domingo, 14 de fevereiro de 2010

[conto #020] O Menino que Dormia

O MENINO QUE DORMIA

Há muito tempo atrás, em um reino distante, nasceu um lindo príncipe, o primeiro filho do rei e da rainha. Quando ele nasceu, foi dada uma grande festa no palácio, e o rei convidou todas as pessoas do reino. Havia, porém, uma mulher que morava muito longe, nas fronteiras do reino, e que todos diziam ser uma bruxa terrível. Por isso, o rei não a chamou, e achou que, como ela morava longe, não saberia da festa.
Mas a terrível bruxa tinha um corvo que voava pelos céus vigiando todo o reino. E o corvo ouviu sobre a festa, e contou a ela. A bruxa ficou enfurecida por não ter sido convidada, e decidiu que apareceria de surpresa durante a festa.
A festa para o principezinho começou com muita alegria. Todos os súditos do reino estavam lá, e todos os nobres, e até reis e príncipes de outras terras lá estavam. E o rei também convidou as três fadas que viviam na floresta, e elas levaram presentes para o principezinho.
A primeira fada se aproximou do berço, ergueu sua varinha de condão, e disse que o príncipe seria o mais belo e gracioso rapaz que já surgira no reino, e que todos se encantariam com sua beleza. Pó mágico caiu da varinha sobre o berço, e uma luz azul iluminou o bebê.
A segunda fada se aproximou do berço, ergueu sua varinha de condão, e disse que o príncipe seria o mais gentil e justo príncipe que o reino já vira, e que seus súditos o amariam e o respeitariam pela sua sabedoria e humildade. Pó mágico caiu da varinha sobre o berço, e uma luz verde iluminou o bebê.
A segunda fada se aproximou do berço, mas não chegou a erguer a varinha; pois, naquele momento, as portas se abriram e a bruxa adentrou o palácio. Todos se viraram com uma exclamação de surpresa, e o salão ficou em silêncio. O rei disse:
"O que fazes aqui, bruxa, se não fostes convidada?"
"Sou súdita de vossa alteza", disse a bruxa, "e como tal tenho o direito de ser convidada".
"Soube que és uma bruxa má, e por isso não a convidei. Ordeno que se retire".
"Me retirarei, pois aqui não sou bem-vinda. Mas antes, vou entregar meu presente ao herdeiro do reino".
Com essas palavras, e sob o olhar assustado de todos, a bruxa se aproximou do berço, ergueu sua varinha, e disse: "Mesmo sendo o mais belo e sábio príncipe que já existiu, ele nunca se tornará rei, e nunca governará; pois, ao fazer doze anos, espetará o dedo em uma roca, e morrerá!"
Pó mágico caiu da varinha sobre o berço, e uma luz negra iluminou o bebê. Pessoas gritaram, a rainha começou a chorar; o rei mandou os guardas prenderem a bruxa, mas ela deu uma gargalhada e desapareceu em um redemoinho de fumaça.
Todos no palácio choravam em desespero, mas a terceira fada se aproximou do trono e disse:
"Majestade, não posso retirar a maldição que a bruxa má lançou sobre o príncipe. Mas posso alterá-la".
Ela se aproximou do berço e ergueu sua varinha de condão. "Ao fazer doze anos o príncipe espetará o dedo na roca, mas não morrerá; ao invés disso, caíra em um sono profundo. Ele só despertará quando uma pessoa que o ame de verdade o encontrar e lhe der um beijo".
Pó mágico caiu sobre o berço, e o bebê foi iluminado por uma luz dourada.

* * * * *

Os anos se passaram, e o príncipe cresceu. E, como as fadas haviam dito, ele se tornou o mais belo e gentil príncipe que já havia existido no reino, e todos os súditos o amavam. Ele nada sabia sobre a maldição que a bruxa má jogara sobre ele, mas o dia em que completaria doze anos se aproximava, e o rei e a rainha temiam pela vida do príncipe.
Para tentar evitar a tragédia, o rei havia mandado destruir todas as rocas que existiam no reino, quando o príncipe era ainda um bebê; uma grande fogueira fora feita, e todas as rocas haviam sido ali queimadas. Mas a fada avisara ao rei que aquilo de nada adiantaria: uma vez que a maldição havia sido feita, nada poderia impedir que ela acontecesse.
Mas o rei não desistia de tentar salvar o filho daquele sono eterno, e avisou a ele que, no dia de seu aniversário de doze anos, ele passaria o dia todo no salão real, onde haveria uma festa para celebrar seu aniversário. O rei tinha a esperança de que, ficando o dia todo no salão, não teria como ele espetar o dedo na roca, e a maldição falharia.
O príncipe concordou, embora não entendesse tanta preocupação de seu pai. Mas quando acordou, no dia de seu aniversário, o dia estava lindo e os pássaros cantavam, e ele não queria passar o dia todo trancado no salão real. Sem que ninguém o visse, e como a festa demoraria ainda alguns minutos para começar, ele resolveu andar pelo jardim. Foi andando, encantado com a luz do sol e o colorido das flores, até que chegou a uma porta pela qual ele nunca entrara. Curioso, ele abriu a porta e entrou.
A porta abria-se para um pequeno aposento vazio, e no fundo deste, havia uma escada. O príncipe subiu a escada, até chegar ao alto de uma torre. Na torre havia outra porta, e ao abrí-la, ele se viu em um pequeno quarto, onde uma velha senhora preparava o café da manhã.
"Quem é você", disse o príncipe, "e por que vives aqui?".
"Sou uma velha criada do castelo", a velha disse, "e vivo aqui sozinha, tecendo e cozinhando".
Curioso, o príncipe entrou no quarto e foi até um objeto que ele nunca vira. "O que é isso?".
"Isso é uma roca que eu uso para tecer. Não se encontram mais rocas no reino, pois todas foram queimadas por seu pai".
"Por que meu pai queimaria as rocas?"
"Por que há uma lenda de que elas trariam a dor e a morte em quem as tocasse".
Mas o príncipe não se assustou com o que a velha disse. Tocou na roca, tentando entender como aquilo funcionaria, e sem querer espetou o dedo na agulha. Uma gota de sangue brotou sobre a pele.
"Oh", disse a velha, "vejo que se feriu".
"Não foi nada, apenas uma gota de sangue". Mas o príncipe começou a se sentir tonto, e caiu desfalecido no chão. A velha deu uma gargalhada, e se transformou na bruxa que anos antes o enfeitiçara.
"Tolo! A agulha estava envenenada, e agora a maldição se cumpriu. Você dormirá eternamente!"

