CRESCENTE
Eu vivia presa em uma gaiola de ouro muito bonita, mas tão pequena que mal podia me mexer. Mamãe e papai diziam que tinha que ser assim, para que eu não tentasse voar e não me machucasse. Eles vinham me trazer comida todos os dias e ficavam muito e muito tempo perto de mim e da minha gaiola. Eu nunca ficava sozinha. Se papai ia embora, mamãe ficava comigo, e quando mamãe saía, papai vinha me fazer companhia.
Apesar da gaiola ser pequena, eu era feliz. Tinha mamãe e papai, tinha a comida que eu mais gostava todos os dias, tinha a janela para olhar o céu e sentir a brisa soprando. Mas um dia, ao acordar, descobri que tinha saído da gaiola.
A gaiola estava lá em cima, presa no teto, como sempre estivera. Mas parecia pequena, bem menor do que antes, quando eu estava dentro dela. Eu senti muito medo, e fiquei sentada no chão, encolhida, esperando mamãe e papai aparecerem para me colocar de volta. Nunca tinha estado fora da gaiola antes, e sabia que era perigoso, que o mundo do lado de fora era ruim, frio, assustador.
Muito tempo se passou, e eu fiquei o tempo todo esperando mamãe e papai, mas eles não vieram. Eu ainda estava com medo, mas comecei a sentir muita fome, por isso levantei e saí andando pela casa, procurando alguém. Quando cheguei no corredor, vi um potinho com a minha comida caído no chão; me sentei ali e comi tudo, mas parecia tão pouco, e acabou tão rápido, que continuei com fome. Levantei e continuei andando; a cada passo que eu dava meu coração batia tão depressa que eu tinha medo de que ele explodisse. Não sabia se me faria bem andar sozinha daquele jeito, sem papai e mamãe.
Quando cheguei na sala, vi que em cima da mesa de jantar havia uma gaiola um pouco maior do que a minha, e papai e mamãe estavam ali dentro. Eles pareciam bem menores do que antes, menores até do que eu. Eu me aproximei e percebi que eles estavam com muita fome; então fui até a cozinha, peguei um pouco de comida e levei para eles. Eles comeram depressa, mas não quiseram mais; tentei conversar com eles, perguntar como fazia para tirá-los da gaiola e para voltar para a minha gaiola, mas eles não conseguiam conversar comigo. Percebi que agora eu é que teria que cuidar deles, e foi o que eu fiz.
Durante muito tempo eu cuidei de papai e mamãe. Eu lhes dava comida e água várias vezes por dia e conversava com eles por muito tempo, e nunca os deixava sozinhos. Conforme o tempo passava, eles cresciam e pareciam a cada vez mais felizes e mais fortes. Mas um dia, quando acordei de manhã, a gaiola deles estava aberta, e eles não estavam mais ali.
Procurei mamãe e papai pela casa toda, mas não os encontrei. Chamei por eles, mas eles não me responderam. Esperei por bastante tempo, mas eles não apareceram. Ao perceber que estava completamente sozinha, que não tinha ninguém para cuidar e ninguém que cuidasse de mim, eu me senti muito triste e comecei a chorar.
Enquanto chorava, olhei para cima e percebi que uma das janelas da sala estava aberta. Nenhuma janela da casa ficava aberta, mas aquela estava. Eu fui até ela e olhei para fora; saindo da janela havia uma escada que subia até o céu. Pensei que, se papai e mamãe haviam fugido por aquela janela, então para encontra-los eu teria que subir aquela escada, e foi o que fiz. Subi em um banquinho, pulei a janela e meus pés encontraram o primeiro degrau. Só quando estava ali e olhei ao redor foi que soube que nossa casa ficava no topo de uma colina muito alta, de onde podíamos ver os vales verdes ao redor, onde não havia nenhuma outra casa. Olhei para cima, para a escada que parecia não ter fim. E comecei a subir.
Eu subi por muito tempo, até chegar no alto de uma montanha. Naquela montanha vivia uma criança, e eu perguntei a ela onde estavam papai e mamãe.
"Seus pais estão no alto da montanha mais alta do mundo, e você deve chegar lá sozinha. Continue subindo a escada."
E a criança se jogou do alto da montanha e saiu voando. Eu voltei para a escada, e quando subi o próximo degrau, olhei em volta. Podia ver agora o mar, muito azul, ao longe. Podia ver colinas verdes com casinhas solitárias como a minha, e animais que vistos dali eram tão pequenos que pareciam de mentira. Podia ver, bem ao longe, uma cidade grande.
Continuei subindo, e subi por muito tempo, até chegar ao alto de uma outra montanha. Ali também havia uma criança. Perguntei onde estavam papai e mamãe.
"Continue subindo a escada, e vai encontra-los, no topo da montanha mais alta do mundo."
Em seguida, a criança se jogou do alto da montanha e saiu voando. Voltei para a escada e novamente olhei em volta. Agora eu podia ver várias cidades grandes, e as pessoas nas cidades, e os campos e vales, e rios, e o mar ao longe, e um arco iris que saía de uma montanha onde chovia e ia até um vale dourado de sol. Continuei subindo, por muito tempo, e dessa vez, a cada passo que dava olhava ao redor, para as novas coisas que surgiam na paisagem abaixo. Cheguei ao topo de uma nova montanha, onde havia mais uma criança. Fiquei na beira da montanha, olhando o mundo lá embaixo, e só depois perguntei onde estavam papai e mamãe.
"No alto da montanha mais alta do mundo. Continue subindo a escada."
E se jogou do alto da montanha e saiu voando. Eu fiquei ainda um tempo ali, e depois voltei para a escada. Agora, podia ver o sol do lado do mundo que era dia, e a lua do lado do mundo que era noite. Podia ver os ventos mudando de direção e o mar mudando de lugar. Podia ver as pessoas nascendo e morrendo lá embaixo.
Continuei subindo, e subi por muito tempo, até que cheguei no alto da montanha mais alta do mundo. Ali estavam papai e mamãe, e eles também eram crianças; e eles me perguntaram se eu tinha ido até ali para busca-los.
"Vim buscar vocês, porque achei que vocês precisassem cuidar de mim, ou que eu precisasse cuidar de vocês. Mas somos crianças da mesma idade, e não temos mais que cuidar uns dos outros."
Em seguida voltei para a escada, e desci. Desci até a montanha antes da maior montanha do mundo, de onde a última criança tinha se jogado, e me sentei ali. No início senti medo, porque não sabia o que faria agora; mas logo me distraí, olhando a paisagem ao redor, até que meu medo pareceu muito pequeno comparado ao tamanho do mundo, e acabou sumindo. Eu fiquei ali, esperando.
Esperei por muito tempo, até que um dia, uma criança apareceu, subindo as escadas. Ela parou perto de mim e olhou para baixo, para a paisagem. Depois se voltou para mim, e disse:
"Onde estão mamãe e papai?"
"Eles estão no alto da montanha mais alta do mundo", respondi. "Continue subindo a escada."
Em seguida fui até a beira da montanha e sorri. Via a relva dos vales abaixo ondulando ao vento, via a água fria dos rios correndo, via as pessoas vivendo nas cidades. E com um impulso eu me joguei, em direção ao mundo.
SOBRE A HISTÓRIA
Comecei esse conto em 22 de janeiro de 2012 (ou seja, um ano e meio atrás) e parei mais ou menos na metade, sem ter nenhuma ideia de como continuar (embora soubesse mais ou menos aonde queria chegar). Até que hoje o reli e decidi que ia termina-lo de qualquer jeito, o que fiz em mais ou menos uma hora.
Essa ideia de "menina presa na gaiola" é uma metáfora que adotei na minha época de adolescente inconformada com o mundo, por volta dos catorze anos, e que adoro usar até hoje.
* * * * *
Hoje é o aniversário de cinco anos do blog! Durante essa semana, de segunda a sexta, será publicado um conto por dia. E fiz questão de postar esse conto hoje porque é um dos que considero melhores. Obrigada a todos que me seguem, espero que gostem!
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