segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

[fanfic #009] [capítulo #008] [U2] Ausência

  • História não recomendada para menores (temas adultos)
  • Contém sexo hétero e gay
AUSÊNCIA

CAPÍTULO 8

A rua em frente à escola já estava tomada por crianças quando Íris afinal saiu do prédio. Parou no alto das escadas e olhou ao redor, procurando.
Lá estava ele. Do outro lado da rua, quase na esquina, um carro preto, parado, com vidros escuros. Às vezes eram carros diferentes, mas ela aprendera a reconhecê-los. Não sabia exatamente o porquê, mas aquele carro não pertencia ali. Ela sabia, mesmo sem ver, que havia alguém naquele carro olhando para ela, esperando por ela. Sabia que, como das outras vezes, o carro esperaria ela se afastar, para então começar a segui-la, mantendo-se sempre a uma boa distância. Então ela chegaria em casa, e o carro ficaria parado na esquina da rua, sabia Deus por quanto tempo. Eventualmente, ele iria embora. Mas, se ela saísse para algum lugar, ele novamente iria atrás dela.
No início, aquilo era assustador. Mas agora, era apenas irritante. O carro nunca se aproximava, nunca a abordava. Apenas ficava ali, uma presença constante, sempre por perto.
Ela seguiu para casa, muito consciente da presença do carro atrás dela. Não era possível que o motorista achasse que ela não sabia que estava sendo seguida. Era ridiculamente óbvio. Quem quer que fosse, provavelmente não estava preocupado em se esconder.
Ao chegar em casa ela parou, a mão na maçaneta da porta. O carro passou pela casa, lentamente, e foi parar na esquina, poucos metros à frente.
Com um suspiro, ela entrou na casa, batendo a porta com força.
— Íris? - veio a voz de sua tia, da cozinha - É você?
— Sou eu, tia. O vento bateu a porta, desculpe.
Ao invés de subir para seu quarto, ela deixou a mochila no sofá da sala e foi para a garagem. Seu tio guardava as ferramentas ali. Ela pegou um martelo e voltou para a casa, indo até a cozinha. Sua tia estava fazendo um bolo, e mal olhou quando ela passou. Íris saiu pela porta lateral, que dava para uma pequena varanda com jardim, e rodeou a casa. O muro que dava para a casa de trás era baixo; ela subiu nele e pulou para o outro lado sem dificuldades.
Os filhos do vizinho estavam brincando na piscina, e olharam intrigados quando ela pulou. Mas antes que perguntassem alguma coisa, ela colocou o dedo sobre os lábios, em um sinal de silêncio.
— Shhh. Estou procurando uma coisa muito importante. Só preciso passar por aqui pra sair pelo outro lado.
As crianças balançaram a cabeça, atônitas, e permaneceram em silêncio. Íris correu pelo quintal, até sair na rua. Atravessou para a outra calçada e correu, em direção à esquina, onde aquela rua e a rua onde morava se  encontravam.
Ao se aproximar da esquina, ela viu o carro, parado no mesmo lugar de antes. Agora conseguia ver vagamente o motorista, o suficiente para saber que ele estava olhando para a frente e não a veria se aproximar.
Andando rápido, mas sem correr, ela foi até o carro e deu três batidinhas no vidro.
Ao vê-la, o motorista quase pulou do banco. Ligou o carro, e estava prestes a acelerar, quando ela pegou o martelo e bateu com toda a força no vidro, quebrando-o em pedaços.
O motorista gritou. Íris destrancou a porta por dentro, abriu-a e se sentou no banco do passageiro, martelo em mãos. O motorista era um homem de uns trinta anos, muito alto e forte, provavelmente um segurança ou algo do tipo. Ignorando os dois metros do homem contra seu um metro e meio, ela o segurou pela camisa e se aproximou, brandindo o martelo.
— Me fala agora porque você está me seguindo, ou eu arrebento sua cabeça!
O homem parecia estar em choque. Demorou alguns segundos para ser capaz de falar alguma coisa.
— Eu não estou te seguindo. Quem é você?
Como resposta, Íris bateu o martelo com toda a força contra o painel do carro, arrebentando os mostradores. O homem engoliu em seco.
— Ok, ok! Pare de destruir meu carro! - ele a empurrou, fazendo com que ela o soltasse - Você é maluca. Como sabe que eu não quero te matar ou te sequestrar?
— Você está me seguindo há dois meses, se quisesse já teria me matado. Fala logo! - ela bateu de novo com o martelo no painel do carro.
— Pare com isso! Eu sou um segurança particular. Fui contratado para te seguir e garantir que esteja segura.
— Contratado por quem?
— Não posso dizer o nome do meu cliente.
— Pois fale para o senhor seu cliente - ela o segurou pela camisa de novo - que se ele continuar me seguindo, eu não vou quebrar o carro, eu vou quebrar a cara dele!
Com isso, ela saiu do carro, furiosa, e seguiu para casa. Após alguns minutos, o carro foi embora, deixando cacos de vidro para trás.

