segunda-feira, 1 de outubro de 2012

[conto #034] Fogo

FOGO

Ela era a mais nova, em seus sete anos, e consequentemente era a ela que escolhiam quando resolviam implicar com alguém. Não bastava empurra-la, chuta-la, colocar as coisas em lugares que ela não alcançaria: eles conseguiam inventar engenhos de crueldade, como segura-la pelas pernas e ameaçarem joga-la do terraço. E não adiantava reclamar da injustiça com os adultos, porque a resposta era sempre:
-- Seus primos só estão brincando com você.
Não importava que ela não queria brincar com eles. Não importava que ela não gostasse que lhe jogassem tinta nos cabelos, que quebrassem seus brinquedos, que se escondessem em cantos escuros para assusta-la. Não importava pedir para que não comessem seu lanche, não sujassem sua roupa nem a colocassem em lugares altos dos quais ela não conseguia descer sozinha. Nada adiantava.
-- Seus primos fazem isso porque eles gostam de você.
Para ela, não importava o motivo. Ela só queria que eles parassem.

* * * * *

Eles a encurralaram na casa abandonada na esquina da rua, como sempre. Ela sabia que logo iriam aparecer gritando e pulando em cima dele, a assustando. Teria que ser mais rápida do que eles.
Ouviu o som dos passos e correu silenciosamente para um dos quartos. Abriu a janela sem fazer barulho, pulou para o quintal e em seguida fechou novamente a janela. Colocou pedaços de madeira prendendo as janelas, para que eles não pudessem sair. Ouviu os risos deles dentro da casa. Correu para a frente e fechou a porta, única saída que restava, e a prendeu com mais pedaços de madeira.
-- Ei prima, cadê você? - ouviu eles dizerem - Aparece aí! A gente não vai te assustar, é sério!
Ela nunca mais cairia naquela história. Pegou a garrafa e jogou a gasolina na porta, nas paredes, nas janelas, ao redor de toda a casa, até  mais do que seria necessário. Lá dentro, os primos começavam a perceber que estavam presos, e batiam na porta.
-- Po, prima, abre aí! Prima!
Ela se afastou, riscou o fósforo, e o jogou na parede. Achara que talvez um só não fosse suficiente, ou que fosse demorar, mas não: em dois segundos, toda a casa estava em chamas. A pouca gasolina que ela jogara antes do lado de dentro fora o suficiente para fazer o fogo entrar, e ela mal ouvia os gritos, em meio ao belo som do crepitar das chamas.
-- Eu só estou brincando com vocês.
Foi o que ela disse, antes de se afastar e ir embora para casa. Tranquila.

Nenhum comentário: