quinta-feira, 11 de setembro de 2008

[conto #003] Noite de Paz

NOITE DE PAZ

Já são onze horas da noite, e a rua não para de encher. Milhares de pessoas indo atrás dos carros que tocam axé e funk. Um bando de filhos da puta, ficam pulando igual a macacos. Daqui de cima parecem animais em fúria, uma manada na época do cio.
Eu ainda espero. Está quase na hora.
Fecho a janela para tentar abafar o som, mas é inútil. Ando pelo apartamento. Não foi difícil encontrar este, a maioria dos prédios fica quase vazia no carnaval. Ninguém consegue suportar a bagunça, o som, a loucura. É o caos.
Este, em particular, foi posto para alugar há duas semanas. Décimo segundo andar, vista estratégica, perfeito. Peguei as chaves na imobiliária, fiz uma cópia, e pronto. Fácil, muito fácil.
Vou de novo até a janela. Meia noite e meia. Com o binóculo vejo as pessoas lá embaixo, naquela massa humana que se estende por quilômetros. Um homem vestido de mulher. Uma preta seminua que se esfrega nos outros como uma cadela. Um casal transando atrás de um poste. Uma mulher com os seios à mostra e um bebê no colo. Crianças pulando em cima dos carros que tentam passar, batendo nos vidros. O som é mais alto do que nunca.
Hora do show.
Verifico as armas. Penso em começar com a metralhadora, mas seria muito rápido. Melhor o fuzil, silencioso e eficiente.
Já estou de luvas desde que cheguei. Prendo o cabelo, coloco a touca cobrindo o rosto e o boné. Ninguém vai saber se foi uma mulher ou um homem.
Armo o fuzil e vigio as pessoas lá embaixo pela lente. Miro primeiro em um travesti, mas mudo para a mulher com o bebê. E atiro.
O tiro acerta a cabeça da mulher, abrindo um buraco do tamanho de uma bolinha de beisebol. Ela cai, o bebê também, as pessoas gritam, começam a correr. O bebê vai ser pisoteado, mas a culpa não é minha, é da vaca da mãe. Miro agora em um homem gordo vestido de mulher, e dou dois tiros só pra garantir.
A bagunça começa, os animais não entendem o que está havendo. Uso o fuzil uma última vez, e acerto a tal preta vadia, bem no peito, que explode como um balão. Hora de mudar.
Ainda vai levar uns minutos para perceberem de onde vêm os tiros. Pego a metralhadora e atiro uma rajada de balas, que varre a rua de leste a oeste. O ruim é que a metralhadora não tem mira, não posso ver o rosto das pessoas. Atiro na direção de um grupo de crianças: é bom abatê-los antes que atinjam a idade reprodutiva. Pelo menos três caem, outros são pisoteados. Atiro de novo, atinjo quatro casais que transavam entre os carros.
Toda a multidão se desespera, correm de um lado para o outro como loucos. Há uma massa de sangue e corpos esmagados por todo lado, e essa visão me excita. Finalmente, atiro nos carros de som. Um deles explode de forma cinematográfica, e eu sorrio. A visão é linda, todo o sangue e o fogo e os gritos daquela escória. Uma verdadeira limpeza para a raça humana, que morram todos esses desgraçados.
Uso a metralhadora mais umas três vezes, acertando as pessoas mais distantes, e por fim dou minha missão por encerrada. Agora, eles mesmos vão terminar o trabalho: sei que os mortos pelo tumulto serão em número muito maior do que os que eu matei. Guardo as armas na bolsa e subo para o terraço do prédio.
Lá de cima admiro o espetáculo por mais um tempo, até que os carros da polícia começam a chegar. Rio, com pena dos pobres policiais: vai demorar horas para controlarem os animais, e mais ainda para descobrirem o que aconteceu.
Desço tranquilamente pela escada de incêndio, indo parar em um beco. Tiro o boné, a máscara e a roupa. Estou com um micro short e uma blusa por baixo, posso me camuflar entre as piranhas. Guardo a roupa na bolsa, junto das armas, e deixo tudo em um canto. Não pretendo pegar de volta, e não há nada ali que possa levar a mim.
Não posso passar pela rua, por causa do caos. Ouço tiros: melhor do que planejei. Entro em um beco, e vou passando por trás dos prédios até chegar ao meu.
Entro no meu apartamento. Não há mais aquela música infernal, apenas os gritos e tiros, que não durarão muito. Tomo um banho e vou dormir; agora, aquela é uma noite quase tão tranquila quanto as outras. E durmo, como um anjo.


SOBRE A HISTÓRIA

História escrita após uma experiência ligeiramente traumática envolvendo um sábado de carnaval, uma volta para casa fora do horário planejado e homens travestidos. Para aqueles que acham que estou incentivando a violência: imagina, eu jamais faria isso. Para aqueles que acham que sou psicopata: não se preocupem, na vida real eu não tenho acesso a todas aquelas armas citadas no conto. Ainda.

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