* * * * *

O príncipe adormecido foi posto no alto da torre mais alta do castelo, onde esperaria pelo beijo da pessoa que o amaria, e que o acordaria. Mas os anos se passaram e ninguém que realmente amasse o príncipe apareceu no castelo; e o rei e a rainha morreram, e todos os súditos morreram, e os filhos dos súditos, e os filhos de seus filhos. E o castelo ficou vazio, e o principezinho continuou dormindo no alto da torre.
Mil anos se passaram, e uma grande floresta crescera ao redor do castelo. Como muitas pessoas curiosas que conheciam a lenda tentavam entrar no castelo para ver o príncipe, a bruxa fizera crescer um enorme muro de espinhos ao redor dele, e colocou um grande dragão no pátio do castelo, para matar qualquer um que tentasse se aproximar.
Um dia, um príncipe apareceu naquelas terras, viajando pelo mundo com seu cavalo branco. Ele viu, ao longe, a torre do castelo se erguendo em meio à floresta, mas era uma mata tão fechada e tenebrosa que parecia ser impossível chegar até lá. Curioso, ele perguntou a um velho mercador da cidade de quem era aquele castelo.
"Aquele castelo está abandonado há mais de mil anos", disse o velho. "O avô do avô de meu avô contou a meu pai uma história. Disse que, naquele reino, havia um principezinho amaldiçoado. Aos doze anos ele caiu em um sono profundo, e até hoje ele dorme no alto da torre, sozinho. Dizem que essa floresta foi erguida pela bruxa, e que há uma muralha de espinhos ao redor do castelo, e um dração dentro dele, para que ninguém se aproxime".
O príncipe ficou muito impressionado com a história, e muito triste pelo principezinho. "Não há nenhuma forma de salvar o príncipe?"
"Eu não sei. Há muitas lendas e muitas histórias, mas a forma como o príncipe poderia ser salvo se perdeu com os séculos.".
Mas o príncipe não pôde dormir, naquela noite nem na outra, pensando no principezinho adormecido no alto do castelo. E ele decidiu que iria tentar salvá-lo. Então, ao amanhecer, ele preparou seu cavalo e sua espada, e seguiu para o interior da floresta.
A floresta era muito grande e muito difícil de se andar. As árvores eram tão próximas que impediam a luz do sol de chegar ao chão, tornando tudo escuro como se fosse uma noite sem lua. O príncipe andou por dias e dias, mas acabou se perdendo, pois não conseguia ver o castelo. Mas haviam pequenas fadas naquela floresta, e elas iluminaram o caminho para o príncipe, o levando até a entrada do castelo.
Quando lá chegou, o príncipe viu a grande muralha de espinhos, e percebeu que não poderia entrar no castelo com seu cavalo. Ele o deixou ali e começou a tentar escalar o muro. Os espinhos rasgavam suas roupas e feriam sua pele, e  ele sangrava, mas pensava no principezinho e continuava a subir, fingindo não ver o sangue nem sentir a dor. Quando conseguiu chegar ao interior do castelo, estava tão machucado que mal podia andar.
Ele não tinha mais forças, e adormeceu; mas, no dia seguinte, ao acordar, sentia que todas as forças tinham voltado. Ele ainda estava machucado, mas se pôs de pé e seguiu para dentro do castelo. Ao chegar ao pátio, deparou-se  com o terrível dragão.
O dragão o atacou, cuspindo fogo, mas o príncipe conseguiu se desviar. Escondeu-se atrás de uma parede e, quando o dragão virou-se de costas para ele, o procurando, ele atacou com sua espada. O dragão se virou e cuspiu fogo, mas o príncipe se desviou e cravou a espada no coração do dragão, fazendo-o se desfazer em uma nuvem de fumaça.
Agora, não havia mais nada impedindo o príncipe de subir para a torre. Mas, mal ele pisou nos primeiros degraus, a bruxa surgiu à sua frente, furiosa por ele ter conseguido chegar até ali. "Você veio de muito longe", ela disse, "e muito lutou, mas foi em vão. Você não pode salvar o principezinho, e nada do que fizer fará com que ele acorde".
"Mentes, bruxa", ele disse. "Sinto em meu coração que posso salvar o principezinho". E ele pegou sua espada e cortou a cabeça da bruxa. Ela se desfez em uma nuvem de fumaça, como o dragão.
O príncipe subiu as escadas até o alto da torre, e lá em cima havia uma porta fechada com um grande cadeado. Ele pegou uma grande pedra e bateu no cadeado até que ele se quebrasse, e então abriu a porta. Ali era o quarto, e sobre a cama, o principezinho dormia.
Ele se aproximou do principezinho adormecido. Todo o castelo estava cheio de pó e mato, pois muitos séculos haviam se passado, mas aquele quarto estava intocado pelo tempo, e o principezinho não envelhecera nem um dia desde que adormecera. O príncipe mais velho se sentou na cama, olhando o menino adormecido.
"Pobre garotinho", ele pensou, "tão jovem e tão pequeno, e amaldiçoado. E todas as pessoas que o amavam já se foram, e agora ele está sozinho no mundo. Como poderei despertá-lo?".
E o princípe ficou admirando o principezinho, e estava encantado pela beleza dele. E ele começou a sentir algo que nunca sentira, e percebeu que amava o principezinho mais do que qualquer outra pessoa. E ele ficou triste por amar o principezinho, já que ele nunca acordaria. Então, para se despedir, ele o beijou.
Nesse momento, uma luz dourada iluminou o principezinho, e ele abriu os olhos. E quando ele viu o príncipe, ele o amou também, mais do que qualquer um, e eles descobriram que iriam ficar juntos para sempre. Então o principezinho disse, "Você é a pessoa que me ama de verdade, e seu beijo me despertou. Agora, poderemos viver juntos para sempre". E com isso, a floresta e a muralha de espinhos em volta do castelo desapareceram, pois toda a magia da bruxa estava desfeita. O príncipe pegou o principezinho no colo e o beijou novamente, e eles fizeram amor pela primeira vez.
No fim do dia, o príncipe levou o principezinho para fora do castelo, até seu cavalo branco, e eles partiram para longe dali, para um reino muito distante, onde poderiam viver em paz. E foram felizes para sempre.


SOBRE A HISTÓRIA

Podem mandar me matar por ter deturpado e corrompido a linda e não tão inocente história da Bela Adormecida, mas a sina de todo escritor é escrever aquilo que lhe vêm à mente, tendo como único filtro ser uma boa história; se é moral, se faz sentido, ou se vai causar a destruição do mundo, não cabe a nós julgar. Esse conto surgiu quando estava escrevendo um capítulo de uma história que escrevo para a minha irmã; no meio desse capítulo, um garotinho gay conta essa história em versão resumida. Achei que ficou interessante e acabei desenvolvendo a história e a transformando num conto.

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