*****

Íris bateu com força a porta do quarto, ofegante. Ainda segurava firmemente o martelo. Olhou ao redor, para o quarto cor-de-rosa, cheio de bichinhos de pelúcia, com pôsteres do U2 espalhados por todos os lados, com fotos de seus pais por todos os cantos.
Ela largou o martelo e avançou para as paredes.
Não demorou cinco minutos para que todos os pôsteres estivessem aos pedaços. Mesmo os autografados. Mesmo os pôsteres raros. Pedaços de papel espalhados por todos os lados, até que sobrassem apenas manchas de durex nas paredes.
Quando ela saiu do quarto carregando uma caixa enorme, sua tia, que agora estava na sala, olhou para ela de forma inquisitiva.
— O que é isso, menina?
— Meus discos do U2. - ela foi em direção à porta.
— E aonde você vai com isso?
— Vou vender para a loja de discos.
E com isso ela saiu.

*****

Dois dias depois:

Era sábado, e Íris estava sentada na mesa de um restaurante, tomando uma limonada e olhando distraidamente para o mar. Fazia calor, e as praias estavam lotadas. Já fazia quase cinco anos que não ia para Miami. Esquecera-se de como era bonito.
Ela viu, de canto de olho, quando alguém parou ao lado de sua mesa e ficou olhando para ela. Não precisava olhar para saber de quem se tratava.
— Bom dia, Bono. - ela se virou para ele - Também veio aproveitar a praia?
Bono olhava para ela, muito sério. Ela sorriu e voltou a beber sua limonada, mas por dentro, sentia o coração disparado. Era um milagre que não estivesse tremendo. Apesar de tudo, ela passara a vida inteira idolatrando aquele homem. E, embora não se lembrasse de nada, ela tivera um caso com ele. E, sendo totalmente sincera consigo mesma, ela tinha que admitir que ele era um homem e tanto. Aqueles olhos azuis, aquele olhar...
Ele se sentou à sua frente, e ela se obrigou a parar de pensar aquelas coisas. Pro inferno ele e seus olhos azuis e sua voz e aquele jeito irritantemente sexy. Ela tirou os óculos escuros e o encarou friamente.
— O que você está fazendo aqui? - ela disse.
— Essa pergunta é minha. O que você está fazendo aqui?
— Não é óbvio?
— Me disseram que você fugiu de casa de novo. Saiu escondida, antes do sol nascer, carregando só uma mochila - ele apontou para a mochila rosa, jogada displicentemente na cadeira ao lado - Pegou o primeiro ônibus para Miami e viajou por quatro horas até chegar aqui. Depois de tudo o que aconteceu, você ainda não aprendeu? Vai cometer os mesmos erros de novo?
— Uau, bem detalhada essa sua... Fonte. Foi aquele mesmo cara que te disse isso? Ele está me seguindo mais de longe agora?
— Não sei do que você está falando.
— Ah, não sabe? Então você também não sabe que destruí o carro do cara com um martelo?
Bono hesitou, mas por fim, suspirou e disse, balançando a cabeça:
— O que aconteceu com você? Você não é o tipo de mulher louca que sai por aí destruindo coisas e ameaçando pessoas com um martelo.
— Ah, não sou? O que você pensa que sabe sobre mim? - ela se inclinou para a frente, o sorriso sumindo de seu rosto - Eu também achava que você era um bom marido, um bom pai, e que não fosse um pedófilo que fica perseguindo meninas de quinze anos. Obviamente, eu estava enganada.
Ela viu Bono tremer ligeiramente, mas ele logo se controlou. Ela não sabia se aquilo era culpa ou raiva, mas era algo, e ela queria ver até onde ele iria.
— Por que você colocou pessoas para me seguirem? O que faz você pensar que tem esse direito?
— Eu preciso garantir que você fique a salvo! - ele bateu na mesa - Há poucos meses atrás, você foi sequestrada e quase foi morta! E ainda pergunta por que tenho pessoas vigiando você? Você devia dar graças a Deus por eu me preocupar com você!
— Não, eu não devia! Não devia, porque você não tem nenhum motivo para se preocupar comigo! Você não é nada meu, você é só um cantor de quem eu gostava quando era criança, e eu sei que você dormiu comigo mas eu nem me lembro disso!
— Fale baixo!
— Pro inferno! Você fez merda, agora aguente as consequências! Eu não devo nada pra você!
Iris se levantou, pronta para ir embora. Estava tudo dando errado, tudo. Ela não planejara aquela explosão, não planejara nada daquilo, mas não conseguia evitar. Era demais, demais. A decepção era muito grande, a raiva, a vergonha pelo que não se lembrava de ter feito. Era tudo demais para ela.
Mas, antes que ela desse dois passos, Bono estava atrás dela, segurando-a pelo braço - com firmeza, mas sem ser bruto.
— Não. Não vá embora. - ele falava muito baixo, quase sussurrando em seu ouvido - Venha comigo.
Meio hipnotizada, Íris o seguiu. Os dois saíram do restaurante e atravessaram a rua, até um hotel imponente do outro lado. Subiram direto até um quarto, onde Bono devia ter passado apenas para deixar suas coisas quando chegara em Miami - sua mala estava jogada de qualquer jeito em um canto, e de resto o quarto estava intocado.
A porta se fechou atrás deles, e um silêncio sólido se seguiu.
Os dois se olhavam fixamente. O tempo pareceu parar. O que estou fazendo? Novamente, aquilo não estava nos seus planos. Não, definitivamente, acabar sozinha com Bono em um quarto de hotel não estava nos seus planos.
— Me desculpe.
A frase, aparentemente sem contexto, quebrou qualquer que fosse o feitiço que havia caído sobre eles. Íris piscou e balançou a cabeça, confusa.
— O que?
— Me desculpe. - ele foi andando pelo quarto, sem rumo, e parou diante da janela. Apoiou-se nela e ficou olhando para fora - Eu sei que não tenho nenhum direito de me meter na sua vida. Mesmo que você não tivesse perdido a memória, o fato de termos tido algo no passado não me dá esse direito. Mas eu me sinto responsável por você. Eu... - ele suspirou, virou-se para ela - Sua mãe me escreveu uma carta. Depois de morrer.
— Minha mãe... O que?
— Ela escreveu uma carta e programou para que ela fosse entregue apenas se algo acontecesse. Eu recebi a carta há algum tempo, mas só recentemente a li. Ela... Ela falava várias coisas para mim. E me pedia para que tomasse conta de você, caso algo acontecesse com ela e com seu pai.
— Tomasse conta de mim? Por quê?
Bono deu de ombros, tentando assumir um ar indiferente.
— Por que ela era minha fã, eu acho. Porque tive muita importância na vida de vocês. O fato é, eu só li essa carta depois que... Depois que você perdeu a memória. E... Eu me senti muito culpado. Por tudo. Tudo o que fiz a você, o fato de ter abusado de você, tenha sido consensual ou não... Sendo que sua mãe me pediu para te proteger, para cuidar de você. Eu quero consertar isso, de alguma forma. Te manter a salvo é o mínimo que posso pensar em fazer. É o que eu faria por minhas... Por minhas filhas.
A última palavra saiu engasgada, e ele desviou o olhar, sentindo os olhos se encherem de lágrimas. Íris ficou olhando para ele, atônita.
— Bono, você... Você gosta de mim?
Ele olhou para ela.
— É claro que sim. Muito.
Íris se aproximou, lentamente, até parar bem próxima a ele. Então ficou na ponta dos pés e, timidamente, lhe deu um beijo no rosto.
— Eu também gosto muito de você.
E de repente, aquilo era muito mais do que ele era capaz de suportar. Sem saber como, seus lábios estavam nos dela, em um beijo superficial, mas forte. Lágrimas caíam por seu rosto, enquanto uma voz no fundo de sua mente o mandava se afastar, voz que ele deliberadamente ignorava.
Foi Iris quem se afastou primeiro. Em um segundo ela estava completamente entregue no beijo, no segundo seguinte ela o empurrava e se afastava até o outro lado do quarto.
Os dois ficaram se olhando, ofegantes e envergonhados.
— Me desculpe. - Bono disse, em um fio de voz.
— Tudo... Tudo bem. - ela gaguejou - Só não... Não fala de novo. Nunca mais.
Ele balançou a cabeça, e ela foi depressa em direção à porta. Antes de sair, se voltou uma última vez para ele.
— Não me procure de novo. Não mande ninguém atrás de mim. Saia da minha vida, e não volte nunca mais.
— Sim, eu acho que é o melhor.
— Adeus, Bono.
— Adeus.
E com isso, ela se foi.

*****

Dublin, Irlanda - dois dias depois

As meninas haviam finalmente dormido. Ali estava no quarto, lendo. Em silêncio, Bono foi até seu escritório e se trancou ali, sozinho. De dentro da gaveta trancada, ele tirou a carta que a mãe de Íris lhe escrevera. Embaixo dela, o envelope com o resultado do exame de DNA.
Como fizera dezenas de vezes nas últimas semanas, ele releu toda a carta. Depois, abriu novamente o resultado do exame. Havia alguns termos técnicos incompreensíveis, mas no final da folha, em vermelho, a linha "Resultado: o suposto pai tem no mínimo 99,99% de chance de ser o pai biológico do filho" não deixava muitas dúvidas.
Ele fechou o envelope. Não falara sobre aquilo para ninguém. Nem para Edge. Muito menos para Edge. O que ia dizer? Ah Edge, sabe aquela garota com quem transei umas cem vezes há uns meses atrás? Pois é, ela é mesmo minha filha. Que coisa engraçada é a vida, não? Milhões de garotas com quem eu poderia ter me envolvido, e fui me envolver com minha própria filha. Inclusive, ainda estou apaixonado por ela. Inclusive, eu a beijei há dois dias atrás, e teria transado com ela de novo, se ela não tivesse me mandado parar. Mesmo sabendo quem ela é, eu teria feito de novo.
Sim, ele teria feito. Se sentia horrorizado, e ao mesmo tempo não conseguia evitar o que sentia. Não conseguia parar de pensar em Íris.
Ele estava prestes a guardar novamente o exame e a carta na gaveta, quando parou. Ficou olhando para o nada, e então subitamente pegou o exame e o rasgou ao meio. E de novo, e de novo, até que restassem apenas pedacinhos indistinguíveis. Fez o mesmo com a carta, e por fim juntou todos os retalhos de papel e jogou na lareira. Acendeu o fogo e ficou vendo eles queimarem, até que só restassem cinzas.
Por fim, Bono pegou o telefone e ligou para seu chefe de segurança, que atendeu prontamente, apesar de ser mais de meia noite.
— Boa noite, senhor.
— Boa noite, Parker. Por favor, assim que amanhecer, mande cancelar a vigilância sobre Iris, ok?
— Cancelar toda a vigilância sobre ela, senhor?
— Sim. Pode liberar os rapazes. Ela está segura, a vigilância não é mais necessária.
— Sim, senhor.
Bono desligou o telefone. Foi até a lareira e apagou o fogo; dos fragmentos de papel, haviam restado somente cinzas. Ele saiu do escritório, apagando a luz atrás de si.

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