QUE VEIO DO MAR
Ele estava brincando na praia, próximo às pedras, procurando conchas. Já enchera os bolsos delas, quando avistou a concha mais bonita e mais diferente que já vira: era grande, quase do tamanho de sua mão, e tinha um formato estranho, como uma rocha em miniatura, cheia de reentrâncias e cavernas no seu interior.
Ela estava bem no limite onde as ondas batiam na areia, e ele correu para pega-la antes que voltasse para o mar. A virou para todos os lados, curioso. Nunca vira nada parecido com aquilo. Teve a impressão de que havia algo em seu interior, e a sacudiu próxima ao ouvido. O que ouviu, além de um toc-toc de algo se movendo dentro, foi um gritinho agudo e muito baixo, que não teria escutado se não tivesse quase encostado a concha no ouvido. Aturdido, ele ficou olhando para ela, tentando descobrir de onde viera o barulho.
Algo se moveu, parecendo estar tentando sair do interior da concha por uma das pequenas aberturas. Ele continuou olhando, esperando, e logo surgiram primeiro dois bracinhos muito finos, depois uma cabeça com fios de cabelo cor de mar, e por fim um corpo tão pequeno e fino que pareceria minúsculo mesmo ao lado da menor das bonecas.
A criaturinha se arrastou para fora da concha e se sentou em uma das reentrâncias, parecendo ter dificuldades para se mover. Afastou os cabelos azuis-verdes-brancos do rosto, e olhou ao redor com olhos redondos que pareciam ocupar metade de seu rosto. Por fim percebeu a existência do outro, estranho ser que segurava sua concha sem sequer pedir autorização.
Os dois se olharam por um longo tempo. A menina da concha logo perdeu o interesse pelo menino que segurava a concha, e a escalou até a parte mais alta, de onde olhou ao redor como se procurasse alguma coisa. Quando viu o mar, logo a frente, pareceu muito satisfeita; pulou para a mão do menino, empurrou a concha para que ela caísse na areia - o outro só olhava, sem tentar impedir ou ajudar - e em seguida pulou ela mesma. Caiu como cairia uma folha de uma árvore, tão lentamente que parecia flutuar. Acabou indo parar um pouco longe da concha, e teve que correr antes que uma onda a pegasse. Por fim começou a empurrar a concha pela areia, tentando leva-la de volta ao mar.
Nesse momento o outro saiu de seu estado de fascinação inerte, e resolveu que queria a menina com sua concha para si. Abaixou-se e pegou a concha de novo, para desespero da pequena criaturinha, que se viu perigosamente próxima às ondas sem nenhuma proteção. Percebendo o perigo, o menino a pegou também, colocando-a de volta no lugar de onde a vira sair, e no qual ela depressa se refugiou. E então a levou para casa, como sabia que não devia fazer, e como desejava mais do que qualquer outra coisa no mundo.
A noite o encontrou trancado no quarto, olhando para o pequeno aquário vazio onde colocara a concha. Desde que a trouxera, a pequena menina não aparecera, mas ele sabia que ela estava ali; podia escuta-la se movendo no interior, quando prestava bastante atenção. Sabia que mais cedo ou mais tarde ela apareceria.
Naquele dia ela não apareceu, e nem nos próximos, até se completar uma semana. No oitavo dia, quando o menino nem vigiava mais, ela por fim se mostrou. Apareceu assustada por um dos buracos na concha, olhando ao redor, e ao ver o menino, fez uma cara que poderia indicar raiva - embora fosse dificil identificar expressões em um rosto tão pequeno. Mas por fim saiu da concha, e começou a andar pelo aquário, explorando o lugar. Foi andando até bater de cara no vidro, o que por um momento a assustou muito; mas após apalpar aquele parede quase invisível e identificar seus limites, ela pareceu absorver depressa sua nova situação. Voltou para junto da concha e se sentou ali, esperando.
