terça-feira, 3 de agosto de 2010

[fanfic #003] [capítulo #017] [U2] As Terras do Norte - Transformações (final)

AS TERRAS DO NORTE

CAPÍTULO 17
TRANSFORMAÇÕES
“You had so much to offer
Why did you offer your soul?
I was there for you baby
When you needed my help
Would you deny for others
What you demand for yourself?”
(U2 – Crumbs from Your Table)

     Com a neve e o frio, a maioria das pessoas que viviam no castelo evitava sair para os campos ao redor ou mesmo para os pátios abertos. Glory sentia pena da pequenina Grace, que sequer podia falar mas já sofria com o frio intenso, assim como o pequeno Peter de Hally.
     Os únicos que saíam sob aquele tempo eram os cavaleiros. Os treinamentos constantes os ajudavam a se aquecer e se manter alerta para qualquer possível ameaça. Glory ficava olhando pela janela de seu quarto, vendo Dave montado em seu cavalo branco, vestindo sua armadura ou as vestes tradicionais dos cavaleiros, dando ordens aos outros e treinando. Havia muitos garotos novos, que tinham muito potencial e nenhuma experiência, e era engraçado ver Dave quase indo à loucura para conseguir que eles fizessem o que ele queria.
     Algumas vezes, Bono assistia aos treinos, ou treinava com os cavaleiros mais fortes e experientes. Frequentemente Glory assistia ele e Dave duelarem, e quase sempre a luta acabava empatada. Mas na maior parte do tempo Bono tinha que cuidar dos assuntos políticos, dentro e fora do castelo. Suas viagens estavam mais frequentes, e por vezes muito mais longas. Nesses dias Dave fazia companhia a ela, mas ela sentia falta de Bono. E tinha certeza de que Grace também sentia.
     Foi em um desses dias frios de inverno que chegou um visitante inesperado. Bono acabara de entrar no palácio, após assistir aos cavaleiros mais jovens duelarem entre si. Dave ficara lá fora para treiná-los mais um pouco, mas ele resolvera entrar para ficar um pouco ao lado de Glory e da bebê. As duas estavam sentadas ao pé da lareira de um dos salões, e Glory jogava xadrez com Larry.
     Bono sentou-se ao lado deles e pegou a bebê no colo. Ficou vendo eles jogarem – tinha a impressão de que Larry estava deixando Glory ganhar – até que entrou um dos cavaleiros que faziam a guarda interna do palácio, dizendo:
     -- Majestade, há um visitante o aguardando no salão real.
     Com um suspiro, ele se levantou para receber o visitante. Com o frio, muitos viajantes que passavam por ali vinham pedir abrigo por uma noite; e Bono, como rei, geralmente acolhia todos eles. Porém, quando chegou ao salão, ao invés de encontrar um viajante desconhecido, encontrou alguém que conhecia há muito tempo.
     -- Olá, Paul. - disse o homem diante dele, tirando seu chapéu – Você cresceu.
     -- Norman! - ele foi até o homem e o abraçou – Que bom que veio! Meus mensageiros foram várias vezes atrás de você, mas você sempre estava viajando...
     -- Depois que você se foi, eu deixei a guarda e me mudei para a cidade, me tornei caixeiro viajante. Passo praticamente o ano todo viajando. Mas logo que ouvi a notícia de que o príncipe herdeiro voltara e ia ser coroado rei, eu vim para cá.
     -- Mas por que demorou tanto?
     -- Eu estava muito longe, e tinha assuntos a tratar. A viagem até aqui durou meses.
     -- Você deve estar cansado, então. Vou mandar prepararem um quarto para você. - ele se dirigiu a dois criados que estavam por ali – Vocês, preparem o maior quarto de hóspedes para meu irmão. Digam ao cozinheiro para preparar uma refeição rápida, e que o jantar seja especial.
     Os criados concordaram e saíram. Bono se voltou para Norman.
     -- Venha aqui, eu quero que conheça minha esposa e minha filha.
     -- Soube que havia se casado, mas não sabia que tinha uma filha.
     -- Ela nasceu há pouco tempo. Veio antes da hora, mas já está bem e é muito saudável. Você tem família?
     -- Não. Me casei há alguns anos, mas minha esposa adoeceu e acabou morrendo pouco depois.
     -- Oh, sinto muito... Vocês tiveram filhos?
     -- Não. Suspeitávamos que ela estivesse grávida, mas ela morreu antes de termos a certeza.
     -- Sinto muito, meu irmão.
     -- Tudo bem. Isso foi há muitos anos.
     Eles chegaram ao salão em que Glory e Larry estavam. Os dois já haviam terminado o jogo, e Glory ganhara. Bono disse:
     -- Glory, quero que conheça uma pessoa. - Glory se levantou, olhando curiosa para Norman – Esse é Norman, meu irmão mais velho.
     -- Seu irmão? - ela se aproximou – Muito prazer. Bono me falou muito de você. Disse que você foi o mestre de espada dele.
     -- Sim, eu fui. - ele beijou a mão de Glory – Mas deixei os cavaleiros já faz algum tempo.
     -- Você vai ficar com a gente?
     -- Só por um tempo. Vim fazer uma visita.
     -- É meu desejo que fique. - disse Bono – Você não tem família e não deve ter muitos bens. Gostaria que vivesse conosco no palácio.
     -- Agradeço o convite, mas preciso pensar a respeito.
     -- Terá tempo para pensar. - Bono o abraçou pelos ombros – Agora venha, você deve estar cansado. Vou te mostrar seu quarto.
* * * * *

     Após o jantar, Larry logo subiu para o seu quarto e se trancou lá dentro, mas Adam foi atrás dele.
     -- Larry, abra a porta.
     -- O que o senhor quer?
     -- Que abra essa porta. Quero falar com você.
     -- Estou ocupado.
     -- Lawrence, abra a porta. É uma ordem.
     Larry abriu a porta, parecendo muito aborrecido.
     -- O que o senhor quer?
     -- Não fale comigo nesse tom. E na próxima vez em que desobedecer a uma ordem minha, será castigado.
     -- Eu não desobedeci suas ordens.
     -- Desobedeceu. Eu sei que você esteve ontem com Christian nos subterrâneos do castelo. Eu já lhe disse que não deve ficar perto dele sem que eu esteja junto.
     -- Mas não tem mal nenhum! Christian já se controla muito bem, e não estamos na lua cheia. Além disso, não estávamos sozinhos. Glory estava conosco.
     -- Glory e nada é a mesma coisa. Ela não saberá o que fazer se Christian tentar te morder. O que vocês estavam fazendo?
     -- Nada, só conversando.
     -- Nas masmorras?
     -- É onde Christian mora. Os jardins estão congelados, não podíamos ir para lá. E estávamos na adega, fomos beber um pouco para esquentar. Aliás, ele conhece vinhos tão bem quanto o senhor, me surpreendeu.
     -- Eu imagino que a companhia dele seja agradável, ele é um ótimo rapaz e vocês têm quase a mesma idade, mas eu não quero que fique sozinho com ele, e isso é uma ordem. Se voltar a me desobedecer, eu o trancarei aqui em cima. Estou falando sério, Lawrence.
     Parecia que Larry ia retrucar, mas ele não o fez. Sentou-se em sua cama, em silêncio. Adam disse:
     -- Não faça essa cara. Muito em breve essa situação vai se resolver.
     -- Como? Christian vai virar humano?
     -- Não. Você vai deixar de ser virgem.
     -- Que?
     -- Já está na hora, você está pronto. Daqui há duas luas cheias, você participará do ritual.
     -- Tem certeza? Estou pronto?
     -- Sim. E você será o deus principal. Depois da próxima lua cheia, começarei a te preparar.
     Adam esperava que Larry fosse ficar feliz, mas o garoto baixou a cabeça e ficou olhando para o chão, em silêncio.
     -- O que houve? - disse Adam – Não está feliz? Achei que estivesse ansioso para isso. Até tive que te advertir para controlar suas energias.
     -- Eu... Já não tenho certeza.
     -- Não tem certeza de que?
     -- De que estou pronto para isso.
     -- Qual o problema, Larry? Você anda estranho, tem feito coisas estranhas, mas dizer que não quer participar do hierogamos supera qualquer coisa. O que está acontecendo?
     -- Nada. - ele se levantou e foi até a janela – Eu só acho que ainda não é o momento. Não precisamos fazer isso agora.
     -- Você está com medo? - ele foi até Larry e tocou seu ombro – Não precisa se preocupar, você sabe que ninguém se machucará. Você sabe como funciona, sabe que não tem mal nenhum.
     -- Eu sei. Mas... Não quero fazer, não agora. Me dê mais um tempo.
     -- É Glory, não é? Você queria que ela fosse a deusa para você. Você sabe que não é possível, Larry. Mesmo que Bono e Edge permitissem, ela não poderia ser a deusa principal. Não só porque ela não entende nada de magia, mas porque ela já teve um filho. Sabe que ela não conseguiria receber o espírito.
     -- Eu sei.
     -- Ela não pode ser sua. Achei que tivesse se conformado com isso.
     -- Eu me conformei. Não é por causa dela que não quero participar do ritual.
     -- É por que, então?
     -- Por nada. Eu só não quero. Não acho que seja o momento.
     -- Larry, o que está acontecendo? Você anda cansado o dia todo, sente muito frio, se esconde pelos cantos, quase não sai do castelo, mesmo quando não neva. E tem me evitado, evitado todo mundo. O que está havendo? Está doente? Eu posso te examinar.
     -- Não! Digo... Não estou doente. Está tudo bem. Eu só ando meio desanimado.
     -- Me deixe te examinar. Você pode ter pego alguma doença de inverno, é bom prevenir. - ele puxou Larry pela mão, o levando até a cama – Vamos, vai ser rápido. Tire sua camisa.
     -- Acho melhor não. - ele se afastou – Estou ótimo, Adam, sério. Não precisa se preocupar.
     -- Larry, não estou pedindo sua opinião. Sei que você detesta ser examinado, mas é necessário. Tire suas roupas.
     -- Eu não quero, Adam, isso é totalmente...
     -- É uma ordem. Tire suas roupas.
     Larry hesitou, parecendo desesperado. Adam se aproximou.
     -- O que está me escondendo?
     -- E-eu? Nada, o que eu te esconderia?
     -- Tem alguma coisa muito errada com você, e você não quer que eu saiba o que é. - ele segurou a camisa de Larry e começou a abrí-la – Se não quer colaborar, eu tirarei isso de você.
     -- Não! Não, Adam, por favor...
     -- Tire isso!
     Ele teve que quase arrancar a camisa de Larry, mas afinal conseguiu tirá-la. A camisa que ele estava usando era própria para o frio, e cobria todo o seu pescoço e parte da calça, além de ser muito grossa. Larry cruzou os braços contra o peito, sentindo o frio bater nele de repente.
     -- Pronto, qual o problema? - Adam deixou a camisa sobre a cama e foi até Larry – Você está muito pálido, acho que está com algum tipo de gripe. Abra os braços, vou examinar seu peito.
     Após um momento de hesitação, Larry abriu os braços. Adam começou a examiná-lo, ainda sem entender porque o garoto fizera aquele escândalo todo. Mas quando foi tocar o pescoço de Larry para sentir sua pulsação, ele viu.
     -- O que é isso?
     -- Isso o que?
     -- Isso no seu pescoço.
     No pescoço de Larry havia duas pequenas marcas, muito leves, quase invisíveis.
     -- Eu não sei. - o garoto disse, num murmúrio.
     -- Larry, isso é... - ele examinou as marcas, embora já soubesse o que eram – Ele te mordeu.
     -- Q-quem me mordeu?
     -- Larry! - Adam o segurou pelos ombros, desesperado – Christian te mordeu, e pelas marcas, já faz dias! Como escondeu isso de mim? Por isso você estava tão fraco, tão pálido! Quanto de sangue ele roubou de você?
     -- N-não foi muito, Adam, isso não... Não foi nada demais...
     -- Como, não foi nada demais? Por que não me contou? Devia ter me contado imediatamente! Meu Deus, você podia ter morrido! Como aconteceu? Ele te atacou nas masmorras? Eu te disse para não ficar a sós com ele! E mesmo assim você continua indo vê-lo, você é louco?
     Larry começou a chorar.
     -- E-eu... Sinto muito...
     -- Ele vai pagar por isso. Vai pagar muito caro, ele sabia o que aconteceria se atacasse alguém no castelo. Vai ser executado hoje mesmo.
     -- Não! - ele segurou a mão de Adam – Não, mestre, ele não tem culpa, por favor não o machuque...
     -- Larry, o que há com você? Foi atacado por um vampiro e me escondeu isso, e agora quer protegê-lo?
     -- Ele não me atacou! - ele virou o rosto, muito envergonhado – Eu deixei.
     -- O que?
     -- Ele pediu para me morder. E eu permiti.
     -- Você... Permitiu? Por quê?
     -- Começou... Por acidente... Um dia estávamos no jardim, e eu peguei uma rosa, e me cortei em um espinho. - ele se sentou na cama, parecendo ainda mais fraco – Eu ia limpar o sangue, mas Christian pediu para que eu deixasse ele beber... No início eu não deixei, mas ele insistiu, e eram só umas gotinhas... Então eu deixei.
     -- E ele perdeu o controle e te atacou por causa disso.
     -- Não, mas... Ele disse que o meu sangue era o melhor que ele já tinha provado, e... Eu passei a sempre deixar ele provar uma gota, porque achei que não tinha nada demais. Só que aí ele começou a me pedir para deixar ele me morder, e ele sempre pedia, mas nunca me atacou, nunca. No início eu não deixei, claro, mas aí ele começou a tentar me convencer, disse que seria só um pouco, que não doeria, e que a ferida sumiria em sete dias... Então eu acabei deixando.
     -- Você deixou que ele te mordesse? Por acaso quer se matar, ou algo assim? Tem muita sorte de ele ter te deixado vivo! E agora está marcado para sempre, atrairá outros vampiros!
     -- Por favor, Adam, quantos vampiros você já viu em toda a sua vida? Eles quase não existem, vivem escondidos. E Christian disse que me protegeria.
     -- Christian não conseguiria proteger nem ele mesmo. E isso não muda o fato de o que você fez ser uma enorme loucura. O sangue é o que temos de mais importante, e o que você fez foi um crime muito grave. Quanto ele pegou de você?
     -- Ele sempre pega bem pouco. Ele me morde de leve – ele passou a mão pelo pescoço – só o suficiente para sair o sangue, e bebe um pouco, mas quando eu começo a ficar fraco ele pára. Depois ele passa a mão pelo ferimento, e ele se fecha.
     -- Você disse que ele “sempre” pega bem pouco? Isso aconteceu mais de uma vez?
     Ele desviou o olhar.
     -- A primeira vez foi há semanas.
     -- Quantas vezes ele te mordeu?
     -- Não sei. Talvez seis ou sete.
     -- Cristo... Meu Deus, Larry, como pôde fazer isso? E por quê? Ficou com medo dele?
     -- Não. Eu não sei porquê eu fiz.
     -- Ele não te hipnotizou?
     -- Não. Eu fiz porque quis.
     -- Tem idéia do que vai acontecer agora? Seus poderes devem ter sido prejudicados, assim como sua energia vital. Você pode adoecer, pode... Droga, Larry... Isso pode deixar marcas permanentes! Você pode nunca se recuperar!
     -- Eu sei.
     -- Sabe? Sabe? - ele agarrou o braço do garoto – E você quer isso? Quer morrer? Quer jogar tudo o que aprendeu comigo fora? O que pensa que está fazendo, Larry?
     -- Ele quer que eu me torne um vampiro!
     Adam o soltou.
     -- O que?
     -- Ele já tinha pedido isso muitas vezes... Na última vez que me mordeu, há alguns dias, ele se cortou e tentou fazer com que eu bebesse seu sangue, mas eu não quis. Mas... - ele olhou para Adam – Eu quero isso. Quero que ele me morda de novo, quero virar um vampiro.
     -- Por quê? Por que está fazendo isso?
     -- Eu não sei.
     -- É pelos poderes? Quer ter os poderes que ele tem? E as consequências, você não pensa nisso? Os sacrifícios durante a lua cheia, e a aversão a símbolos cristãos... Sem contar que jamais em sua vida voltará a ver a luz do sol! Terá que viver escondido no escuro pela eternidade! E tudo pelo que? Para poder usar alguns poderes das trevas?
     -- Não é pelos poderes! É outra coisa.
     -- O que é, então?
     -- Eu não sei, não entendo. Mas quando... Quando ele me morde... - ele ficou vermelho – É bom.
     -- Bom? Por acaso se eu lhe cortar com uma tesoura você vai achar bom?
     -- Não, mas é diferente. Ele é tão cuidadoso... E dói, claro, mas... Também é bom. Quando o sangue vai saindo do meu corpo, é estranho, eu começo a ficar fraco, mas também é tão... Não sei... Eu sinto uma coisa boa dentro de mim. E depois ele fica cuidando de mim até que eu me recupere, e eu gosto de sentir ele cuidando de mim.
     O garoto estava muito constrangido, e Adam estava atônito.
     -- E vai ficar alimentando o vampirinho para sempre?
     -- Ele quer que eu seja um vampiro também.
     -- E aí, como vão fazer? Já é difícil arrumar virgens para um, quanto mais para dois.
     -- Não precisaremos de virgens. - os olhos dele brilhavam – Nós dois somos virgens.
     -- E daí?
     -- Eu pesquisei sobre isso. Um vampiro pode usar outro para fazer seu sacrifício, desde que ele seja virgem. Durante a lua cheia, ele pode beber todo o meu sangue, e depois eu beberei todo o sangue dele. Assim, ninguém mais precisa morrer.
     -- Isso é uma grande loucura. Não sabe se dará certo. Mesmo sendo vampiro, você ficará muito fraco se tiver todo o seu sangue sugado, não sabe se conseguirá beber o sangue dele.
     -- Eu acho que vale a pena tentar.
     -- Não, não vale. E para que? Por uma... Uma amizade, ou o que quer que seja isso? Você nunca se importou com ninguém.
     -- Christian é diferente.
     -- Diferente no que?
     -- O que eu sinto por ele... É como o que eu sinto por Glory.
     Os dois ficaram se olhando por algum tempo, até que Adam disse:
     -- Se alguém ouvisse você dizer isso, você seria condenado à morte.
     -- Não me importo.
     -- Você está louco. Tire essas idéias da cabeça. Eu jamais permitirei algo assim.
     -- Mas...
     -- Eu não criei você e te ensinei tudo o que sei para que você acabasse como um vampiro! Você é jovem demais para tomar uma decisão como essa, e eu não permitirei que faça algo tão tolo apenas por causa de um... Um impulso adolescente!
     -- Não é um impulso! Eu pensei muito sobre isso, eu quero isso e acho que é o certo a se fazer! Você sempre diz que tudo o que os deuses fazem tem um motivo! E eu sinto que tudo o que aconteceu desde que conheci Glory foi para que eu viesse para cá e encontrasse Christian!
     -- Os deuses não querem isso! Não é o desejo deles!
     -- Como pode saber? Nem você tem poder para saber o que os deuses planejam!
     -- Não, mas tenho certeza de que eles jamais iriam querer que você se rendesse a esse tipo de coisa! Não, Larry, eu não permito! E você vai ficar trancado aqui dentro até voltar a ter algum juízo, porque no estado em que está eu não posso confiar em você!
     Adam fechou a porta e a trancou, apesar dos gritos de protesto de Larry.
* * * * *

     Bono acabara de dar o último beijo em Glory, e se deitou ao lado dela, cansado. Ela se aconchegou a ele e os dois estavam prestes a adormecer, quando ouviram fortes batidas na porta. Glory levou um susto, e Bono imediatamente se levantou. As batidas se repetiram, e ele disse:
     -- Cubra-se e fique aqui.
     Glory obedeceu. Bono levantou e vestiu apenas uma capa antes de abrir a porta. Deparou-se com Adam, e este estava mais nervoso do que ele jamais o vira.
     -- Precisamos conversar. - Adam disse assim que a porta se abriu – É urgente.
     -- É bom que seja, ou vai dormir nu nas masmorras pelas próximas três noites.
* * * * *

     -- Eu não acredito que ele fez isso.
     -- Nem eu. Mas ele fez.
     -- E o que vamos fazer?
     -- Você tem que prender Christian. Pelo menos por enquanto. Ele não pode chegar perto de Larry, e tenho certeza de que vai procurá-lo.
     -- Mas não tem perigo, não é? Larry está trancado no quarto. Posso colocar um guarda na porta, Christian não vai poder entrar.
     -- Ele tem outros meios de entrar. Pode se transformar em névoa e entrar por qualquer fresta na janela. Existem centenas de formas. E Larry está decidido a se tornar um vampiro, não posso correr o risco de que os dois se encontrem.
     -- Christian é o irmão de Glory, Adam. Ela nunca vai me perdoar se eu o trancar nas masmorras.
     -- Não precisa prendê-lo nas masmorras, e de qualquer forma não adiantaria. Pode deixá-lo no quarto, com uma cruz na porta. Nem precisamos de guardas, ele não vai poder sair.
     -- E vamos deixar ele lá por quanto tempo?
     -- Não muito. Só o suficiente para eu convencer Larry a desistir dessa loucura.
     -- E se ele não desistir?
     -- Ele vai desistir. Eu sou o mestre dele, ele tem que me obedecer.
     -- Certo. Vou prender Christian, mas será no máximo por dois dias. Não quero Glory tendo uma crise por causa disso. É bom convencer o seu aprendiz até lá.
     -- Obrigado.
     -- E como faremos isso? Está de noite, não tenho nem idéia de onde Christian possa estar. Ele saiu depois do jantar, foi passear pela floresta.
     -- É fácil. Vou evocá-lo.
     Adam pegou uma pequena bolsa que carregava sempre consigo e tirou de dentro dela um tipo de erva. A colocou no chão, e fez uma cruz de sal em cima. Então se afastou e começou a dizer palavras em uma língua que Bono não reconheceu. A cruz de sal começou a pegar fogo, e do meio da nuvem escura de fumaça, surgiu Christian.
     O garoto caiu no chão e olhou em volta, confuso. Não tinha a menor idéia de como chegara ali.
     -- O que aconteceu?
     -- Eu te evoquei. - disse Adam – Levante-se.
     Ele se levantou depressa, e fez uma reverência para Bono e para Adam.
     -- Os senhores precisam de mim?
     -- De certa forma. - disse Bono – Christian, é verdade que você mordeu Larry?
     Christian ficou ainda mais pálido do que já era.
     -- E-eu... Eu não... Eu...
     -- Responda, Christian! Você o mordeu ou não?
     -- Eu não o ataquei, Majestade, eu juro... Eu só pedi, ele permitiu... Sei que não devia ter feito, mas ele permitiu, e é tão difícil resistir... Sinto muito...
     -- Você não sente. - disse Adam – Você quer que Larry se torne um vampiro como você. Tentou convencê-lo disso, e quase conseguiu. Usou seus poderes de vampiro para seduzi-lo.
     -- Não! Eu não usei meus poderes, senhor, eu apenas pedi! E não fiz por mal, mas eu me sinto tão sozinho, e o Larry...
     -- Acha que vou permitir que transforme meu aprendiz em uma coisa como você? Será morto antes. Achei que você não fosse se render aos seus instintos, Christian, mas parece que me enganei. Você se tornou um vampiro por completo.
     -- Não, senhor, eu não queria machucar ele, eu só queria um amigo, e eu gosto tanto dele...
     -- Christian – disse Bono – eu o proibi explicitamente de morder alguém sem a minha autorização, não importa sob quais circunstâncias. Você só podia morder os prisioneiros, e mesmo assim, apenas nas noites de lua cheia. E te alertei de que a pena para o descumprimento dessa ordem seria a morte.
     O garoto recuou um passo, assustado.
     -- Majestade, por favor... Se o senhor Clayton não permite, eu juro que jamais o farei novamente, mesmo que Larry autorize... Eu juro que nunca quis fazer mal a ele...
     -- Mas você fez. - disse Adam – Roubou o sangue e a energia dele. Ele está muito fraco, eu tinha percebido que ele andava com dificuldades para fazer magias que ele antes vinha fazendo sem problemas. Se tivesse sido apenas uma vez o corpo se recuperaria logo, mas como foram várias vezes, a energia vital pode ter sido comprometida. Ele pode nunca se recuperar, Christian, e como se não bastasse isso, ele está convencido a se tornar um vampiro. Só que eu jamais permitirei isso.
     -- Eu não vou mordê-lo de novo mesmo que ele me peça, senhor, eu juro.
     -- Eu não confio em você. - disse Bono – Você desobedeceu minha ordem e descumpriu sua promessa. Tinha dito que jamais morderia ninguém, e mordeu Larry. Quebrou a confiança que eu tinha em você.
     -- Sinto muito, Majestade, eu não pensei...
     -- Não pensou que fossem te descobrir. Não pense que sou idiota, Christian. Vocês dois sabiam que estavam fazendo algo errado, ou não teriam escondido. Você não está arrependido, só está com medo.
     -- E-eu... Eu... - ele baixou a cabeça – O que vão fazer comigo?
     -- Devíamos te amarrar em uma árvore lá fora e te deixar lá até o sol nascer, para ver o que aconteceria. - Christian o olhou com terror nos olhos – Mas não vou fazer isso, e não é por você, é por Glory. Não vou te executar por enquanto, mas você vai ficar preso em seu quarto até que tenhamos dado um jeito nessa situação.
     -- Preso?
     -- Te trancaremos lá – disse Adam – e colocaremos uma cruz na porta para que você não possa passar por ela. Como o seu quarto não tem janelas, você não poderá sair.
     -- E vão me deixar lá por quanto tempo?
     -- Por dois dias. - disse Bono – E se Adam não encontrar uma solução para isso até lá, você poderá ser executado.
     -- Eu não quero ser executado...
     -- Pensasse nisso antes. Venha, vamos levá-lo até seu quarto.
     Mas Christian não se moveu. Parecia muito assustado. Disse:
     -- Eu não quero ficar preso.
     -- Não vamos discutir mais, Christian. Para o seu quarto, agora.
     -- Majestade...
     -- Agora, Christian, ou serei obrigado a chamar os guardas.
     -- Nem pense em tentar fugir. - disse Adam – Posso evocá-lo onde quer que esteja. E Edge pode usar seus poderes para te aprisionar, o que vai ser muito mais doloroso do que apenas ir para o seu quarto e se deixar trancar lá por dois dias.
     Christian suspirou, vencido, e se deixou ser levado para seu quarto nas masmorras.
* * * * *

     -- Preso!? - Glory se levantou – Como pôde fazer isso! Eu não permito que Christian seja preso! Solte-o imediatamente!
     -- Não posso soltá-lo, Glory. Por favor, entenda. Eu sei que gosta muito dele, e eu não queria fazer isso, mas ele se mostrou indigno de confiança. Ele mordeu Larry, podia ter matado ele.
     -- Mas Larry deixou! E eu tenho certeza de que tem uma explicação para isso, os dois deviam ter um bom motivo! Christian não é mau, Bono, ele não tem culpa por ter virado vampiro!
     -- Eu sei que não. Mas ele virou, e os instintos foram mais fortes do que ele. Ele bebeu o sangue de Larry, você tem idéia do que isso significa? Larry está marcado para sempre.
     -- Mas foi ele que deixou! Christian jamais o atacaria!
     -- Isso não importa. Larry pertence a Adam, é o pupilo dele. Está fazendo isso contra a vontade de seu mestre.
     -- E o que pensam em fazer agora? Trancar os dois para sempre?
     -- Temos que discutir isso. Eu chamei Edge para nos ajudar. Adam está falando com Larry e se juntará a nós em breve.
     Logo depois Dave chegou, e Bono o pôs a par da situação. Depois de algum tempo, Adam também chegou.
     -- Conversou com seu aprendiz? - disse Dave.
     -- Sim, falei horas e horas, mas ele não tira essa maldita idéia da cabeça! - ele se sentou, cansado – Eu cheguei a ameaçá-lo, disse que romperia a nossa ligação, mas ele disse que eu poderia fazê-lo se quisesse, que era melhor do que ser obrigado a seguir uma vida que ele não deseja. Disse que não quer mais ser um feiticeiro.
     -- Mas ele sempre foi um rapaz tão calmo, tão sensato. Não entendo essa rebeldia dele.
     -- É Christian. Vampiros exercem um poder de atração muito forte para todos que o vejam. Um vampiro pode seduzir uma mulher de família com apenas um olhar, por mais decente que ela seja, e ninguém poderá culpá-la. Eu alertei Larry, mas ele é jovem demais, não soube evitar a influência de Christian.
     -- Mas Christian ainda é praticamente uma criança.
     -- O que só o torna ainda mais perigoso. Ele nem percebeu que estava seduzindo Larry. Mas se você olhar para os olhos dele por alguns segundos, ele conseguirá que você faça qualquer coisa que ele queira. Na última lua cheia ele sequer hipnotizou a vítima, apenas a convenceu a se deixar morder. Nas mãos de um garoto tão jovem, esse poder é muito perigoso.
     -- E o que faremos agora? - disse Bono.
     -- Penso em ir embora dessas terras, para onde Christian não poderá nos encontrar. Longe da influência dele, Larry deverá voltar ao normal.
     -- Ir embora? - disse Glory – Não, vocês não podem ir embora!
     -- Eu não queria ir, Glory, mas na situação atual...
     -- Não poderão partir agora. - disse Bono – A tempestade de neve piorou e os caminhos estão ruins. Mandaria sem problemas uma escolta com vocês, para onde quisessem, mas na situação atual seria realmente perigoso.
     -- Já sei! - Glory se levantou – Eu vou lá falar com ele!
     -- Mas...
     Mas antes que alguém dissesse qualquer coisa, Glory já sumira para os corredores. Bono deu de ombros.
     -- Quem sabe ela não o convença? Larry gosta dela.
     -- Espero que sim. - disse Adam, embora obviamente não acreditasse que ela fosse ter sucesso.
     -- Quando estava falando sobre a conversa que teve com ele – disse Dave – você falou sobre uma ligação?
     -- Sim, a ligação entre mestre e discípulo. Todo mago faz um pacto com seu discípulo quando se compromete a ensiná-lo. É uma ligação muito poderosa, e se rompe naturalmente quando o aprendiz se torna apto a ser um mago. Rompê-la antes do tempo pode causar danos e até a morte da parte mais fraca. No caso, ele.
     -- E você a romperia?
     -- Nunca. E ele sabe disso, e eu sei que ele sabe. Só fiz a ameaça para que ele percebesse que falo sério, que não permitirei que se torne um vampiro.
     -- Mas se for o desejo dele, por que não deixá-lo? Digo, eu sei que é loucura e que ninguém em sã consciência faria tal coisa, mas ele não é nenhuma criança. Ele se tornou seu discípulo muito jovem, talvez já não tenha certeza de que seja isso o que quer. E mesmo que seja um erro, não pode impedí-lo de tomar atitudes das quais possa se arrepender.
     -- Sei disso. Mas enquanto eu tiver domínio sobre ele, ele terá que me obedecer, e eu farei o possível para protegê-lo. Mesmo que ele me odeie por isso.
     -- Diga a verdade. - disse Bono – O que você não quer é perder o seu aprendiz.
     -- É claro que não quero. Larry é... É muito importante para mim.
     -- Imagino. - Bono sorriu – Esses anos todos isolados na floresta devem ter tornado a relação de vocês muito... Íntima.
     -- Sim, tornou, mas não da forma como está insinuando. Você jamais conseguiria entender o que existe entre eu e Larry.
     -- Eu imagino o quanto vocês são próximos. - disse Dave – Se conhecem há muito tempo, não é?
     -- Sim. - ele pareceu perdido em pensamentos – Ele é como um filho para mim.
     -- Filho? - disse Bono, parecendo não conseguir acreditar que eles tivessem qualquer tipo de relação familiar.
     -- Como vocês se conheceram? - disse Dave – Digo, se me for permitido perguntar isso.
     -- Não, tudo bem. Eu posso contar.
* * * * *

     -- Ele vai te levar embora, Larry! Você quer isso? Quer ir embora daqui?
     -- Não! Mas não é justo o que ele está fazendo, Glory! Não vou abrir mão do que eu quero porque ele acha que devo ser um mago pelo resto dos meus dias!
     -- Mas ser um vampiro, Larry? É o mesmo que pedir para ser enforcado!
     -- Eu não quero ser um vampiro, o que eu quero é poder ser igual a Christian, poder entender o que ele sente e ver o que ele vê! Eu quero estar ao lado dele, Glory. Adam me impediu que eu ficasse com você, lá na floresta. Não vou permitir que ele também me tire Christian.
     -- Eu não entendo essa sua amizade tão forte com Christian. Vocês se conhecem há pouco tempo...
     -- Eu também não entendo. - ele ficou vermelho – Mas algo muito forte me liga a ele.
     -- E o que quer fazer? Adam não vai aceitar que faça isso.
     -- Eu sei. - ele se sentou – Ele ameaçou romper nossa ligação. O elo mágico que nos une.
     -- O que acontece se ele romper?
     -- Eu posso morrer, ou sofrer danos permanentes.
     -- O que? E ele vai fazer isso?
     -- Tenho certeza que não. Seria doloroso para ele também. E eu sou importante demais para ele, ele jamais me mataria. - ele suspirou – Eu sei que parece loucura o que estou fazendo, e me sinto culpado por Adam passar por isso. Eu sou o discípulo dele, jamais deveria contestá-lo como estou fazendo. Uso o sentimento que ele tem por mim para desobedecê-lo, porque sei que não serei castigado severamente. É cruel, eu jamais deveria fazer isso.
     -- Então, por que faz?
     -- Porque eu preciso. Pelo mesmo motivo que você fugiu do castelo para viver com Dave, e que Bono fugiu deste reino para se tornar um mercenário, e que Dave vendeu a alma para reencontrar você. Porque não importa se é certo ou não, eu sinto que é o que vai me libertar e me fazer feliz.
     Glory balançou a cabeça. Agora entendia o que ele estava sentindo.
     -- Mas você tem que fazer isso agora? Pode esperar se tornar um mago, ser livre de Adam, para então procurar Christian e se tornar um vampiro.
     -- Ainda faltam alguns anos para que eu esteja livre do meu mestre, e até lá já serei um homem, enquanto Christian será para sempre um adolescente. Não, eu quero ser igual a ele. Seremos como irmãos, unidos para sempre.
     -- Mas Adam não vai permitir.
     -- Eu sei. E já não sei o que fazer. - ele parou e ficou olhando para o céu – E ele está certo. Eu devia ser um mago.
     -- Por quê?
     -- Porque assim foi toda a minha família. Eu tenho sangue mágico nas veias, o sangue das bruxas. Tenho muitos poderes que nem Adam tem. Ele tem a esperança... Não, ele tem a certeza de que eu serei um dos maiores magos que já existiu. E eu sei que ele está certo, e toda a minha vida eu esperei por isso, mas agora já não é isso o que eu quero. Mesmo que os espíritos dos meus antepassados discordem.
     -- Então, você se lembra da sua família?
     -- Claro. Lembro perfeitamente. - os olhos dele se perderam – Lembro do dia em que me tornei um aprendiz.
     -- E como foi? Conta pra mim.
     Os dois se sentaram na cama, e ele começou a contar.
* * * * *

     -- Muito cedo, eu me tornei um mago e me vi sozinho no mundo. - disse Adam – Quando um aprendiz está pronto, a ligação se rompe e o mestre deve abandoná-lo para viver por conta própria. Os dois só podem se reencontrar no mínimo depois de um ano. Isso aconteceu comigo quando eu só tinha quinze anos. Estava pronto em nível de poder e tinha alguma experiência, mas nem por isso tinha deixado de ser quase uma criança. Eu me sentia muito sozinho.
     “Eu viajei muito. Queria conhecer o mundo todo. Cheguei a lugares que vocês sequer ouviram falar, conheci povos e línguas que o resto do mundo desconhece. Em minhas viagens solitárias, muitas vezes me encontrava com ciganos, ladrões, viajantes, e outros magos e feiticeiras. Na maioria das vezes eram encontros amigáveis, trocávamos conhecimentos, comida, vestes, ingredientes para poções. Perdi a conta de quantas pessoas curei, de quantos partos fiz, e com quantas mulheres me deitei nesses caminhos”.
     “Um dia, eu conheci uma garota. Era uma jovem feiticeira, muito poderosa, e era a mulher mais bela que eu já vira. Nós nos conhecemos durante o hierogamos, nos encontramos por acaso mais algumas vezes, e por fim nos tornamos amantes. Passamos a viajar juntos, era o equivalente a um casamento cristão, embora ela tivesse outros homens e eu tivesse outras mulheres. Nós nos amávamos, e juntos fomos desenvolvendo nossa magia, adquirindo novos conhecimentos. Vivemos juntos por muito tempo, e tivemos um filho. Infelizmente, ele viveu apenas alguns meses. Ficamos tristes, mas os pagãos encaram a morte de uma forma diferente, por isso não foi tão difícil aceitar”.
     “Tentamos ter outro filho, mas não conseguimos. Não havia nada de errado com nenhum de nós, mas talvez não fosse a vontade dos deuses. Um dia, enquanto viajávamos, nos encontramos com um grupo de ciganos. Eram dias de inverno rigoroso, e estava sendo difícil viajar sozinhos com tanto frio. Eles pediram para que nós os acompanhássemos, pois precisávamos de suprimentos e calor e eles precisavam de alguém que cuidasse das pessoas doentes. Então nos ajudamos mutuamente”.
     “Havia um rapaz nessa família de ciganos, um rapaz jovem e muito belo, que sabia usar os poderes ciganos de uma forma incrível. Esse rapaz se tornou meu amigo e de minha... Vou chamá-la de esposa, embora não fossemos casados. Ele se tornou nosso amigo. E um dia, por acaso, ao procurar lenha pela floresta, eu vi os dois aos beijos em um lugar escondido”.
     “Nem ela nem ele estavam fazendo nada de errado, porque todos nós éramos livres. E eu já a vira com outros homens antes. Mas naquela hora, quando eu os vi, eu soube que era diferente. Ela amava ele, tanto quanto me amava, e isso me fazia sofrer. Depois de um tempo, contei a ela que sabia sobre eles, e que sabia que ela o amava, mas ela disse que não me deixaria. Afinal, estávamos vivendo todos juntos, não era preciso fazer escolhas. Mas quando o inverno passou e chegou a hora de partir, ela disse que não deixaria os ciganos, porque estava carregando um filho dele. Eu podia ter ficado, mas tomei a decisão de partir. Não estava com raiva deles, sequer com ciúmes. Apenas precisava de um tempo para mim. Mas eu jurei que voltaria a encontrá-los antes de a criança nascer”.
     Ele fez uma pausa. Bono e Dave nada disseram; ouviam com atenção tudo o que Adam dizia.
     -- Nossos caminhos não se cruzaram por meses. - Adam continuou – Mas quando se aproximou a hora do bebê nascer, eu usei meus poderes para encontrá-los, e fui até eles. Grávida, ela parecia ainda mais linda. Eu fiquei vivendo com eles, e quando o bebê nasceu, eu fiz o parto. E tudo correu bem, era um menino forte e saudável, e mesmo tão pequeno nós podíamos sentir que ele tinha um poder muito grande. E ela escolheu para ele o nome de Lawrence.
     -- Então – Bono interrompeu – você era amante da mãe de Larry?
     -- Sim.
     -- Mas como sabiam que o cigano era o pai dele? - disse Dave – Não podia ser você?
     -- Nós temos o poder para saber essas coisas, meu caro. Hoje eu posso ver auras, então saberia se a mulher está grávida no momento da concepção. Naquela época não era sim, mas as feiticeiras têm total domínio de seu corpo, e ela soube quem era o pai. Mesmo que houvesse dúvidas, eu saberia no momento em que vi a aura de Larry pela primeira vez. Ele não é meu filho.
     -- E ele sabe sobre tudo isso?
     -- Sim. Tudo.
     -- E o que aconteceu depois disso? - disse Bono.
     -- Depois que Larry nasceu, eu continuei a viver com os ciganos, e eu e minha amada voltamos a ser amantes, embora ela também fosse amante do outro. Algumas vezes eu me separava deles e ficava fora por meses, mas sempre voltávamos a nos encontrar. Eu vi Larry aprender a andar e a falar, vi ele deixar de ser um bebê e se tornar um lindo menino. Era tão parecido com ela, não puxou nada do pai.
     “Um dia, eu tive que fazer novamente uma viagem. Nessa época, meus poderes estavam crescendo muito, e eu ia participar de um ritual muito importante com outros magos. Ela queria ir junto, mas não foi por causa de Larry, que estava com febre. Então eu fui sozinho, e fiquei fora por pouco mais de dois meses. Na volta, quando passava pela cidade, quase fui preso. Soldados da Igreja estavam percorrendo toda aquela região à procura de pagãos, estavam fazendo um verdadeiro massacre. Tive que me esconder, e temi pelos ciganos e pela mulher que eu amava, pois eram um grupo grande e seria difícil se esconder. Assim que os soldados se foram, eu fui atrás deles, mas cheguei tarde demais”.
     “Quando cheguei no acampamento, estava tudo destruído. Havia cadáveres por todos os lados, os corpos das pessoas que eram minhas amigas. E entre eles estava o corpo dela, junto do seu amante. Eles haviam sido mortos da forma mais brutal que alguém poderia conceber. O cigano tinha cortes no corpo todo e tinha sido decapitado, e ela... Não bastou matá-la, eles a torturaram, a estupraram, ela deve ter sofrido por horas até morrer”.
     -- Que horror... - Dave murmurou, e Bono estava muito sério.
     -- É assim que a Igreja age com quem não a segue. Eu percorri todo o acampamento, mas não restara nada. Desde o mais velho ancião até os bebês mais novos, todos haviam sido mortos. E quando eu estava quase indo embora, porque não suportava continuar ali, eu ouvi um choro de criança.
     “Eu corri para o lugar de onde o choro vinha. Era debaixo de uma carroça virada, atrás de tendas e rolos de corda. Quando consegui tirar tudo de cima, encontrei Larry. Ele estava chorando, abraçado em um vestido da mãe e chamando por ela. Foi um milagre os soldados não o virem. Depois eu soube que a mãe o escondera ali quando os cavaleiros começaram a chegar, e que ele vira tudo o que acontecera”.
     “Eu enterrei todos os corpos. Larry me ajudou a fazer os túmulos, colocando pedrinhas em cima. Ele só tinha sete anos, mas eu expliquei a ele o que tinha acontecido, e ele entendeu. Sempre foi um menino muito esperto. Depois nós fomos embora, não podíamos ficar ali. Eu podia ter deixado ele em algum orfanato, mas... Ele era filho da mulher que eu amava. E quando ele ainda era um bebê, ela me fez prometer que, se um dia fosse necessário, eu cuidaria dele. Ela não era ingênua, sabia que os cristãos nos perseguiam e que algo podia acontecer a nós a qualquer momento. Sendo assim, eu não poderia abandoná-lo. Tomei a decisão de levá-lo comigo, e o tornei meu aprendiz. Viajamos muito pelo mundo, até nos instalarmos naquela casa no coração da floresta. Era um bom lugar para ensinar magia a um garoto, e ele sempre teve muito receio com pessoas, principalmente com cristãos. Mas é um ótimo garoto, e o criei como teria criado meu filho. Temos uma ligação muito forte, e eu o amo”.
* * * * *

     -- Eu o amo. - disse Larry, com lágrimas nos olhos – Depois de tudo o que ele fez por mim, me dói muito a idéia de deixá-lo. Mesmo me lembrando de meu pai, Adam sempre foi um pai. E sei que ele me vê como seu filho.
     Glory também tinha lágrimas nos olhos.
     -- Que coisa triste o que aconteceu com os seus pais... Eu nunca imaginei...
     -- Sei que Adam amava muito minha mãe, e que ela me trancaria em uma jaula se eu dissesse que quero ser um vampiro. Ele não vai permitir porque ela não permitiria. Mas ele tem que entender que eu já não quero ser um mago. Mesmo que isso esteja no meu sangue, que seja o meu destino.
     -- Mas Adam não vai permitir. E você não pode contrariá-lo.
     -- Eu sei. Mas não vou desistir, Glory. Se ele não me autorizar, se quiser me manter preso aqui, eu... Eu sou capaz de fazer uma loucura.
     -- Que loucura?
     Mas Larry não respondeu. Apenas foi até a janela, e ficou olhando para a noite escura lá fora.
* * * * *

     Quando Glory entrou no salão, encontrou Adam, Dave e Bono conversando em voz baixa, e Adam parecendo muito preocupado. Ela estava muito triste.
     -- E então? - disse Dave.
     -- Não adianta. Nada do que eu disse pôde convencê-lo. Ele disse que não quer mais ser um mago, que quer ser um vampiro para poder ficar com Christian.
     -- Enlouqueceu completamente. - disse Adam – Teremos que partir.
     -- Mas o tempo...
     -- Enfrentaremos o tempo. Já o enfrentamos outras vezes. Iremos para um lugar onde Christian não possa nos encontrar.
     -- Mas e se não conseguirem chegar à cidade? E se congelarem?
     -- Se assim for, será a vontade dos deuses. Mas prefiro morrer congelado do que ver Larry se tornar uma alma das trevas.
     -- Se essa é a sua vontade, não tentarei impedí-lo. - disse Bono – Mandarei dois cavaleiros para escoltá-los até onde quiserem, e lhes darei comida e montaria. Também manterei Christian trancado, para que ele não vá atrás de vocês.
     -- Mas ele poderá seguir seus rastros, não? - disse Dave – Digo, ele tem poderes como os meus, e eu poderia fazer isso. E ele comanda as criaturas da noite.
     -- Tenho formas de impedir que faça isso. E se mesmo assim ele for atrás da gente e nos encontrar, eu terei o direito de matá-lo.
     -- Quando você quer partir? - disse Glory.
     -- Depois de amanhã, antes do sol nascer.
* * * * *

     -- Você não pode fazer isso!
     -- Sim, eu posso, e você sabe disso. E a culpa é sua, Larry. Se não tivesse começado essa... Essa loucura, não precisaríamos partir. Ficaríamos aqui e você teria sua inicialização aqui, e estaria perto da garota que ama e do seu amigo, ou o que quer que ele seja para você.
     -- Adam, por favor... - Larry estava chorando – Não faça isso comigo... Eu sei que é loucura, sei que estarei perdendo a minha alma e tudo o mais, e que vai contra tudo o que você sempre me ensinou. Mas eu quero isso mesmo assim, e tenho plena consciência das consequências. Eu sou muito grato a você por tudo, tudo o que você me ensinou sempre será valioso para mim, mas eu não quero mais ser um grande mago. O que eu quero não é ser um vampiro, mas esse é o único modo de ficar para sempre com Christian.
     -- Eu sei o que você quer, sei o porquê e sei quais são os seus motivos. Mas não vou permitir, Larry, porque se fizer isso vou te perder para sempre. Você pode achar que é um egoísmo meu ou qualquer coisa assim, mas não te criei e te ensinei tanta magia para que você acabasse assim. Minha palavra está dada. Partiremos antes do próximo amanhecer.
     -- Eu não irei. Escute bem, Adam, eu não irei, nem que tenha que me matar. Você levará meu corpo, mas minha alma ficará nesse castelo.
     -- Você não poderia se matar mesmo que quisesse. E está sendo vigiado, Larry, o que pensa em fazer? Se enforcar? Não conseguiria. - ele foi em direção à porta – Prepare-se para a viagem. Descanse essa noite, porque a viagem será longa. Eu virei te buscar na hora de partirmos.
     -- Não me encontrará com vida.
     -- Pare com essas ameaças contra você mesmo. Sabe que não pode se matar.
     Ele saiu, deixando Larry trancado no quarto.
* * * * *

     Era madrugada, e em algumas horas amanheceria. Adam já arrumara suas malas e se vestira, e os criados colocavam as coisas dentro da carruagem que Bono lhe dera. Um criado levaria a carruagem, e dois cavaleiros fariam a escolta, até onde Adam quisesse ir.
     Glory já chorara muito, mas parara, reconfortada por Dave. Bono conversava com Adam sobre os detalhes da viagem e sobre quanto tempo deveria esperar antes de soltar Christian. Então, um dos criados avisou que tudo já estava pronto.
     -- Vou buscar Larry. - disse Adam – Se aproxima a hora de partirmos.
     Ele foi para o quarto onde Larry estava trancado. Abriu a porta, e encontrou o rapaz sentado na cama, com suas coisas arrumadas em um baú ao seu lado, e vestido para a viagem. Tinha os olhos muito vermelhos, parecendo ter chorado a noite inteira.
     -- Você está pronto?
     Larry levantou o rosto para Adam.
     -- Não.
     -- Vamos, Larry. O sol nascerá em algumas horas, não podemos perder tempo.
     Dois criados entraram no quarto e levaram as coisas de Larry para fora. O garoto permaneceu sentado por um tempo, mas então se levantou. Seguiu Adam em silêncio para fora, até o salão onde estavam os outros.
     -- Está tudo pronto. - disse Adam – Vamos partir.
     -- Oh não. - disse Larry, de repente.
     -- O que foi? - disse Glory.
     -- Esqueci algo no quarto. - ele apalpava os bolsos – Meu caderno de anotações.
     -- Onde você está com a cabeça? - disse Adam – Vá buscar.
     -- Posso levar um criado para me ajudar a procurar?
     -- Claro. Mas não se demore.
     Quase correndo, Larry subiu as escadas, seguido pelo criado. Adam se voltou para Dave para dizer alguma coisa, mas antes que o fizesse, ouviu-se o som de algo se quebrando. Glory fora pegar um copo de água trazido por uma criada, e o deixara cair no chão.
     -- Glory, cuidado. - disse Dave, indo até ela – Você está bem?
     -- Estou... O copo escorregou...
     -- Taças quebradas são mal sinal. - disse Adam, mais para si mesmo do que para os outros.
     -- Mal sinal? - disse Bono – Como assim?
     -- Diz-se que se às vésperas de uma viagem uma taça de cristal é quebrada, uma tragédia acontecerá.
     -- Acha que é melhor adiar a viagem?
     -- Não. Não podemos ficar por mais tempo, temos que par...
     Mas antes de concluir sua frase, Adam deu um grito abafado e teve que se apoiar na parede. Dave e Bono correram para segurá-lo.
     -- Adam! O que houve?
     -- Larry! - ele parecia estar sentindo muita dor – Onde está ele?
     -- Deve estar lá em cima, procurando o...
     Adam foi correndo pelas escadas, para o quarto de Larry. Os outros foram atrás, sem saber o que estava acontecendo. Quando chegaram, se depararam com Larry no chão, sobre uma enorme poça de sangue, enquanto o criado que o acompanhara estava parado, segurando uma adaga, e com um olhar perdido para a parede. Glory deu um grito, e Adam correu para Larry. O virou, e os outros puderam ver que a frente de sua camisa estava empapada de sangue.
     -- Larry! Larry! O que você fez? - ele se voltou para o criado, que continuava a olhar inerte para a parede – Você! Acorde!
     O criado pareceu realmente despertar. Olhou em volta, assustado, e deixou a adaga cair no chão. Bono foi até ele.
     -- O que aconteceu?
     -- E-eu não sei... Nós entramos no quarto, e... Eu não me lembro...
     -- Ele foi hipnotizado. - disse Adam, pegando Larry no colo e o colocando sobre a cama – Larry o hipnotizou e o mandou fazer isso.
     -- Por quê? - disse Glory, correndo para junto dele.
     -- Porque ele não poderia dar fim a sua própria vida, então ordenou que outro o fizesse. - ele pegou uma faca do bolso e rasgou a camisa de Larry, tirando-a – Não...
     No peito de Larry, havia dois ferimentos muito profundos, causados pela adaga. O garoto sangrava sem parar.
     -- Ele está vivo? - disse Glory – Larry, fala comigo...
     -- Sim, mas vai morrer. - Adam estava desesperado – Atingiu dois pontos vitais, eu não posso salvá-lo.
     -- Não! Você tem que fazer alguma coisa, Adam, você curou Bono aquela vez, você pode...
     -- Não, eu não posso! Não entende? Ele sabia o que estava fazendo, vai estar morto em minutos!
     -- Christian pode salvá-lo. - disse Dave, em um tom de quem já pedia desculpas antecipadamente.
     -- O que!?
     -- Se Christian o transformar em um vampiro, ele não morrerá.
     -- Não vou permitir isso! Está fora de cogitação!
     -- Prefere que Larry morra? - Glory gritou – Se gosta tanto dele, devia querer que ele fosse feliz, mesmo que para ele a felicidade fosse ser um vampiro! Mas você quis levar ele embora só porque achava que ele tinha que ser um mago, e agora prefere que ele morra do que deixar que ele seja um vampiro! Você não ama ele, Adam, você só é um egoísta que não quer aceitar que seu aprendiz não deseje o destino que você escolheu para ele!
     Parecia que Adam ia gritar com Glory, mas ele apenas fez um ruído de frustração e olhou dela para Larry, de Larry para ela. O garoto respirava com dificuldade e estava muito pálido. Não teria mais do que alguns instantes de vida.
     -- Certo. - ele disse, com evidente raiva na voz – Tragam Christian. Depressa.
     Dave foi correndo buscar Christian. Bono pôs a mão no ombro de Adam.
     -- É o desejo dele. Sei que ele merecia muito mais, mas essa é a vida que ele escolheu.
     -- Eu sei. - ele não olhou para Bono – Se ele chegou nesse ponto, não posso mais fazer nada para impedí-lo. Só espero que ainda esteja a tempo.
     Logo Christian chegou, trazido por Dave. Foi correndo até a cama de Larry, e se ajoelhou ao lado dele, parecendo nem ver os outros.
     -- Larry! Oh Deus, Larry, o que você fez?
     -- Christian, você tem que salvar ele! - disse Glory – Se transformar ele em um vampiro, ele vai viver!
     Christian ainda hesitou por um momento, olhando para Adam e para os outros; mas, ao ver que não seria impedido, fez o que Glory pedira. Virou levemente o rosto de Larry, o olhou com carinho, e então o mordeu. Larry estremeceu, mesmo inconsciente, e Christian não bebeu mais do que meio copo de seu sangue; em seguida pegou um punhal que Dave lhe entregara, cortou seu próprio pulso e deixou o sangue pingar sobre os lábios de Larry, fazendo o garoto abrir a boca para poder bebê-lo.
     -- Beba, Larry. - Christian murmurou, quase implorando – Por favor, beba.
     Ele se afastou, esperando ansiosamente. Todos ficaram olhando para Larry, que ficava cada vez mais pálido. Então o garoto estremeceu e parou de respirar. Glory deu um gritinho, mas Adam fez um sinal para que eles esperassem. E, após alguns segundos, Larry abriu novamente os olhos.
     Glory e Christian suspiraram, aliviados. Larry olhou em volta, confuso, com os olhos vítreos de um vampiro. Então olhou para Christian.
     -- O que...?
     -- Eu te salvei. - ele disse, sorrindo alegremente – Você é um vampiro agora.
     Larry sorriu também. Adam desviou o olhar e saiu do quarto. Bono e Dave trocaram um olhar, e Bono foi atrás dele. Dave foi até Larry e o ajudou a se sentar na cama.
     -- Como se sente?
     -- Bem. Muito bem. - ele olhou para as próprias mãos, como se estivesse verificando se ainda tinha o mesmo corpo – Então, eu... Sou um vampiro?
     -- Sim. - disse Christian – Como eu.
     -- Isso foi uma grande loucura, Larry. - disse Dave – Tentar se matar desse jeito. Foi muita sorte que tenha dado tempo.
     -- Eu sei. Mas era a única forma. - ele segurou a mão de Christian – E valeu à pena.
     Glory se sentou ao lado dele, e tocou seu ombro. Ele sorriu para ela, e Dave saiu do quarto, deixando os três a sós.
* * * * *

     Adam estava parado na janela da torre, olhando para fora. Apesar da janela estar fechada, fazia muito frio. Larry se aproximou dele.
     -- Eu pedi que fosse às masmorras hoje. Por que não apareceu?
     -- Se queria falar comigo, viesse aqui em cima.
     -- Sabe que não posso mais vir aqui durante o dia. Mesmo no inverno, a luz do sol me mataria.
     -- Pensasse nisso antes de decidir se tornar um vampiro.
     Larry suspirou.
     -- Adam...
     -- Nossa ligação está rompida. - ele se voltou para Larry – Foi rompida no momento em que se tornou um vampiro. Não há mais nada que nos ligue. Vá embora daqui.
     Aquilo quase fez Larry chorar; mas ele respirou fundo, fechou os olhos, abriu-os de novo.
     -- Você sabe que isso não é verdade. Nós éramos muito mais do que mestre e aprendiz. Você é o mais próximo que eu conheço de uma família.
     -- Você me trocou por Christian.
     -- O que eu sinto por Christian, e o que existe entre eu e ele, não tem nada a ver com o que eu sinto por você. Nada vai apagar tudo o que passamos juntos, Adam, e nada vai me fazer esquecer o quanto você é importante pra mim. Você é praticamente... Praticamente meu pai.
     Adam também estava quase chorando, mas se controlou.
     -- Não era pra ser assim, Larry. Nós devíamos... Eu ainda ia te ensinar tanta coisa. E você ia ser grande, ia ser o maior mago que já existiu, podia... Podia fazer tanto bem, ajudar tantas pessoas...
     -- Mas eu preferi abrir mão disso para poder ser feliz.
     -- E vai ser feliz sendo um vampiro?
     -- Não. Vou ser feliz estando ao lado da pessoa que eu amo.
     -- Você não ama Christian! Você se encantou por ele, porque ele é um vampiro e vampiros são sedutores, mas...
     -- Eu o amo. - ele falava baixo, por medo de que o ouvissem – Deus sabe o quanto queria que fosse diferente. Mas eu o amo, e agora não há como voltar atrás. Eu tenho medo, não só por agora ser um vampiro, mas por ele ser... Por nós dois sermos... – ele não conseguiu terminar a frase – Eu sei o que isso significa, sei que vou viver em pecado, e tenho medo disso, medo das pessoas, medo dos deuses. O que me dá forças é saber que ele também me ama, e que nós estaremos juntos. E mesmo que sejamos perseguidos e tenhamos que nos esconder e fugir do sol e das pessoas, estaremos sempre juntos, e seremos felizes assim. - ele fez uma pausa – Achei que quisesse a minha felicidade.
     -- Eu quero. - Adam se aproximou dele – O que eu mais quero, a única coisa que quero, é que você seja feliz. E por isso mesmo, eu tenho tanto medo... - ele tocou o ombro de Larry – Agora não há mais como voltar atrás. Espero que vocês possam... Possam superar qualquer coisa juntos. E que sejam realmente felizes.
     -- Obrigado. - ele abraçou Adam, e os dois ficaram assim por um tempo – Você vai continuar aqui?
     -- Sim. Pensei em ir embora, mas Bono me pediu para ficar. Afinal, é alto inverno, e eu não sei mais para aonde iria sem você.
     -- Sinto muito por ter te decepcionado. Você gastou anos me ensinando, e...
     -- Tudo bem. Não foi um tempo perdido, tenho certeza de que tudo o que lhe ensinei será útil. Você ainda é um mago, afinal. E quanto a mim... Ainda tenho algum tempo pela frente. Poderei até mesmo ter outro aprendiz. Ou ter um filho para ensinar o que eu sei.
     -- E aí você vai me esquecer?
     -- Nunca te esquecerei, e nunca te abandonarei. Mesmo que eu me vá, e que passemos anos sem nos ver, eu continuarei com você.
     -- Obrigado.
* * * * *

     Glory estava na sacada de seu quarto, olhando os cavaleiros que treinavam lá embaixo, comandados por Bono. Estavam preparando-se para partir em uma missão, para terras do Leste, e Bono e Dave iriam com eles.
     -- O que você está fazendo? - veio a voz de Dave, de trás dela.
     -- Estou vendo os cavaleiros. - ela sorriu para ele – Lembra de quando a gente vivia no palácio? No inverno eu ficava na sacada do meu quarto, vendo você treinar, e antes de você ir embora eu te jogava um lenço com uma mensagem escrita.
     -- Claro que me lembro. - ele sorriu e a abraçou – Você era a luz do sol para mim, mesmo nos dias mais escuros do inverno.
     -- E agora? - ela apoiou a cabeça no peito dele – O que eu sou para você?
     -- Tudo. Você é tudo pra mim. Você é o sol e a luz, o céu e todas as estrelas, e todas as flores da primavera...
     Ele a beijou. Estavam muito alto; as pessoas lá embaixo não os veriam.
     -- Vocês prometem que voltam logo?
     -- Voltaremos o mais rápido possível. Bono não queria te deixar sozinha, mas nós dois precisamos partir nessa viagem. Mas em breve voltaremos.
     -- Por que eu não posso ir junto?
     -- Já te falei sobre isso, Glory. Em primeiro lugar, é inverno, e não queremos te expor ao frio. Além disso, teríamos que levar a princesa Grace, e ela ainda é pequena demais para grandes viagens.
     -- Na primavera, promete que me leva com você?
     -- Na primavera, eu te levarei para todos os lugares do mundo.
     Eles se beijaram de novo, envoltos pela música das espadas dos jovens cavaleiros sobre a neve.

FIM

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