sexta-feira, 5 de julho de 2013

[conto #045] A Casa

A CASA

A casa estava abandonada desde antes que eles nascessem, o que não era tanto tempo para as pessoas adultas, mas era mais do que uma vida para eles. Sentados do outro lado da rua, ficavam olhando os muros altos e cobertos de trepadeiras, enquanto faziam conjecturas.
-- Meu irmão me falou que mora uma bruxa aí. - dizia um.
-- Nada a ver, é um vampiro. - retrucou outra - Todo mundo sabe que é um vampiro.
-- Eu acho que é um fantasma.
Fosse o que fosse, eles sabiam que ali havia alguma coisa.
Uma casa como aquela tinha que ter alguma coisa.
A casa chamaria a atenção mesmo que não estivesse abandonada. Era a maior casa da rua, tinha o terreno três ou quatro vezes maior do que as outras; o portão de ferro estava completamente corroído, e pendia ligeiramente para um lado, ameaçando cair; e através das plantas que subiam pelas barras de ferro, via-se um enorme jardim coberto de folhas secas. Diziam que havia uma piscina lá dentro, mas eles nunca haviam visto.
Um a um, eles foram indo embora: primeiro a mãe de um chamou, depois outro sentiu fome, depois outro sentiu sede. Até que só ficou ela. Olhando sozinha para a casa abandonada.
E então ela percebeu o som. Era tão baixo que talvez já estivesse ali há muito tempo, e apenas agora, quando tudo era silêncio, ela conseguira ouvir. Parecia uma música, ou o vento soprando de forma ritmada; e parecia vir de além dos portões da casa. Intrigada, quase hipnotizada, ela se levantou e lentamente atravessou a rua, parando em frente ao velho portão coberto de plantas.
Foi só então que ele, que a observava há algum tempo, se aproximou.
-- O que você vai fazer?
-- Nada.
-- Você não vai entrar, vai?
Ela não respondeu. Encostou de leve nas grades enferrujadas e empurrou o portão, que fez um barulho de algo prestes a cair.
-- Você está ouvindo o barulho? - ela disse.
-- Que barulho?
-- O barulho. - ela empurrou de novo, e o portão caiu ligeiramente para o lado, deixando uma fresta entre as grades e o muro. Ela se esgueirou pela fresta, entrando no terreno da casa. O outro foi atrás, inseguro.
-- Sua mãe vai brigar com você. - ele disse, e disse outras coisas mais, mas ela não ouviu nenhuma delas. Só ouvia o som suavemente musical que a chamava.
Foram andando pelo jardim, até que viram a piscina. Era grande, estava coberta de folhas e flores caídas das árvores, mas curiosamente a água estava límpida, e não turva como deveria. A menina foi andando até a beira da piscina. E então a viu.
Havia uma mulher do outro lado. Muito branca, com cabelos muito compridos cobertos de folhas e flores caídas, assim como a piscina. Estava nua, e seu corpo tinha terra e água, além de várias cicatrizes.
Ao vê-la, o garoto começou a gritar, mas ao tentar correr, escorregou e caiu dentro da piscina. Começou a se afogar, gritando por ajuda, mas a menina não via nem ouvia nada. Só ouvia a música, só via a mulher.
A mulher começou a dançar, uma dança estranha, estranha como a música que só elas ouviam. Lentamente, a menina se despiu e começou a dançar também, do mesmo modo, como se tivessem ensaiado aquela coreografia por um longo tempo. O vento começou a soprar mais forte, nuvens feitas de chumbo cobriram o céu. Pesadas gotas de chuva caíram, e as duas dançavam, em um ritmo cada vez mais frenético, cada uma em um lado da piscina. No fundo, sob a água, jazia o corpo agora imóvel do garoto.
As duas dançaram até a chuva e o vento se tornarem uma furiosa tempestade, até toda a água dos céus ter caído na terra. E então a chuva diminuiu, e lentamente elas foram parando, na mesma velocidade com que a tempestade se acalmava.
E por fim, tudo acabou. A dança, o vento, a chuva - o sol voltou a surgir, era dia calmo novamente. No fundo da piscina, o corpo do garoto desaparecera.
Atendendo a um chamado silencioso, a mulher saiu andando lentamente em direção à casa e entrou, deixando a porta aberta. A menina foi atrás, também lentamente, e assim que ela entrou, a porta se fechou sozinha.
E ela nunca mais foi vista.


SOBRE A HISTÓRIA

Este conto foi baseado no clipe da música When I Grow Up, da Fever Ray. Queria escrever algo que fosse potencialmente assustador, mas de uma forma suave, não um terror de verdade. Tenho outras ideias para o mesmo cenário, por isso talvez publique alguma outra variante desse conto. Outra fonte de inspiração foi o meu passado como invasora de casas "abandonadas", quando criança.

Nenhum comentário: