terça-feira, 24 de dezembro de 2013

[conto #056] A Árvore de Natal

A ÁRVORE DE NATAL

Era início de dezembro e Mariana queria uma árvore de Natal.
Decidida a conseguir sua árvore, ela dirigiu pela longa estrada até chegar na única loja da cidade que vendia árvores de Natal. Mas na loja, todas as árvores haviam acabado.
Mariana voltou para a estrada e dirigiu a noite inteira, até chegar na cidade vizinha. Lá havia duas lojas que vendiam árvores de Natal, mas em ambas as árvores haviam acabado.
Ela voltou para a estrada e dirigiu durante o dia inteiro, e a noite toda, até chegar na próxima cidade.
Nessa cidade havia três lojas que vendiam árvores de Natal. Mariana foi de loja em loja, mas em todas elas, as árvores haviam acabado.
Muito triste, porque não haviam outras cidades onde ela pudesse ir, ela saiu da última loja e foi voltando para o seu carro. Mas uma velhinha, que estava sentada na porta da loja e tudo vira, foi até ela e disse:
-- Se você quiser muito uma árvore, eu sei onde você pode encontrar. Mas será muito arriscado, a não ser que você queira essa árvore mais do que qualquer outra coisa.
-- Eu quero sim.
-- Então, você deve ir até a saída da cidade. Lá, haverá uma trilha para fora da estrada. Você deverá seguir essa trilha até chegar ao centro da floresta. Ali existe um jardim de árvores de Natal. Se você quiser essa árvore mais do que tudo no mundo, poderá cortar a árvore que escolher e levá-la com você. Mas se sua vontade de ter a árvore não for maior do que tudo, uma terrível maldição se abaterá sobre você.
Mariana tinha certeza de que queria aquela árvore mais do que tudo no mundo. Seguindo as instruções da velhinha, ela dirigiu até a saída da cidade, e ali encontrou a trilha para fora da estrada, adentrando a floresta. Seguiu a trilha por horas e horas, até que chegou ao centro da floresta, onde havia o jardim de árvores de Natal.
Havia dezenas e dezenas de árvore de Natal crescendo no jardim, uma mais bonita do que a outra. Algumas eram enormes, parecendo antiquíssimas, e outras eram mais jovens, parecendo ter poucos anos. Mariana andou por entre as árvores, até ver uma nem muito jovem nem muito antiga, de bom tamanho e boa aparência, que achou ideal. Pegou um grande machado que sempre carregava no carro, e começou a cortar a árvore.
Mas assim que a lâmina do machado tocou o tronco da árvore, um forte vento soprou, e ela teve que cobrir o rosto. Quando o vento parou, ela ouviu passos atrás de si, e quando se voltou, havia um homem parado ali, olhando para ela.
Não era apenas um homem. Era o homem mais bonito que ela já vira na vida - talvez o mais bonito que existia no mundo - e estava completamente nu. Ela soltou o machado e ficou olhando para ele, hipnotizada.
-- Quem é você? - ele disse.
-- Mariana. - ela respondeu, tentando se controlar para não se jogar nos braços dele.
-- E por que está cortando uma árvore do meu jardim?
-- Porque quero uma árvore de Natal, e não encontrei nenhuma em lugar algum, apenas aqui.
-- Por favor, não leve minha árvore. Eu amo todas as árvores do meu jardim.
-- Sinto muito, mas eu quero essa árvore mais do que tudo. Meu Natal não será feliz sem ela.
-- Se você não cortar a minha árvore, eu te darei todo o ouro que puder carregar. Será a mulher mais rica do mundo.
-- Eu quero a árvore mais do que quero ser rica.
Ele chegou mais perto dela.
-- Se você não cortar minha árvore, eu te darei mais jóias e roupas e sapatos do que qualquer mulher do mundo já sonhou em ter.
Dessa vez, Mariana demorou para responder, mas no final a vontade de ter a árvore prevaleceu.
-- Eu quero a árvore mais do que quero jóias e roupas e sapatos.
O homem chegou ainda mais perto, e tocou no rosto dela. A mão dele era quente e firme, o cheiro dele era inebriante.
-- Se você não cortar minha árvore, eu farei amor com você.
Mariana parou de respirar por um segundo. Ele estava tão perto. Ele era tudo o que ela sempre desejara - ele era até mais do que ela desejara. Ela não conseguia tirar os olhos de seu rosto, seu olhar, seu corpo nu e perfeito.
-- Eu aceito.
E como se para confirmar suas palavras, ela se jogou nos braços dele, beijando-o com paixão. Ele a acolheu em seus braços, e eles se perderam um no outro durante todo o resto do dia e toda a noite.
Apenas quando o dia surgia Mariana adormeceu. Acordou horas depois, com o sol em seu rosto, sentindo um calor suave a cobrindo. Mas quando tentou se mexer, percebeu que era impossível. Não conseguia mover nenhuma parte de seu corpo.
Ela abriu os olhos, e viu que já não tinha olhos - parecia poder ver de toda extensão de si mesma, e de uma forma que nunca vira antes. Percebeu que seus braços haviam se multiplicado e se transformado em galhos, que suas pernas agora se estendiam em profundas raízes, e que ela própria era, em seu ser, uma árvore.
Mariana se transformara em uma árvore de Natal.
À sua frente, estava o homem com quem passara a noite. Ele tocou no tronco que agora era o corpo dela, e disse:
-- Agora você está mais bela do que qualquer humano sonharia em estar, e viverá para sempre aqui no meu jardim. Nunca deixarei que alguém te tome de mim, e aqui você estará segura.
Ela se lembrou então, do que a velhinha lhe dissera: se a sua vontade de ter a árvore não for maior do que tudo, uma terrível maldição se abaterá sobre você. Ela falhara, seu amor pelo homem fora maior do que sua vontade de ter a árvore, e a maldição caíra sobre ela.
E agora ela viveria como uma árvore de Natal por toda a eternidade, no jardim onde as amantes eram amaldiçoadas por amar mais a um homem do que às árvores.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

[conto #055] Os Grandes Prédios

OS GRANDES PRÉDIOS

Ela acordou com o calor. Jogou as cobertas para o lado e tentou voltar a dormir, mas era inútil. Ficou deitada, de olhos abertos, e quando olhou para o lado viu que o espelho estava derretendo.
Era a terceira vez que aquilo acontecia. Levantou-se, mas acabou pisando na poça prateada que escorria pelo piso. Podia ver seu reflexo nela.
-- Mãe! O espelho derreteu de novo!
Sua mãe apareceu na porta, penteando os cabelos.
-- Sai daí, eu vou mandar a Eduarda limpar essa bagunça.
-- Mas eu preciso de um espelho!
-- Depois eu compro outro. Ficar um dia sem espelho não vai te matar.
-- Mas como eu vou saber como está o tempo hoje?
-- Saia e olhe para o céu. Se arrume logo, eu preciso que você vá na casa da sua avó pra mim.
-- Na casa da vovó? - ela saiu do quarto, tomando cuidado para não pisar novamente na poça - Pra quê?
-- Ela disse que sobrou um monte de coisas do aniversário ontem, e disse pra você ir lá pegar porque ela não vai comer tudo.
-- Sobrou brigadeiro?
-- Sobrou.
-- Então eu vou!
Em instantes ela se arrumou e tomou café, e logo estava pronta para sair. Foi até a janela e olhou para o céu: o dia estava lindo, e o céu estava claro, em um belo tom de verde. Ela olhou para os prédios em volta, tentando decidir qual o melhor caminho.
-- Não ande pelos prédios muito altos. - disse sua mãe - E não fale com estranhos. E não passe pelos prédios em construção. E...
-- Eu sei, eu sei! - ela se virou para a mãe - Você sempre diz isso!
-- E sempre é bom repetir. Agora vai logo, sua vó está te esperando.
Ela subiu na janela, decidiu-se pelo prédio do outro lado da rua, e pulou. Morava no décimo andar, e o prédio que escolhera tinha nove andares, o que tornava o salto da janela mais fácil. Caiu de pé no terraço e olhou para trás; sua mãe a observava da janela. Acenou, e em seguida correu até a borda do prédio, pulando para o prédio ao lado.
Se fosse por baixo, andando, demoraria quase meia hora para chegar na casa da avó; pulando pelos prédios, não chegaria nem a vinte minutos. Mas no meio do caminho havia os prédios em construção, dos quais sua mãe sempre mandava desviar. Se passasse por eles, chegaria na casa da avó em no máximo quinze minutos, e teria uma vista maravilhosa da praia.
Os prédios em construção. Era um conjunto de cinquenta edifícios, cada um com quase duzentos andares, que começara a ser construído há vinte anos. Era um ótimo lugar para grandes aventuras, mas os adultos sempre diziam que era um lugar perigoso.
Obviamente, isso nunca impedira que ela ou qualquer outra criança passasse por ali. Como os prédios em volta tinham no máximo cinquenta andares e ela ainda era pequena, seria impossível pular direto para o topo; por isso, ela saltou o máximo que conseguia e pousou em uma janela de algum andar pouco acima da metade do prédio. Dali foi subindo, escalando pela parede, até o topo.
Ao chegar ao topo, ela parou e ficou olhando ao redor. Dali podia ver o mar, com suas águas verde-escuras, e as estranhas criaturas que mergulhavam em suas profundezas. Já tentara abraçar o mar, uma vez; mas era muito pesado e muito fundo, as águas acabaram transbordando de seus braços, e ela quase se afogara em si mesma.
-- Olá.
Ela deu um salto para trás, tão alto que foi parar a três prédios de distância. Quem falara fora um homem adulto, que surgira do nada e que ela nunca vira. Mas era um homem extremamente bonito, e ela se sentiu corar pelo susto que levara.
-- Oi. - ela disse - Quem é você?
-- Eu trabalho aqui na obra do prédio. Sou engenheiro. - ele pulou até o prédio em que ela estava - O que uma menina tão pequena faz aqui?
-- Estou indo visitar minha avó e peguei um atalho.
-- Quantos anos você tem?
-- Duzentos e trinta e quatro.
-- Ah, já é uma mocinha então. - ela sorriu, orgulhosa - Mas mesmo assim, é perigoso passar por aqui. É muito deserto. Eu vou te acompanhar até o fim da construção.
-- Tá bom.
Os dois foram pulando pelos prédios. Ela ficou admirando a forma como ele pulava, passando facilmente por trechos que ela tinha bastante dificuldade. Pensava se um dia conseguiria pular assim também.
-- Chegamos. - ele disse, quando os grandes prédios terminaram e ela viu diante dela apenas prédios que não tinham nem metade daquela altura - A casa da sua avó fica em que direção?
-- Pra lá. - ela apontou - Perto da fábrica de chocolate.
-- Perto da fábrica? Por acaso é uma casa grande e rosa?
-- Não, essa fica na rua ao lado. A casa da minha avó é uma pequena, pintada de azul, quase do lado da fábrica mesmo.
-- Ah sim, eu sei qual é.
A menina se despediu e pulou para o prédio em frente. O homem ficou parado, vendo ela se afastar.

* * * * *

A mulher estava sentada no sofá, vendo televisão e comendo um pedaço do bolo de aniversário, quando tocaram a campainha. Ela se levantou, perguntando-se quem seria - sabia que não era a neta, pois ela entraria pela janela - e foi abrir a porta. Deparou-se com um homem alto e muito bonito, olhando para ela com um sorriso.
-- Pois não? - ela disse.
-- Eu vim comer alguns doces - ele a empurrou para dentro da casa - vovó.

* * * * *

A menina pousou suavemente na janela da sala da avó, mas não havia ninguém na sala. Entrou na casa, chamando pela avó, até ouvir a voz dela, vinda do quarto:
-- Venha aqui, meu amor, estou aqui dentro.
-- Você não está vendo aquele seu programa, vó? - ela foi até o quarto - A mamãe disse que...
Mas ao chegar ao quarto, não era a avó que estava lá. Era o homem que ela encontrara na construção.
-- Você!
-- Olá, minha netinha.
-- Você está usando a boca da vovó! O que fez com ela? Onde está o resto dela?
-- Não se preocupe com isso, meu anjo. - ele tirou a boca da avó e colocou a sua própria - Você vai descobrir agora o que eu fiz com ela.
-- Não - veio uma voz da janela - ela não vai.
Os dois olharam para a janela. Um policial estava ali, carregando uma espada. Assim que o viu, o homem saiu correndo, empurrando a menina e indo em direção à porta. O policial foi atrás, e os dois sumiram porta a fora.
Assustada, a menina ainda ficou algum tempo encolhida em um canto; mas então se lembrou da avó, e saiu pela casa a procurando. Ao abrir um armário, os pedaços da avó caíram pelo chão.
-- Vovó! Ele te desmontou!
Ela entrou em desespero: nunca vira ninguém desmontado antes, nem sabia como se montava. Mas nessa hora o policial voltou, trazendo a espada manchada de sangue.
-- Calma. - ele pegou um pano e limpou a espada, em seguida a guardando - Não foi uma desmontagem complexa. Ele só desacoplou as partes principais. Eu consigo monta-la de novo.
Com cuidado, o policial recolheu todas as partes e as levou para a mesa da copa. A menina ficou assistindo o delicado trabalho de remontagem, até que sua avó estava inteira novamente. Ele então deu corda no coração, e ela abriu os olhos, como se estivesse acordando de um sono profundo.
-- O que...
-- Um criminoso invadiu a casa da senhora e a desmontou. - disse o policial - Imagino que queria sua neta, mas eu cheguei bem na hora. Já me livrei dele.
-- Muito obrigada. - a mulher se sentou - Eu nunca tinha visto aquele homem.
-- Eu já. - disse a menina, e contou como o conhecera.
-- Sua mãe está certa quando diz que não deve passar por aqueles prédios. - disse o policial - Você viu o que aconteceu, e podia ter sido muito pior. Nunca mais a desobedeça.
-- Sim senhor.
No fim daquela manhã, quando a menina voltou para casa com uma cesta lotada de doces da festa de aniversário do dia anterior, o policial a acompanhou até em casa. Tornou-se amigo da família depois disso, e pouco menos de cem anos depois, ele e a menina acabaram se casando. E foram morar nos grandes prédios, que haviam acabado de ser inaugurados, e de onde podiam ver sempre o mar verde, com suas estranhas criaturas.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

[conto #054] A Estrada

A ESTRADA

Havia uma estrada, próxima à casa, por onde éramos proibidos de passar.
Era uma estrada antiga, de terra, afastada da estrada principal. Entrava pela floresta e ia dar na cidade vizinha. Imaginávamos que era um atalho, mas não tínhamos como ter certeza. Não conhecíamos ninguém que tivesse passado por ali.
Ninguém nos dizia porquê não podíamos passar por aquela estrada. Apenas éramos proibidos. Assim era desde sempre.
Mas crianças de doze anos são difíceis de controlar. E não era tão difícil assim fugir dos pais. Dessa forma, um dia me vi, sozinha com minha bicicleta, na entrada da estrada proibida.
Dali, podia ver uns duzentos metros do caminho, até onde havia uma curva. Apesar de não ser usada, a estrada estava limpa. A floresta à esquerda era de eucaliptos, aberta e clara; à direita era de mata nativa, fechada e escura. Era uma tarde de verão, o céu estava azul, havia flores por todos os lados. Era um lugar bonito, e não parecia perigoso. Subi na bicicleta e avancei lentamente pela trilha.
Segui pedalando, a princípio lentamente, mas logo mais rápido. Era um caminho lindo, repleto de curvas, mas sem subidas ou descidas. Depois de um tempo, comecei a perceber que era um lugar muito silencioso: não havia canto de pássaros, nem qualquer barulho de bichos andando, nada. Era algo curioso que logo se tornou aflitivo. Acelerei, achando que devia estar perto do fim da estrada.
Então, ao virar em uma curva, me deparei com um trecho do caminho que era reto, e que seguia por pelo menos cinco quilômetros. Por algum motivo parei ali, e fiquei olhando para a frente. Olhei para os lados. Como sempre, à esquerda havia a floresta de eucaliptos, e eu podia ver, quilômetros depois dela, a estrada principal; e à direita, havia a outra mata, fechada, densa, e da qual o pouco interior que eu via era escuro e misterioso. Eu sentia vontade de voltar.
Mas não voltei. Já havia chegado até ali, o fim da estrada não devia estar distante. Subi de novo na bicicleta e avancei.
Devo ter pedalado por pelo menos cinco minutos. Olhei para cima, para o céu muito azul e claro. Quando olhei novamente para a frente, havia uma pessoa na estrada.
Freei com tanta força que a bicicleta derrapou e eu quase caí. Havia uma pessoa na estrada. Uma maldita pessoa parada, um quilômetro à frente, bem no meio da estrada. Não estava lá um segundo antes. Era uma mulher com um vestido claro e comprido. Não sei se era por ter ficado olhando para o sol, mas eu não conseguia vê-la claramente. Como se ela estivesse embaçada.
Fiquei parada ali. A mulher também estava parada. Não se movia, como se fosse uma estátua. Até seus cabelos pareciam estar completamente parados, embora eu não pudesse ter certeza. Eu estava com medo, mas gritei um "oi!". Devia ser só uma pessoa que saíra sabe deus de onde.
Mas ela não respondeu ao meu grito, nem se moveu. Chamei "moça!", chamei de novo, e nada. Ela não se movia. Eu decidi que não queria chegar mais perto dela. Mesmo que fosse só uma pessoa, não parecia me querer por perto. Dei meia volta e voltei pela estrada o mais rápido que podia.
Eu estava prestes a me aproximar da curva por onde passara cinco minutos antes, quando a mesma mulher surgiu à minha frente, no meio do estrada e a menos de dez metros de mim. Eu dei o maior grito que já havia dado em toda a minha vida e acelerei o máximo que pude. Desviei da mulher, mas passei tão perto que pude vê-la claramente - cabelos compridos e castanhos, rosto branco, olhos negros - e segui correndo pela trilha.
Na próxima curva, ela estava ali de novo.
Não havia nada que eu pudesse fazer. Entrar na floresta seria muito pior. Eu gritei com toda a força "Sai daqui!" e comecei a gritar uma ave-maria, depois um pai-nosso, e depois a ave-maria de novo. Gritava e gritava, e a cada curva, ela surgia à minha frente, cada vez mais perto. Até que na última curva, ela surgiu exatamente na minha frente, e eu passei por dentro dela.
Foi como atravessar um vapor extremamente gelado.
Eu gritei ainda mais alto do que já tinha gritado, com tanta força que achei que minha garganta fosse sangrar. Pedalava tão rápido que podia perder o controle da bicicleta a qualquer momento. Até que cheguei ao fim da estrada, e continuei pedalando com a mesma velocidade até chegar em casa, e mesmo depois de entrar em casa e correr para o meu quarto eu não tinha coragem de olhar para trás.
Apenas três dias depois tive coragem de contar para os meus pais o que havia acontecido. Eles trocaram um olhar entre si, mas nunca falaram do que se tratava, e nunca mais tocamos no assunto.
Eu nunca mais passei perto daquela estrada.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

[fanfic #008] [capítulo #001] [U2] Tão Perto, Tão Longe


TÃO PERTO, TÃO LONGE

CAPÍTULO 1

Eu estava esperando o ônibus quando o carro dele parou à minha frente. Ele baixou o vidro, e ouvi aquela linda voz dizer:
-- Oi, querida. Quer carona?
Abracei o livro com mais força contra o peito, sabendo que devia estar vermelha.
-- Quero, sim.
O motorista dirigia, como sempre. Bono nunca dirigia. Na época, eu achava que ele não sabia. Hoje, sei que ele dirige pior do que minha irmã de quinze anos.
-- Jordan não veio pra escola hoje...
-- Gripe. - disse ele, sem mais explicações – Gosta de brincos?
-- O quê?
-- Brincos. Gosta de usar?
-- Hum... Gosto sim.
Ele abriu uma caixinha e tirou um par de brincos.
-- Pra você.
Eu queria agradecer, mas só emiti murmúrios indefinidos. Ele riu, e pôs ele mesmo os brincos em mim.
-- Assim. - ele levantou meu rosto – Fica muito mais feminina.
Os olhos dele pareciam olhar dentro de mim, lendo todos os meus pensamentos. Achei que ia morrer ali.
-- Obrigada.
-- Não tem de quê. - o carro parou – Chegamos.
Quase disse “já?”, mas me contive. Abri a porta, e olhei uma última vez para aqueles olhos azuis.
-- Tchau.
-- Tchau, minha linda.
Antes que eu saísse, ele me deu um beijo no rosto, o que quase me fez quase chorar de alegria. Entrei correndo em casa, subi para o meu quarto e me joguei na cama, gritando:
-- Ele me ama! Ah, ele me ama!
Meu primo apareceu na porta, me olhando como se eu fosse louca.
-- Quem te ama, criança?
-- O Bono! - me agarrei ao travesseiro, rolando de um lado para o outro – Ele me trouxe da escola, me deu um brinco e depois me deu um beijo no rosto! Um beijo! Ah...
-- Ai, ai... E você deu um beijo nele também?
Larguei o travesseiro e parei, olhando atônita para o teto.
-- Não.
-- Tonta.
-- Não sou!
Joguei o travesseiro em meu primo, mas sabia que ele estava certo. Bono ia achar que eu não gostava dele. Chorei o resto do dia.
Nessa época, eu tinha catorze anos e nenhuma maturidade. Era tão infantil quanto uma criança de dez anos.

* * * * *

Eu tinha conhecido a Jordan aos doze anos, quando me mudei para Dublin. Ela era mais nova, mas estudávamos na mesma escola e nos tornamos amigas. Na época eu soube que o pai dela era um cantor famoso, e depois que era “o Bono, do U2”, mas não conhecia ele nem a banda.
Um dia, Bono veio buscar Jordan na escola, e ela nos apresentou. Foi amor à primeira vista.
Eu já tinha ido à casa de Jordan milhares de vezes, e sempre ficava nervosa. Era definitivamente uma família estranha. Eve, a irmã mais nova, na época era bem pequena, mas já dava pra perceber que não era muito normal. Alison sempre me tratava como criança, e eu era o mais simpática que conseguia ser com aquela que considerava minha rival.
Dificilmente eu encontrava Bono lá. Quando perguntava onde ele estava, Jordan sempre respondia que ele estava na casa do Edge, ou do Adam, ou do Larry, ou de um daqueles amigos estranhos dele. Eu não gostava muito desses amigos. Pareciam todos malucos.
Naquele dia, eu tinha passado a tarde inteira na casa da Jordan, mas, como sempre, Bono não estava. Eu já estava indo embora, a pé, quando ouvi alguém chamar meu nome. Era Bono, indo atrás de mim.
-- Você já vai? - ele perguntou.
-- Sim.
-- Que pena... Posso te acompanhar?
-- Pode.
Queria dizer algo mais inteligente, mas não consegui. Nós seguimos caminhando calmamente pela rua.
-- Está usando o brinco que eu te dei.
Sorri.
-- É. Eu uso sempre.
-- Que bom que gostou dele.
-- Eu vou gostar de qualquer coisa que você me der.
Nessa época, eu já estava ficando mais atrevida. Às vezes me jogava pra cima dele, abertamente. Sinais da adolescência.
-- Acho que qualquer presente se torna especial, se a pessoa que nos deu é especial.
Ele disse aquilo num tom natural, mas parecia um pouco triste, como se estivesse se lembrando de algo – ou de alguém. Aquilo me deixou curiosa, e eu disse:
-- Você é muito especial.
-- Para alguns. - ele sorriu – Não para todos.
-- Claro que é...
-- Claro que não. Pra muitas pessoas, o mundo seria melhor se eu não estivesse nele.
-- Quem pensa assim é um idiota.
Chegamos em frente à minha casa. Ele disse:
-- Você sim, é uma pessoa especial.
-- Eu? Não tenho nada de mais...
-- Tem, sim. Você tem alma. Um dia, você vai ser muito importante na vida de alguém.
Eu fiquei olhando para ele, sem saber o que dizer.
-- Eu queria poder te dar alguma coisa. - eu disse, meio hipnotizada por aqueles olhos – Um presente.
-- O seu sorriso já é um presente.
-- Mas é muito pouco. Eu quero te dar algo especial.
Em mais um sinal de que a adolescência finalmente tinha chegado para mim, eu me aproximei e o beijei no rosto. Quando o soltei, ele estava tão sério que achei que não tivesse gostado do que eu tinha feito. Mas logo ele sorriu.
-- Obrigado. - ele beijou minha mão, como um príncipe de contos de fadas – Foi o melhor presente que já recebi.
E assim nós nos despedimos, e eu entrei em casa flutuando.

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[fanfic #008] [capítulo #010] [U2] Tão Perto, Tão Longe - Final


TÃO PERTO, TÃO LONGE

CAPÍTULO 10 - FINAL

Bono tentou me ligar no mínimo dez vezes nos dias seguintes, mas não atendi nenhuma ligação. Não queria me encontrar com ele; queria ter uns dias para pensar em paz. Se saísse com ele, provavelmente seria influenciada a querer continuar com ele. Da mesma forma, se ficasse muito perto do meu primo, seria influenciada a querer ficar com ele. Por isso, estava tentando passar a maior parte do tempo longe dos dois, para ver de qual eu sentiria mais falta.
Mas meu plano não deu muito certo. Primeiro, porque meu primo morava na minha casa, logo eu não conseguia ficar realmente longe dele; e segundo, porque Bono acabou indo atrás de mim. Ele sabia muito bem os horário em que eu saía da escola e o caminho que eu fazia, bastou ficar me esperando perto da hora de eu voltar para casa.
Eu vi seu carro de longe, estacionado no meio do caminho. Minha vontade era dar meia volta e sair correndo, mas ele com certeza já tinha me visto. Continuei andando naturalmente, tentando demonstrar tranquilidade, e quando cheguei perto do carro ele abaixou o vidro e disse, simplesmente:
-- Entra.
Ele estava sozinho, sem o motorista. Achei estranha a forma como ele me abordara, mas entrei. Ele fechou os vidros e saímos dali, em silêncio. Fomos até o Clarence, e continuamos em silêncio até estarmos dentro de um dos quartos. Foi só então que ele falou.
-- Muito bem. – ele se sentou na cama e me olhou, me analisando como se procurasse algum segredo oculto em mim – O que está acontecendo?
-- O que? Do que você está falando?
-- Eu acho que você sabe do que se trata melhor do que eu.
-- Não sei, não.
Após um momento de silêncio, em que ele me olhava de uma forma perturbadora, ele acabou falando:
-- Faz dias que tenho tentado ligar para você, e você não me atende. Tem evitado lugares em que podemos nos encontrar, tem fugido de mim. E isso foi logo depois de passarmos um dia ótimo juntos. Acho que eu tenho direito a uma explicação. Se eu fiz algo que te desagradou, acho que você deve conversar comigo sobre isso, não fugir dessa forma de mim. Já faz muito tempo desde que fizemos amor pela última vez, e você já vinha fugindo de mim, mas eu não pensei que fosse algo sério. Mas se você quiser... Quiser terminar tudo de vez, eu gostaria que me comunicasse, e não que sumisse de vez e me deixasse deduzir que você não me quer mais.
Fiquei um pouco envergonhada com as palavras dele. Realmente, eu sumira de forma inexplicável e claramente estava evitando ele. Não era nada certo, muito menos justo. Ele nunca me tratara daquela forma, e não tinha como adivinhar o que estava acontecendo.
-- Desculpa. – eu disse, me sentando ao lado dele e resolvendo abrir o jogo – Eu não pensei que o que estava fazendo era errado. Não achei que fosse te magoar.
-- Não estou magoado. Mas você me deixa confuso, seu comportamento às vezes não faz sentido. Eu gosto muito de você, e se você não quiser mais sair comigo, eu tenho o direito de ouvir você me dizer isso abertamente, e não ter que ficar adivinhando o que você quer ou não.
-- Eu não quero deixar de sair com você. – eu o abracei – É que aconteceu uma coisa.
-- O que?
Contei. Contei tudo, sobre meu primo ter resolvido ir embora, sobre como eu ficara triste, como pedira pra ele ficar. Sobre ele ter me beijado, termos dormido juntos. Sobre a promessa que fizera, de pensar sobre meus sentimentos e decidir com quem ficar.
Quando terminei de falar, Bono ficou muito tempo em silêncio. Eu tinha a impressão de que ele estava quase chorando – ele chorava a toa – e por duas vezes ele ameaçou falar, mas se calou. Só depois de algum tempo acabou falando, e parecia muito triste:
-- Você gosta dele, então.
-- Sim.
-- Mais do que gosta de mim.
-- Eu não sei.
-- Mas vai ter que escolher um de nós.
-- Sim.
-- E você já escolheu ele.
-- Não, eu ainda não sei.
-- Sabe sim. Aqui você sabe. – ele colocou a mão em meu peito – Você já escolheu ele, só não admitiu isso ainda. Daqui a alguns dias, quando sua resposta for decidir se ele vai ou fica, você vai dizer “sim”.
Não tive o que dizer, porque tinha a impressão de que ele estava certo. Para mim, o meu primo ir embora não era uma possibilidade. Eu não poderia suportar isso. Não conseguia sequer imaginar isso. Enquanto eu poderia ver o Bono sempre que quisesse, mesmo que não nos encontrássemos mais.
-- Eu gosto muito de você. – eu disse – Eu te amo.
-- Não, bebê. Você me amou, você tinha sonhos com o cantor do U2, com uma fantasia. Você viveu essa fantasia por um tempo, mas agora o mundo real te chama. Eu não posso te culpar por escolher viver sua vida. Não é justo que você seja eternamente a amante de um homem casado, que não pode te dar nada.
-- Isso não é verdade. Isso tudo não foi só uma fantasia. Você é muito mais para mim do que o cantor do U2. Você é real, é o primeiro homem que eu amei, o que eu mais amei por toda a minha vida. – o abracei, apoiando a cabeça em seu peito – Mesmo que eu escolha o meu primo, eu não quero que você duvide de nada do que aconteceu entre a gente. Cada segundo com você me faz muito feliz, e eu te amo muito.
Nos beijamos. Ele disse:
-- Quando você vai dar a resposta a ele?
-- Daqui a três dias.
-- Então, até lá, podemos nos despedir?
-- Despedir?
-- Isso. Vamos fazer esses três dias serem inesquecíveis. Como uma... Uma lua de mel para nós. Com a diferença de que não estaremos mais juntos quando ela terminar. Podemos fazer isso?
E por que não?
-- Podemos, sim.
E nossa despedida começou ali mesmo, naquele momento.

* * * * *

Eu já tinha tomado a minha decisão, mas continuei evitando o meu primo até o dia combinado.
No dia anterior, eu tive minha última noite com o Bono. Seria muito bonito dizer que foi a noite mais linda e romântica das nossas vidas e que nos despedimos entre lágrimas, mas na verdade não foi nada disso. Nem perto disso. Não que tenha sido ruim: nós fomos para o Clarence, pedimos uma pizza, ficamos comendo enquanto ouvíamos música e conversávamos. Depois ficamos olhando o céu pela janela, fizemos amor, dormimos e no dia seguinte eu fui embora de manhã. Não fazia sentido uma grande despedida, já que continuaríamos nos vendo; e eu só lembrei que o beijo daquela manhã havia sido o último quando já estava no portão de casa.
Mas confesso que quando lembrei disso, me deu uma vontade enorme de correr para ele de novo.
Entrei em casa – mamãe achava que eu tinha dormido na casa de uma amiga – e fui para o quarto do meu primo, me sentindo um pouco nervosa. Sabia que queria ficar com ele, mas aquilo era tão estranho. Nós éramos primos, morávamos juntos há séculos, eu achava que o via praticamente como um irmão – e de repente o mundo virava de cabeça para baixo e a gente passava a se gostar daquela forma.
Meu primo estava no quarto dele, mexendo no computador. Eu entrei e disse “oi”, mas ele respondeu sem nem olhar para mim. Na hora fiquei chateada, mas logo entendi a reação dele: ele sabia que eu estava ali para dar a resposta, e estava com medo.
Ele tinha certeza absoluta de que eu escolheria o Bono.
E nem eu sabia dizer porquê não tinha escolhido.
Sem dizer nada, sentei na cama dele e fiquei ali, olhando enquanto ele fingia estar interessadíssimo no que quer que estivesse fazendo no computador. Ficamos assim por quase meia hora. Até que ele finalmente disse:
-- E então?
-- Então o que?
-- Já fez sua escolha?
-- Já sim.
-- E qual foi?
Fiquei quieta um tempo.
-- Sabe, eu já tinha feito a escolha antes, mas achei melhor esperar para dizer hoje. Mas era meio óbvio que eu ia escolher isso. – ele abaixou a cabeça quando eu disse isso – É você.
Ele levantou a cabeça e olhou para mim, confuso.
-- O que?
-- Você pediu para que eu escolhesse ficar com você ou com o Bono. Eu escolhi ficar com você. – como ele ainda parecia não ter entendido, resolvi explicar – Eu não quero que você vá embora. E eu gosto de você. Ainda gosto do Bono, claro, ele é lindo e tudo, mas ele é casado e eu acho que nem gosta de mim tanto assim. E eu não sou mais tão criança, eu sei que esse tipo de amor que eu tenho pelo Bono não é uma coisa tão extraordinária assim, enquanto o que eu sinto por você é completamente diferente, parece ser, sei lá, mais real do que...
Eu não pude terminar o que estava dizendo. Fui abraçada pelo meu primo com tal desespero que perdi o ar e achei que fosse sufocar. A respiração dele estava tão forte que eu não sabia se ele estava chorando ou se só estava muito feliz.
-- Você quer mesmo ficar comigo?
-- Claro que quero, seu idiota.
-- E você aceita namorar comigo?
-- Aceito. Você só tem que pensar em como a gente...
Mas ele me beijou, e eu não consegui falar mais nada por algum tempo.

