terça-feira, 30 de outubro de 2012

[conto #037] Cartas

CARTAS

A primeira carta chegou em um dia comum, que poderia ser qualquer dia, em uma hora também comum, que poderia ser do dia ou da noite. Não havia nada demais na carta. Ela apenas dizia "vá até a ponte".
A ponte ficava em frente à casa. Ela guardou a carta no bolso e foi até lá. Não havia ninguém, como não costumava haver ninguém. Tudo normal em um dia normal. Na ponte havia outra carta.
"Pule no rio".
Ela pulou. O rio era fundo mas calmo, e ela se deixou arrastar pela correnteza, como um ser inanimado, até ficar presa em uma árvore que sempre estivera ali. Nos ramos da árvore, outra carta.
"Suba até a margem e vá até a floresta".
Ela saiu do rio, como fora ordenado, e foi andando em direção à floresta, que ficava um pouco longe mas que podia ser vista de onde ela estava. Após quinze minutos de caminhada, chegou até as primeiras árvores. Talvez fosse um pouco complicado encontrar a próxima carta, já que havia muitas árvores e ela poderia ter chegado até ali de qualquer direção; mas, para sua sorte, a carta estava presa a um galho da árvore bem à sua frente. Ela a pegou.
"Ande em linha reta e pare na trigésima árvore".
Obediente, ela seguiu em linha reta, pela floresta. Era uma floresta comum, com o tipo de árvore mais comum que é possível existir em uma floresta. Ela parou na trigésima árvore. Outra carta.
"Ande até a montanha".
A montanha podia ser vista dali, ao longe. Ela andou e andou, por horas e horas, por sóis e luas, até chegar à montanha. Na base da montanha, havia uma enorme caverna. Em frente à caverna, outra carta.
"Entre na caverna e caminhe em direção ao interior".
Mais uma vez ela obedeceu. Entrou na caverna, que era uma caverna comum, e seguiu andando para o seu interior escuro, até que não houvesse mais nenhum sinal de luz do dia e ela não pudesse ver mais nada.
E então ela parou.
No escuro, ao longe, ela podia distinguir uma forma. Era uma mancha indefinida, esbranquiçada, imóvel. Ela voltou a andar, e conforme se aproximava, a mancha ficava mais nítida. Lembrava o contorno de uma pessoa, mas muito mais alta e branca do que qualquer pessoa que ela já vira. Ela parou novamente, e aquilo começou a lentamente se mover, em direção a ela.
Quando estava a poucos metros de distância, ela pôde ver melhor o que era aquilo: um ser humanóide, com mais de dois metros de altura e muito magro, branco como cal. Não tinha olhos e tinha uma boca sempre aberta que ocupava metade do rosto, em formato perfeitamente redondo, com várias camadas de dentes.
Ela gritou. Gritou e tentou correr, mas bastou dar as costas para a criatura, e sentiu o ser pular sobre ela. Caiu no chão, e antes que pudesse se virar, o ser colocou a boca sobre a cabeça dela, indiferente aos gritos, e quando estava com toda a cabeça dentro da boca ele fechou os dentes, arrancando a cabeça do pescoço. Ela ainda estava viva quando ele começou a mastigar.
O corpo ficou caído no chão, esperando para também ser comido.

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