terça-feira, 30 de setembro de 2008

[poesia #006] Talvez (ou Aquilo que Deveria Ter Sido Mas Nunca Foi)

Poema escrito em 28 de fevereiro de 2006

TALVEZ
(ou AQUILO QUE DEVERIA TER SIDO MAS NUNCA FOI)


Se me perguntares o que sinto, te respondo:
não sei.
Queria a eternidade de seus beijos infinitos
Queria te abraçar todo o tempo que me resta
(e me resta muito pouco...)
Hoje, não quero mais.
Será que um dia minha alma encontrará a sua?
Importa isso pra você?
Talvez não, mas você não sabe
como seria a vida se você me conhecesse.
Você não sabe que eu atravessaria o mar e lutaria com todos
só pra te ver dizer
que não.
Que nada do que eu faça vai mudar os fatos
Que eu te conheci muito antes de nascer
E que você esperou demais
E que eu não tive forças para vir quando você me queria
Quando você precisava tanto de mim
E outras gotas, de outros mares
choveram sobre ti para te acalentar
A única coisa minha que resta em você
é essa lágrima opaca que desce por seu rosto...

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

[poesia #005] Fim de Tarde

Poema escrito em 14 de maio de 2008

FIM DE TARDE

Hoje o céu era vermelho-sangue
eu mergulhei nas nuvens
havia uma gota de sangue no canto dos seus lábios
querido, você se lembra
como as flores se tornaram negras?

Havia um pedaço do chão nos seus olhos
um pedaço pequeno,
mas algo.
E estava lá.

Um dia seus lábios tocaram os meus
havia algo bom naquilo
antes de morrerem os sonhos

Colocaram fogo nos campos de bruma
e você estava lá
no meio,
com fogo nas mãos

Hoje o céu era vermelho-sangue
o seu sangue
eu abri a boca e bebi as gotas vermelhas de chuva
e o gosto era amargo pelo medo

Meu amor, um dia alguém disse
que sentir era pecado
você arrancou seu coração do peito e o atirou no mar.
No céu.
Nas pedras.
Mas ele sempre voltará pra você.

Agora você esconde seus erros
mas há marcas minhas em você
como quando queimamos juntos.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

[conto #004] Princesa, Anjos, Lua

PRINCESA, ANJOS, LUA

Um anjo nasceu no meio daquela estrela. Era a estrela mais alta e mais brilhante do céu. Dela, o anjo saiu. Pequeno e sem asas, escorregou até a lua e lá se sentou, olhando a Terra. Ficou muito tempo olhando, mas lá todos eram iguais, e ninguém era como ele. E ele disse:
-- Por que estou aqui?
Na lua morava uma linda rainha, que todos chamavam de Mãe. E Mãe foi até o anjo e o pegou no colo e disse, com uma voz celeste:
-- Você é um anjo sem asas; do céu nasceu mas no chão ficará.
-- Por quê?
-- Porque, lá embaixo, uma princesinha surgirá. E ela esperará por você.
-- Mas onde ela está?
-- Ela ainda não nasceu, porque você ainda é pequeno. Quando você percorrer a metade do seu quinto ano, ela nascerá.
E Mãe contou uma longa história ao anjo. Contou que ele nascera para cuidar da princesinha, e que ele seria a luz que a guiaria. Contou que a princesinha o amaria acima de tudo, e que ele também iria amá-la.
Contou que na Terra havia muitas princesas, e que ele podia amá-las também.
Mas também havia muitos anjos, e a princesinha não poderia amá-los.
-- Porque – contou a Mãe – se a princesinha amar outro anjo, começará a se esquecer de você. E se outro anjo se tornar o anjo da princesinha, você deixará de existir.
Porque o anjo só existia para cuidar da princesinha.
E o anjo desceu para o chão, e lá esperou. E muitas luas passaram e muitas estrelas surgiram, e o anjo esperava. E o anjo crescia, e verões passavam.
E no meio do quinto verão que o anjo via na Terra, nasceu a princesinha.
Foi na vigésima segunda hora do segundo dia do segundo mês. Um choro de menina acordou o anjo de um sono profundo.
-- Mãe! Mãe! - chamou o anjo, assustado – Quem chora?
-- É a sua princesinha. - disse a Mãe, da lua – Ela acabou de chegar. Vá vê-la.
Então o anjo entrou no castelo, e lá encontrou sua princesinha. Pequena e com brilhos de lua, em um berço dourado de sol. E eles passaram a se amar.
Princesinha cresceu, e não havia nada que ela amasse mais do que seu anjo sem asas. Os dois brincavam juntos pelo mundo, e o anjo cuidava da princesinha e lhe contava histórias do Céu e da Terra. E os dois cresciam.
Mas um dia o anjo conheceu outras princesas, e as amou. E lágrimas caíram dos olhos prateados da princesinha, porque ela nunca amara outro anjo. E ela perguntou ao seu anjo sem asas:
-- Por que você me traiu?
-- Não traí você, disse o anjo, apenas quero conhecer o mundo.
-- Podemos conhecê-lo juntos.
-- Mas você não pode ir comigo para o outro lado, porque é uma princesa e aqui é seu reino.
E o anjo atravessou o mar, ao encontro de novas princesas.
Princesinha chorou sozinha, por achar que seu anjo não a amava mais.
Passaram-se sóis e luas, e muitos verões. Princesinha cresceu, cresceram os jardins do palácio. Andando por eles, princesinha encontrou um anjo azul.
-- Brinca comigo, ela pediu. E ele atendeu.
E o anjo azul passou a brincar todos os dias com a princesinha. E a cada dia que passava ele roubava um pedacinho de seu coração.
Chegou o dia em que a princesinha passou a amar o anjo azul, seu coração se esquecendo aos poucos do anjo sem asas.
Do outro lado do mundo, cercado de outras princesas, o anjo sem asas sentiu seu coração começar a se desfazer, porque outro anjo estava se tornando o anjo da princesinha. E ele chorou, porque ainda a amava mais do que tudo.
-- Mãe – ele chamou – minha princesinha está deixando de me amar. O que faço?
-- Volte para junto dela, disse a Mãe, porque ela ainda se lembra de você. Mas, se ela o esquecer, você se desfará.
O anjo foi para o mar, reencontrar sua princesinha. Mas ela, nos distantes jardins de seu palácio, esquecia o anjo sem asas e amava o anjo azul cada vez mais.
E o anjo sem asas se desfazia, e perdia as forças. As ondas do mar o afogavam, e ele era levado pela correnteza. Chorando por sua princesinha perdida.
Um dia, quando princesinha brincava à beira do mar com o anjo azul, uma onda trouxe um anjo sem asas. Ele era quase como areia, invisível, e se desfazia com o vento. Princesinha o viu, e reconheceu aquele que fora seu anjo.
-- Anjo, ela disse, o que aconteceu com você?
-- Estou morrendo, disse o anjo triste, porque você não me ama mais.
-- Não! Eu te amo ainda, e não te esqueci!
Mas o anjo azul se aproximou, e disse:
-- Mas você também me ama agora, porque ele não soube te amar, e te abandonou. Deixe-o se desfazer.
-- Não posso! - disse a princesinha, com lágrimas nos olhos. Porque ela não podia perder alguém que tanto amara.
Quando tudo parecia perdido, a lua surgiu no céu de estrelas. Sobre um cavalo de prata, Mãe desceu para a Terra, indo pousar naquela praia, ao lado da princesinha e dos dois anjos que ela amava.
-- Mãe... - disse o anjo sem asas – Eu vou morrer?
Mãe desceu de seu cavalo. Beijou princesinha, dizendo:
-- Ouvi seu coraçãozinho chorando, e vim te ajudar.
-- Mãe, por favor, salve o meu anjo, porque eu o amo. Fui má por amar dois anjos, e ele foi mau por amar outras princesas. Mas todos nós somos crianças, e as crianças sempre têm perdão.
-- Vocês não foram maus. Só esqueceram de que são responsáveis por quem os ama. Nunca mais se esqueçam disso.
Então Mãe pegou o anjo sem asas no colo, e cantou uma canção para ele; e uma luz surgiu de dentro dele, e iluminou o mundo.
Quando a luz se dissipou, o anjo se transformara. Seu corpo era agora da cor dos olhos da princesinha, e era a mesma cor da lua e do céu. E agora ele tinha asas, grandes asas prateadas, e delas caía o pó das estrelas.
-- Meu anjo, como você se tornou lindo. - disse a princesinha.
-- Me tornei assim por você, ele disse, e a abraçou.
-- Agora, disse a mãe, você é um anjo do céu, e no céu ficará. E de lá sempre olhará por sua princesinha. E ela ficará aqui na Terra, com o anjo azul.
O anjo beijou princesinha, e voou de volta para a estrela mais alta e mais brilhante do céu. Atrás dele restou uma trilha prateada, que nunca se desfez.
Na Terra, agora, a princesinha vive com o anjo azul. E, no céu, o seu anjo olha para ela, e a ama e a protege.
Eternamente.


SOBRE A HISTÓRIA

Esse conto foi quase todo escrito durante uma aula de Geometria Analítica (!!!). Começou inspirado em contos de fadas e em algumas pessoas que conheço, mas acabou seguindo um rumo totalmente diferente. Uma pequena homenagem a amigos de vários tempos e a mim mesma. Foi a primeira história com temática infantil (ou conto de fadas) que escrevi.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

[poesia #004] Fato Estranho

Poema criado por mim em 06 de julho de 2005

FATO ESTRANHO

Eu sou virgem e tenho um filho
Filho de um pai que morreu
Não me perguntem como foi
E nem como aconteceu.

Quando vi estava lá
Tendo nos braços um filho
Vi o sangue do seu pai
Escorrendo junto ao trilho.

Eu fui, ele ficou
O amava sem amar
Sonhando em ter seu corpo
Acabei sem o abraçar.

Não sei como tive um filho
Se ele em mim nunca tocou
E morreu antes de ver
O filho que se criou.

Mas a verdade é que o amo
E pra sempre o amarei
Mesmo sem ele ao meu lado
E do filho que criei.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

[poesia #003] Anjo Antigo

Poema criado por mim em 30 de novembro de 2006

ANJO ANTIGO

Havia algo estranho na sua existência
Algo irreal na sua beleza
Algo surreal
Como se você fosse parte de um quadro antigo
Pintado com tintas que não existem
Por um pintor anônimo
Algo naquela paisagem
Na aura abstrata ao seu redor
É como se você não estivesse ali
Ou estivesse atrás de um espelho
Não sei ao certo o quê
Talvez os seus olhos muito claros ou sua pele
Branca...
Tão branca
Que não poderia existir
Ser real.
Isso. Um ser irreal.
Um príncipe de contos de fadas
Vestido ao contrário
Ou quem sabe uma nuvem
Passando calma e suave no céu
Que de repente se transforma em chuva
E chove tudo ao seu redor...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

