terça-feira, 9 de outubro de 2012

[conto #035] Chocolate

CHOCOLATE

Quando ela acordou, não havia ninguém em casa. Ela se levantou e olhou em todos os cômodos, mas a casa estava vazia. Olhou pela janela, para a rua, mas tudo estava deserto. Como se todas as pessoas tivessem sumido de repente.
Sem entender o que estava acontecendo, ela se apoiou na mesa, tentando acordar completamente. Mas a textura da mesa de repente mudou, e ao olhar, ela percebeu que o que antes era granito e ferro se tornara chocolate.
Ela se afastou, assustada. Tentou se beliscar, mordeu a ponta do dedo, qualquer coisa que a fizesse acordar, mas foi inútil: aparentemente, já estava bem acordada. Aproximou-se novamente da mesa e a analisou atentamente. Definitivamente, era chocolate, embora o formato de mesa continuasse o mesmo, inclusive nos desenhos do que antes fora uma pedra de granito. Ela quebrou um pedaço da ponta da mesa e o mordeu de leve. Chocolate.
Ela se sentou no sofá, pensativa, enquanto comia a mesa. O que estava acontecendo? Em primeiro lugar, onde estavam todas as pessoas do mundo? Em segundo, desde quando mesas se transformavam em chocolate? Ela resolveu sair dali e procurar algum sinal de vida pela rua. Estava começando a ficar com medo.
Quando ela tocou na maçaneta, esta também se transformou em chocolate e quebrou na sua mão. Ela tentou empurrar a porta, mas também esta se transformou em chocolate. Desesperada, ela foi pular a janela, mas ao tocar na janela e na parede elas também se transformaram em chocolate, e ela começava a perceber que isso aconteceria com qualquer coisa que tocasse. Pulou a parede de chocolate e correu para a rua.
Não havia sinal de vida na rua. Nem pessoas, nem animais, nem mesmo um minúsculo inseto, nada. Ela correu durante algum tempo, até que teve que parar para respirar. Colocou a mão na cintura, e imediatamente a blusa que usava se transformou em chocolate. Ela foi obrigada a despedaçar a blusa para tira-la, antes que derretesse em cima dela. E voltou a andar, dessa vez devagar, tomando o cuidado de não tocar em nada pelo caminho.
Continuou andando por muitas horas, até que foi obrigada a parar, exausta. Sentou-se na calçada e tentou pensar, mas parecia impossível formar um pensamento coerente. Todos os seres vivos do mundo haviam desaparecido, exceto ela. Seu toque transformava qualquer coisa em chocolate. Parecia um pesadelo do qual ela não conseguia acordar.
De repente ela ouviu um barulho, e se voltou. De trás de um carro, surgira uma criança. As duas se olharam, a princípio assustadas. Mas então a criança correu para ela e as duas se abraçaram. Ela chegou a se sentir aliviada - havia, afinal, outras pessoas no mundo - quando percebeu que a pele da criança mudou de textura, e viu, horrorizada, a pequena criatura se transformar em uma estátua de chocolate.
Ela se afastou, e com esse gesto os dois braços de chocolate da criança, ainda enlaçados em volta dela, foram arrancados e caíram no chão, se despedaçando. Ela continuou se afastando até tropeçar na calçada e cair sentada no chão. Apoiou as mãos no chão, e viu que a calçada e a rua começavam a se transformar em chocolate, mas o terror não permitiu que se movesse; quando afinal afastou as mãos, já era tarde demais. A transformação continuou, o chocolate se entrenhando nas profundezas até o núcleo da Terra, até que todo o planeta se transformou em uma imensa bola de chocolate, que se aqueceu e derreteu lentamente ao calor do sol.

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