quarta-feira, 5 de setembro de 2012

[conto #031] Apenas Alguns Milhões de Anos

APENAS ALGUNS MILHÕES DE ANOS

Nós estávamos sentado no alto da torre, contemplando o mar. Esperando.
-- Você sabe que não sou muito boa nessas coisas - eu dizia - mas eu só queria que você soubesse que eu gosto muito de você.
Como se não fosse mais do que óbvio. Como se eu não demonstrasse isso o tempo todo.
-- Eu sei. - uma longa pausa - Também gosto de você.
Isso numa voz baixa, quase um murmúrio. Ele também não era bom nessas coisas. Na verdade, começava a suspeitar de que ele era pior do que eu.
-- Tipo - eu disse - nós estamos juntos há tanto tempo, de uma forma ou de outra, e você me faz bem de um jeito que nenhuma pessoa me fez. Não é que você tenha algo de especial, pelo contrário, você é até normal demais... Mas acho que é justamente por isso. A gente se completa.
-- Verdade.
-- Mas também é justamente por isso que... Não dá pra continuarmos. Não assim. Eu quero conquistar o mundo e você só quer ter uma vida normal. Acaba que nenhum de nós consegue o que quer.
-- Mas teve vezes em que deu certo, não teve? - ele estava quase me deixando perceber o quanto estava desesperado - Lembra daquela vez na Grécia? Deu tudo certo, não deu? E teve aquela outra vez, no Alasca...
-- Você morreu pisoteado por mamutes.
-- Sim, mas fora isso deu tudo certo!
-- Deu tudo certo porque não foi você que teve que recolher os pedaços esmagados da pessoa que mais amava! Você não imagina o que foi aquilo! - respirei fundo, me controlei - Escuta. Isso não importa. Quantas vidas já passamos juntos? Dezenas. A maioria foi muito boa, mas a verdade é que nos falta uma vida em que os dois consigam conquistar seus objetivos! Este mundo não tem mais muito tempo, talvez só o suficiente para duas ou três vidas não muito longas, e eu não quero que ele acabe sem ter feito alguma coisa realmente importante aqui.
-- Você fez muitas coisas importantes aqui. Você descobriu aquele novo tipo de motor, você venceu o torneio de artes marciais, você ajudou aqueles judeus a escaparem dos campos de concentração...
-- Mas eu nunca morri por uma grande causa. Nunca deixei meu nome na história. Eu quero deixar ao menos um dos meus nomes na história.
-- Mas para quê?
-- Porque é pra isso que fui feita. - suspirei - Porque é assim que deve ser.
Ficamos em silêncio. No horizonte, um dos sóis já nascera. Em breve, os outros dois nasceriam também.
-- Você sabe que vamos acabar nos encontrando. - ele disse por fim - É inevitável. Mesmo que eu vá muito depois de você. Fomos feitos da mesma parte do universo e estaremos sempre juntos, até voltarmos para o lugar de onde viemos.
-- Eu sei. - o abracei - Mas se tudo der certo, só vamos nos encontrar quando eu já tiver conseguido realizar meus sonhos.
-- Então, ficaremos uma vida inteira separados?
-- É só uma vida. Já tivemos tantas.
-- Mas é uma vida inteira! Eu não vou conseguir nascer e viver sem você perto de mim...
-- Uma vida passa tão rápido. E você vai conseguir aguentar. Pense que mais cedo ou mais tarde, nos reencontraremos.
O soltei e fui até a beira da torre. O grande pássaro veio voando pelos céus, saído do segundo sol, e parou à minha frente. Eu me virei uma última vez.
-- Em breve nos veremos.
-- Eu estarei te esperando.
-- E eu sempre estarei lá por você.
Subi nas costas do pássaro, que me levou embora para o sol longínquo.


SOBRE A HISTÓRIA

Agradecimentos à Le por me dar a ideia para o conto.

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