[conto #003] Noite de Paz

NOITE DE PAZ

Já são onze horas da noite, e a rua não para de encher. Milhares de pessoas indo atrás dos carros que tocam axé e funk. Um bando de filhos da puta, ficam pulando igual a macacos. Daqui de cima parecem animais em fúria, uma manada na época do cio.
Eu ainda espero. Está quase na hora.
Fecho a janela para tentar abafar o som, mas é inútil. Ando pelo apartamento. Não foi difícil encontrar este, a maioria dos prédios fica quase vazia no carnaval. Ninguém consegue suportar a bagunça, o som, a loucura. É o caos.
Este, em particular, foi posto para alugar há duas semanas. Décimo segundo andar, vista estratégica, perfeito. Peguei as chaves na imobiliária, fiz uma cópia, e pronto. Fácil, muito fácil.
Vou de novo até a janela. Meia noite e meia. Com o binóculo vejo as pessoas lá embaixo, naquela massa humana que se estende por quilômetros. Um homem vestido de mulher. Uma preta seminua que se esfrega nos outros como uma cadela. Um casal transando atrás de um poste. Uma mulher com os seios à mostra e um bebê no colo. Crianças pulando em cima dos carros que tentam passar, batendo nos vidros. O som é mais alto do que nunca.
Hora do show.
Verifico as armas. Penso em começar com a metralhadora, mas seria muito rápido. Melhor o fuzil, silencioso e eficiente.
Já estou de luvas desde que cheguei. Prendo o cabelo, coloco a touca cobrindo o rosto e o boné. Ninguém vai saber se foi uma mulher ou um homem.
Armo o fuzil e vigio as pessoas lá embaixo pela lente. Miro primeiro em um travesti, mas mudo para a mulher com o bebê. E atiro.
O tiro acerta a cabeça da mulher, abrindo um buraco do tamanho de uma bolinha de beisebol. Ela cai, o bebê também, as pessoas gritam, começam a correr. O bebê vai ser pisoteado, mas a culpa não é minha, é da vaca da mãe. Miro agora em um homem gordo vestido de mulher, e dou dois tiros só pra garantir.
A bagunça começa, os animais não entendem o que está havendo. Uso o fuzil uma última vez, e acerto a tal preta vadia, bem no peito, que explode como um balão. Hora de mudar.
Ainda vai levar uns minutos para perceberem de onde vêm os tiros. Pego a metralhadora e atiro uma rajada de balas, que varre a rua de leste a oeste. O ruim é que a metralhadora não tem mira, não posso ver o rosto das pessoas. Atiro na direção de um grupo de crianças: é bom abatê-los antes que atinjam a idade reprodutiva. Pelo menos três caem, outros são pisoteados. Atiro de novo, atinjo quatro casais que transavam entre os carros.
Toda a multidão se desespera, correm de um lado para o outro como loucos. Há uma massa de sangue e corpos esmagados por todo lado, e essa visão me excita. Finalmente, atiro nos carros de som. Um deles explode de forma cinematográfica, e eu sorrio. A visão é linda, todo o sangue e o fogo e os gritos daquela escória. Uma verdadeira limpeza para a raça humana, que morram todos esses desgraçados.
Uso a metralhadora mais umas três vezes, acertando as pessoas mais distantes, e por fim dou minha missão por encerrada. Agora, eles mesmos vão terminar o trabalho: sei que os mortos pelo tumulto serão em número muito maior do que os que eu matei. Guardo as armas na bolsa e subo para o terraço do prédio.
Lá de cima admiro o espetáculo por mais um tempo, até que os carros da polícia começam a chegar. Rio, com pena dos pobres policiais: vai demorar horas para controlarem os animais, e mais ainda para descobrirem o que aconteceu.
Desço tranquilamente pela escada de incêndio, indo parar em um beco. Tiro o boné, a máscara e a roupa. Estou com um micro short e uma blusa por baixo, posso me camuflar entre as piranhas. Guardo a roupa na bolsa, junto das armas, e deixo tudo em um canto. Não pretendo pegar de volta, e não há nada ali que possa levar a mim.
Não posso passar pela rua, por causa do caos. Ouço tiros: melhor do que planejei. Entro em um beco, e vou passando por trás dos prédios até chegar ao meu.
Entro no meu apartamento. Não há mais aquela música infernal, apenas os gritos e tiros, que não durarão muito. Tomo um banho e vou dormir; agora, aquela é uma noite quase tão tranquila quanto as outras. E durmo, como um anjo.


SOBRE A HISTÓRIA

História escrita após uma experiência ligeiramente traumática envolvendo um sábado de carnaval, uma volta para casa fora do horário planejado e homens travestidos. Para aqueles que acham que estou incentivando a violência: imagina, eu jamais faria isso. Para aqueles que acham que sou psicopata: não se preocupem, na vida real eu não tenho acesso a todas aquelas armas citadas no conto. Ainda.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

[poesia #002] Quinze Anos

Poema criado em 24 de outubro de 2006

QUINZE ANOS

Quem me dera que só uma folha pousasse no rio
Às vezes eu me pego calada, olhando o vazio
(O sol não vai mais nascer.
Será frio para sempre.)

O tempo parou e passará novamente
As cordas que tocam são como serpentes
(As notas calaram.
O mundo silenciou.)

Há flores azuis caídas nas águas
E às vezes eu sonho com as pessoas erradas
(O mar transborda.
A alma evapora lentamente.)

O crepúsculo lembra as antigas saídas
Eu queria que no lugar de fantasmas houvesse vidas
(Para onde foi?
Onde estará?)

O brilho do sol não me deixa ver aquilo que está no céu
Eu ficava sentada no chão, segurando um papel
(Eu queria dizer.
Eu queria muito dizer.)

Me banhava em tintas para parecer com os pássaros do prédio
Como era longa a vida das crianças do ensino médio!
(Tudo cria asas.
Tudo voa.)

Abrem os portões do palácio e príncipes chegam em carruagens
As folhas verdes te encantam mas eu sonho paisagens
(Os fogos explodem.
Tudo é negro.)

Não vou deixar ninguém passar nos caminhos que são só seus
E você me fez descobrir que eu não acredito em Deus
(Eu fico esperando.
Não há ninguém.)

Passar as tardes nas listas procurando pessoas
Que saudade de quando acreditava que existiam coisas boas
(Começou a chover.
Está quente, muito quente.)