, a adaga. Ele colocou uma pedra de sal em cada ponta da estrela interna e um cristal em cada ponta da estrela externa, preparou uma pequena fogueira no centro da estrela interna, e colocou o cálice e a adaga à sua frente, dentro do círculo. Por último, acendeu a fogueira. O ritual começara.
Agora, eu via que não estávamos realmente sozinhos. Havia animais ali, primeiro um coelho, depois um esquilo, depois pássaros. Passavam longe de nós e nos evitavam, mas se mantinham observando, curiosos. Meu mestre me chamou, e eu voltei minha atenção para minha tarefa.
Ele começara a murmurar frases naquela língua que quase ninguém conhecia, e que mesmo eu tinha dificuldades para entender. Acabada a oração, eu lhe entreguei a primeira garrafa; ele a abriu e jogou seu conteúdo no fogo, que aumentou incrivelmente - embora sem sair dos limites da estrela interna - e assumiu um tom azulado. Entreguei a segunda garrafa. Ele encheu o cálice com o líquido verde escuro.
O líquido da terceira garrafa, uma infusão de ervas, foi usado para lavar a adaga. Em seguida ele a colocou no fogo; a lâmina incendiou por um instante, azul, e então se apagou, parecendo ainda mais brilhante. Ele bebeu metade do líquido no cálice, e voltou a murmurar as frases.
Lentamente, como se atraído por uma força que só ele sentia, um filhote de gato do mato se aproximou e entrou no círculo. Ficou ali, parado, diante do fogo. Meu mestre pegou a adaga - eu quis fechar os olhos, mas sabia que não podia - e, com um só movimento, cortou o pescoço do animal, fazendo o sangue jorrar. Colocou o cálice sob o corte, enchendo a metade que faltava da taça com o sangue. O bicho, ainda vivo, se manteve parado, enfeitiçado, até que a taça estivesse três quartos cheia; e então, com um ganido, desabou no chão. Meu mestre disse algo que não pude entender e o jogou na fogueira. Ficamos em silêncio até que todo o pequeno corpo houvesse sido consumido pelas chamas azuis.
Eu sabia o que fazer agora. Sem que fosse pedido, tirei minhas roupas e me ajoelhei ao lado de meu mestre. Na língua ritual ele me fez as perguntas, na língua ritual eu respondi. Estendi o braço, e com a adaga ele fez um corte raso e extenso em mim. O sangue que caiu foi depositado no cálice, até que enchesse o que restava. Mais palavras ditas, por ele e por mim; e então eu bebi todo o líquido, que agora era quase negro. O gosto era amargo e ferroso, e vivo, como se a bebida pulsasse em minha boca. Quando engoli a última gota, o fogo havia se tornado de um azul tão forte que era quase roxo, e soltava estranhas faíscas. O frio desaparecera, eu me sentia muito quente. Podia ouvir qualquer coisa em qualquer lugar na floresta, podia sentir cada respiração de cada ser vivo ao redor.
As últimas palavras foram ditas; a uma ordem, o fogo se apagou. Me vesti, enquanto meu mestre eliminava os vestígios do ritual. No local, ficou apenas um leve vestígio de uma fogueira. Pegamos nossas coisas e voltamos pelo caminho por onde havíamos vindo.
Assim como meu mestre, agora eu era imortal.


SOBRE A HISTÓRIA

Apesar de ter alguns defeitos, gostei muito de escrever essa história. A inspiração para ela veio de uma série de contos que li há cerca de dez anos, cujo tema central era magia. Aqui ainda restam vestígios de alguns vícios de escrita que estou tentando eliminar: excesso de descrições e detalhamentos, exageros na narrativa e formulações confusas nas frases. Gosto muito do tema magia mas ainda estou aprendendo a escrever sobre ele.

Nenhum comentário: