terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

[conto #057] No Fundo

NO FUNDO

Eu me lembro de quando eu fui feliz pela primeira vez.
Nós tínhamos nove anos e estávamos brincando atrás da escola. Devíamos estar em cinco ou seis crianças, e não deveríamos estar ali. Havia um bosque atrás da escola e no meio dele havia um lago, e era um local perigoso. Mas obviamente, se não fosse perigoso, não nos interessaria.
As outras crianças brincavam na beira do lago. Eu estava sentada em cima de uma pedra, olhando para a água. Me sentia muito triste.
Eu me sentia sempre triste. Profundamente triste.
Como se o simples fato de estar viva fosse um motivo para melancolia.
Eu não sei exatamente em que momento as crianças cansaram de brincar na margem e resolveram entrar na lagoa. Só sei que de repente ali estavam elas, tirando as roupas e se jogando na água verde-escura. Alguns respingos de água caíram sobre mim, e aos gritos elas me chamaram para entrar também.
Eu nunca tinha entrado na lagoa. Sequer sabia nadar. Achei que poderia morrer se entrasse ali. Seria interessante morrer.
Talvez, se eu morresse, não me sentiria mais tão triste.
Me pus de pé. Em passos frios fui andando em direção à margem.
As crianças nadavam no meio da lagoa. Lentamente, meus pés tocaram a água.
Estava fria. A pedra estava escorregadia. Mas não foi nisso que eu reparei. A única coisa em que eu reparei foi na sensação.
O que eu senti quando toquei a água foi como se um milhão de linhas estivessem se amarrando na minha alma e me puxando em direção à água. Essa é a única forma de explicar aquilo.
E conforme essas linhas foram me puxando para dentro da água, eu fui adentrando cada vez mais, até que o chão sumiu e eu afundei.
E eu percebi que aquilo, aquelas linhas na alma, eram o que as pessoas chamam de felicidade.
E eu entendi tudo.
Permaneci no fundo da lagoa, sentada em silêncio, por muito tempo. Não queria abandonar aquela sensação única. Não queria deixar de sentir as linhas.
Só subi quando eu soube que estava acabado.
Emergi bem no meio da lagoa. A água, verde-prateada, refletia o céu. Sobre ela, os corpos dos meus amigos boiavam, sem vida.
Pela primeira vez na minha vida, eu sorri.


SOBRE A HISTÓRIA

Esse é o primeiro conto que eu publico depois de um hiato de mais de um mês sem escrever absolutamente nada que não fossem fanfics slash, então foi um pouco difícil de fazer e a narrativa ficou um pouco fraca. Mas ele surgiu do nada e do nada seguiu, em um estilo que se tornou muito característico meu nos últimos anos. Eu ia escrever muito mais coisa, mas quando cheguei nessa que acabou sendo a última linha, eu percebi que esse era o final, e qualquer coisa além dele faria o conto perder o tom.

Um comentário:

Jordana Salamon disse...

Caham, já te falei que alguns dos seus contos são... estranhos? kk
Ficou muito bom, mesmo sendo triste lol
Você escreve muito bem, Vit :3
Beijão <3

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