domingo, 28 de março de 2010

[conto #022] Lápis

LÁPIS

Observação: dedico este conto ao meu pai, por ter me dado a palavra "lápis" como inspiração para escreve-lo.

O lápis quebrou exatamente na hora em que ele começava a escrever a resposta, depois de quinze minutos tentando entender a pergunta e mais quinze tentando lembrar de qualquer coisa que não fosse o último episódio de House. Não quebrara apenas a ponta; quebrara no meio, no próprio corpo do lápis, algo que era difícil de fazer mesmo quando ele segurava as duas pontas e puxava ambas para baixo, com o objetivo de quebrá-lo. Não que o tivesse feito muitas vezes, também.
Era um sinal. Ele sabia disso.
Saindo da escola, foi pegar o ônibus, e no ponto se deparou com mais um lápis quebrado. Quebrado como o dele, exatamente ao meio. Estava no chão; ele se abaixou e o pegou. Estranho, ele pensou, muito estranho. Mais um sinal.
Quando foi se sentar no banco do ônibus, viu algo ali, e quase não acreditou quando percebeu que era um lápis. Quebrado. Ao meio. O terceiro sinal. Algo grande aconteceria.
Grande, sim; mas o que? Aqueles três lápis eram um sinal para algo que ele não sabia o que era, o alertavam para uma grande catástrofe ou uma grande bênção. Sorte? Azar? Teria que esperar para ver. E não sabia também se o terceiro seria o último. De repente o ônibus freou e ele quase deixou os três lápis caírem no chão.
E então começou.
Primeiro, uma movimentação indefinida mais à frente. Como o ônibus continuava parado, aparentemente sem motivo, as pessoas começaram a se levantar para olhar o que estava acontecendo. Então o barulho alto de milhares de pessoas correndo, e tudo o que ele pôde ver foi que o motorista e o cobrador estavam pulando pela janela.
No segundo seguinte, a multidão os alcançou. Milhares e milhares de pessoas correndo enlouquecidas pelas ruas, passando por cima dos carros, quase derrubando os ônibus. Os outros passageiros começaram a descer ou pular pelas janelas, juntando-se à multidão, sem saber do que estavam correndo. Ele foi um dos últimos a pular, não sem antes pegar seus lápis quebrados, prováveis causadores daquela confusão, e guardá-los na mochila.
Na rua, mesmo que não quisesse teria que correr, caso contrário a multidão o pisotearia. Ele mesmo passou por cima de cinco ou seis pessoas, ou do que restara delas. Mesmo os policiais e bombeiros corriam. As pessoas abandonavam seus carros para correr, de algo que ele ainda não sabia o que era. Até que ele chegou a uma ponte, e quando olhou para trás ele viu.
Há poucos metros de distância, correndo também, vinham dezenas de elefantes. Enormes elefantes, gigantescos, furiosos, correndo e derrubando tudo no caminho. Alguns invadiam lojas e prédios, mas a maioria corria atrás das pessoas, esmagando-as, jogando-as longe, as derrubando com suas enormes trombas. Por onde eles passavam, uma maça de corpos e entulhos era tudo o que restava.
Ao ver isso, ele voltou a correr. Correu até um beco estreito entre dois prédios, onde, esperava, os elefantes não o veriam. Mas outras pessoas o viram e começaram a entrar ali também, buscando um lugar para se esconderem, e o imprensando de encontro à parede, quase o esmagando. E então os elefantes os alcançaram.
Ele viu quando as pessoas que estavam mais próximas da saída do beco foram agarradas por uma enorme tromba e arrastadas para fora dali. As outras tentavam ir mais para o fundo do beco, mas aquela tromba gigantesca alcançava a todos. Os corpos foram sendo arrancados dali e atirados longe, até que só restou ele, ferido e encolhido contra a parede do prédio, esperando pelo final.
Mas a tromba não o agarrou, nem o elefante tentou alcançá-lo. Ele levantou a cabeça e olhou para fora do beco. Uma luz azulada surgiu diante dele, e de dentro dela, uma mulher saiu. Vestia roupas indianas, estava com as pernas cruzadas como se meditasse e flutuava. Foi até ele, sem tocar o chão, e fez um sinal para que se levantasse. Ele se pôs de pé, e ela lhe estendeu a mão, pedindo alguma coisa. Ele entendeu. Tirou os três lápis quebrados de dentro da mochila e entregou a ela.
Ela sorriu e lhe deu as costas, indo flutuando para fora do beco. Ele a seguiu, e viu, pousado no meio da rua, diante das milhares de pessoas que antes fugiam, um enorme disco voador. A mulher flutuou até um dos elefantes e montou nele. Ambos foram para a nave e entraram, seguidos pelos outros elefantes, dezenas deles. Um a um, foram entrando na nave, que emitia um brilho azulado. Quando o último entrou, a porta se fechou, o disco começou a flutuar, seu brilho aumentou, e no instante seguinte ele desaparecera para os céus.
Na rua, restaram somente ele, e as pessoas mortas e vivas que se olhavam confusas. Cada um foi para sua casa, limpou-se a rua, enterraram-se os corpos, e não se falou mais sobre isso.


SOBRE A HISTÓRIA

Como disse acima, este conto foi escrito baseado na palavra "lápis", que foi dada a mim por meu pai (valeu papito!). Todos os outros elementos foram introduzidos de forma totalmente aleatória, e estou chegando à conclusão de que quanto maior a aleatoriedade, melhor o resultado final. Ao contrário do que eu esperava, este conto foi muitíssimo bem recebido por todos que o leram (e ele foi lido por muitas pessoas, inclusive algumas que eu nunca imaginei que o leriam).

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