terça-feira, 17 de agosto de 2010

[conto #024] Nas Nuvens

NAS NUVENS

-- Por que o céu é azul?
Estávamos sentados no quintal, comendo pipoca. Quase não havia nuvens no céu.
-- Porque sim.
-- Por que sim?
-- Não sei.
A impressão que eu tinha era que ele simplesmente não queria gastar tempo para me responder.
-- Por que tem nuvens lá no céu?
-- Porque a água evapora e forma as nuvens.
-- Então, as nuvens são feitas de água?
-- Sim.
-- E como a água evapora?
-- O sol esquenta a água e ela vira vapor. O vapor sobe para o céu e vira a nuvem.
-- Mas por que ele não vira nuvem aqui embaixo?
-- Porque sim.

* * * * *

A água começava a se agitar, bolhinhas surgiam no fundo. O fogo calmo, quente. Até que o líquido fervia, quase uma explosão. E o vapor que subia, também muito quente.
-- É assim?
-- É. Só que mais devagar, porque o sol não esquenta tanto a água.
-- E porque o vapor não fica aqui embaixo e vira nuvem?
-- Porque o ar aqui é mais pesado do que o vapor. Então é como se o vapor fosse um isopor e o ar fosse a água. Se você mergulhar na piscina e for lá pro fundo e soltar um pedaço de isopor, o que vai acontecer com ele?
-- Ele sobe.
-- Então, com o vapor também é assim. Como ele é mais leve do que o ar, ele vai subindo, subindo, até chegar lá em cima no céu. Lá, o ar não é mais pesado do que ele, então ele não sobe mais, fica parado. Quando muitos vapores se encontram, você consegue ver eles melhor. É isso que a gente chama de nuvem.
-- Então, a nuvem é só um monte de vapor?
-- Isso. Você não consegue encostar na nuvem, porque ela é só vapor.
Ele explicava muito melhor do que o outro. Por isso eu gostava mais dele.
-- Por que o ar lá em cima não é mais pesado do que o vapor, e o daqui de baixo é? Não é o mesmo ar?
-- Não, é diferente.
-- Diferente como?
-- É porque... - ele pensou um pouco - A Terra é quase como se fosse uma bola, não é?
-- É.
-- Então, o ar fica dentro da Terra. Mas não tem ar suficiente pra encher a Terra toda, então tem lugares em que falta ar. Como ele é mais pesado, ele desce pro chão, então lá em cima fica com pouco ar. Quanto mais você sobe, menos ar tem.
-- Ah... E quanto mais ar, mais pesado ele fica?
-- É. Porque um monte de ar pesa mais do que um pouquinho de ar.
-- É verdade. - balancei a cabeça, satisfeita.
Fiquei olhando o vapor da água que fervia, pensando. De repente, uma grande luz surgiu na minha mente.
-- Ah!
-- O que?
-- Então é por isso que chove? Porque a nuvem é feita de água?
-- Isso.
-- Mas por que a água cai? - antes que ele respondesse, continuei - Já sei! É porque o ar aqui embaixo de repente fica pouquinho, e fica mais leve do que o vapor, aí ele não consegue segurar a nuvem e ela cai! Não é?
-- É - ele riu - é mais ou menos isso.
Eu estava muito empolgada. Ele desligou o fogo, e logo o vapor diminuiu, embora ainda subisse.
-- Você sabe ler?
-- Sei!
-- Então vem cá. - fomos para a sala e ele pegou um livro que estava no alto da estante - Toma. - ele me entregou o livro - Aí explica tudo sobre como as nuvens funcionam. Eu tenho um monte desses. Explica muita coisa.
Peguei o livro, me sentei no sofá e comecei a ler. Ele ficava quase sempre do meu lado, para quando eu quisesse perguntar alguma coisa. Como se soubesse o quanto aquilo seria importante para mim um dia. Ou como se soubesse que, por causa daquilo, ele seria uma das pessoas mais importantes para mim, pelo resto da minha vida.


SOBRE A HISTÓRIA

De uma forma bem sutil, esse conto foi inspirado na minha relação com meu avô paterno e para ele é dedicado. Desde que eu era muito pequena, sempre que ia à casa do meu avô, ele me dava para ler livros sobre ciência, ficava conversando comigo sobre matemática, história, geografia, política, religião e demais assuntos que tanto me fascinavam e (talvez graças a atenção dada por ele) ainda fascinam. Inteligentíssimo e mais paciente do que outros adultos costumavam ser comigo, essa pessoa que só esteve na escola até a quarta série do ensino fundamental fazia o possível para responder todas as minhas milhares de perguntas, e se hoje cheguei no nível acadêmico em que estou, ele foi um dos grandes responsáveis por isso.

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