O menino pensou que talvez ela estivesse com sede, e colocou uma tampinha com água ao seu lado, mas ela se aproximou, tocou com o dedo na água, e não bebeu. Ele pensou que talvez, como ela viera do mar, preferisse água salgada; misturou um pouquinho de sal na água, mas ela continuou não bebendo. Então pensou por fim que misturar sal na água não era exatamente o mesmo que água do mar, e foi correndo até a praia, escondido; voltou trazendo uma garrafa cheia de água. Colocou a água na tampinha, e dessa vez a reação da criaturinha foi diferente: pegou a água com as mãos e a jogou na cabeça, em seguida a passando pelo corpo, como se tomasse banho. Fez isso até que a água acabasse. O garoto pegou então uma vasilha pequena, encheu com a água, e colocou no aquário; a menina prontamente mergulhou na água, e ali ficou a noite inteira.
Com o tempo, o menino foi aprendendo seus hábitos. Ela não só passava o tempo todo embaixo d'água, como parecia poder respirar melhor dentro d'água do que fora, o que fez com que ele enchesse o áquario até a metade com água do mar. Ela também gostava de comer algas e pequenos peixes, que ele arrumava sem dificuldades. Mas embora tivesse tudo o que precisava, ela parecia a cada dia mais triste.
A princípio, era uma tristeza quase imperceptível. Mas conforme os dias passavam, ela comia cada vez menos, nadava cada vez menos, se movia cada vez menos. Ficava o tempo todo deitada num canto no fundo do aquário, ou dentro de sua concha. Por fim, chegou o dia em que parou de comer, e passou a só dormir. Ele fazia de tudo para acorda-la, para tentar distrai-la, mas foi inútil.
Um dia, quando ele acordou, a encontrou boiando no aquário, com o rosto voltado para dentro d'água. Ele se desesperou. A colocou na palma da mão e encostou nela de leve com o dedo, tentando fazer com que ela reagisse, mas foi inútil. Parecia, porém, que ainda respirava. Ele pegou também a concha e correu para a praia, que ainda estava deserta. Colocou a concha na areia, bem perto de onde as ondas chegavam, e colocou a inerte criaturinha ao lado. Mas ela continuou sem se mover.
Ele tentou de tudo: jogou água do mar sobre ela, tentou coloca-la de volta na concha, a cobriu com algumas algas. A hora do almoço veio e passou, e ela ainda estava ali. Apenas quando começava a escurecer ela se moveu, e só muito depois conseguiu se levantar. Olhou ao redor, parecendo não acreditar que estava de volta à praia, e começou a arrastar a concha para a água com todas as forças. Quando finalmente chegou ao lugar onde as ondas se quebravam, e a água começou a querer puxa-la para o mar, ela entrou na concha e esperou. O menino ajudou, a empurrando de levinho. E logo uma grande onda veio e a levou de volta para as profundezas do mar.
Mesmo muitos anos depois, o menino voltaria todos os dias à praia, na esperança de reve-la. Mas ela nunca mais voltou, e nem sua concha foi vista por qualquer um acima do mar.
Um dia, quando ele acordou, a encontrou boiando no aquário, com o rosto voltado para dentro d'água. Ele se desesperou. A colocou na palma da mão e encostou nela de leve com o dedo, tentando fazer com que ela reagisse, mas foi inútil. Parecia, porém, que ainda respirava. Ele pegou também a concha e correu para a praia, que ainda estava deserta. Colocou a concha na areia, bem perto de onde as ondas chegavam, e colocou a inerte criaturinha ao lado. Mas ela continuou sem se mover.
Ele tentou de tudo: jogou água do mar sobre ela, tentou coloca-la de volta na concha, a cobriu com algumas algas. A hora do almoço veio e passou, e ela ainda estava ali. Apenas quando começava a escurecer ela se moveu, e só muito depois conseguiu se levantar. Olhou ao redor, parecendo não acreditar que estava de volta à praia, e começou a arrastar a concha para a água com todas as forças. Quando finalmente chegou ao lugar onde as ondas se quebravam, e a água começou a querer puxa-la para o mar, ela entrou na concha e esperou. O menino ajudou, a empurrando de levinho. E logo uma grande onda veio e a levou de volta para as profundezas do mar.
Mesmo muitos anos depois, o menino voltaria todos os dias à praia, na esperança de reve-la. Mas ela nunca mais voltou, e nem sua concha foi vista por qualquer um acima do mar.
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