* * * * *

Durante a primeira semana de namoro com meu primo, foi tudo muito bom e muito estranho. O mesmo sentimento de irrealidade que eu tivera no início do meu relacionamento com Bono, eu estava tendo agora, com meu primo; só que dessa vez era por um motivo um pouco diferente. Era estranho demais, quase incompreensível, que eu estivesse apaixonada por uma pessoa que eu conhecera durante a minha vida inteira. E ao mesmo tempo, talvez por isso mesmo, estava sendo uma das melhores experiências da minha vida.
Porém, depois de uma semana, aconteceu uma coisa que me deixou um pouco abalada: na volta da escola, peguei carona com Bono. Jordan e Eve estavam junto. Durante o caminho, Bono estava absolutamente normal, e me tratou da mesma forma que sempre me tratara, o que eu já esperava. O problema foi quando eu saí do carro.
Eu comecei a lembrar em como as coisas eram antes de acontecer qualquer coisa entre a gente.
Em como era bom simplesmente gostar dele, sem nenhuma esperança de que ele correspondesse.
E em como seria bom voltar no tempo e passar por tudo aquilo de novo.
Foi só aí que eu percebi que, pela primeira vez na vida, tinha perdido uma coisa muito importante. Tinha perdido um amor completamente inocente. Tinha perdido sentimentos e sensações que eu não sabia se um dia teria de novo. E entendi, naquela hora, que o que era triste não era o fim do meu caso com o Bono; o que era realmente triste era não sentir mais a expectativa de encontra-lo, ou ficar sonhando com um sorriso dele. Porque eu ainda era quase uma criança, e ter a pessoa que eu gostava segurando a minha mão ainda era algo muito mais incrível do que fazer sexo.
Pela primeira vez, eu achei que talvez eu fosse nova demais para ter feito tudo o que tinha feito.
E naquele dia, eu me tranquei no quarto e chorei por horas. Nem meu primo, nem meus pais, nem ninguém, foi capaz de me tirar de lá ou me fazer dizer o porquê de estar chorando.

* * * * *

Dois anos depois, eu me mudei para a Itália, onde fui fazer faculdade. Meu primo, que já tinha se formado há muito tempo, continuou em Dublin por um tempo, mas depois arrumou um jeito de ser transferido e foi morar perto de mim – mais especificamente, ao lado do apartamento que eu dividia com uma amiga. Nossos pais, obviamente, já sabiam do nosso namoro há muito tempo, e embora no início houvesse sido um choque, eles acabaram aceitando.
Jordan, que era mais nova, continuou em Dublin por um tempo ainda e depois se mudou para os Estados Unidos. Nós nos falamos pouco desde então, mas não perdemos completamente o contato.
Recentemente revimos Bono, durante a festa de aniversário de minha mãe. Estavam as famílias dele e minha lá, e inevitavelmente me lembrei daquela festa na escola, onde meu primo me beijou pela primeira vez. É uma lembrança divertida.
Percebi Bono me olhando durante a festa, e ele comentou que eu estava muito diferente. É óbvio que eu estava diferente: a última vez que nos vimos, eu não tinha nem vinte anos e tinha a experiência de vida de uma garotinha. E ele mudou também. Provavelmente, ele não faria hoje o que fez naquela época, não com uma menina tão nova.
Dizer que não sinto mais nada pelo Bono seria, claro, uma enorme mentira; mas hoje a única coisa que tenho vontade de fazer é sentar com ele e ficar horas e horas conversando sobre história, política e o sentido da vida – coisa que já fizemos algumas vezes desde então. Meu primo, ao contrário de antigamente, não tem nenhum problema com o (pouco) contato que tenho com Bono. Ele me conhece bem o suficiente para saber que Bono não representa mais nenhum perigo para nós.
Por falar em meu primo, seria lindo dizer que fomos felizes para sempre; mas as coisas não são tão simples. Tivemos altos e baixos e eu namorei com outras pessoas durante tempos em que ficamos separados. Mas voltamos, sempre acabamos voltando. Eu o amo muito; não sei se vamos ficar juntos para sempre, e na verdade, isso não me interessa. Desde que estejamos juntos hoje, não importa se estaremos juntos amanhã. Não tenho tanta experiência de vida assim, mas pelo que sei hoje, não existem amores perfeito nem felizes para sempre – o que existe é a felicidade imediata, e ela faz valer todos os momentos futuros. Mesmo que um dia tudo acabe, vai ter valido a pena viver a felicidade que passou.
E assim a vida segue para todos, como tem que ser.

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TÃO PERTO, TÃO LONGE

CAPÍTULO 9

Meu primo estava deitado na cama, olhando o teto. Eram quatro horas da manhã e eu não tinha conseguido dormir, mas não imaginei que ele também estivesse acordado. Ou melhor, imaginar eu imaginei, porque senão não teria ido ao quarto dele; mas meu bom senso dizia que seria perda de tempo.
Mas não foi. Ele estava acordado, com a luz acesa e tudo. Eu abri a porta devagar, para não fazer barulho, mas ele logo me viu.
-- O que foi? – ele disse, e não parecia muito feliz por eu estar ali.
-- Hum... Eu... – entrei e fechei a porta – É que...
Cheguei perto e sentei na beira da cama. Ele ficou só olhando pra mim.
-- Primo... Eu... Hum... Eu queria...
A verdade é que eu não fazia a menor idéia de porque tinha ido ali. Nem de porquê não tinha dormido aquela noite, e nem porque as coisas que ele tinha me dito não saíam da minha cabeça.
-- E então? – ele disse, se sentando apoiado na cabeceira da cama.
-- Eu... Ahm... Nada não. – eu suspirei e levantei – Deixa pra lá.
Levantei, mas ele me segurou e me puxou pra baixo, me fazendo sentar de novo. Ficamos nos olhando por um tempo, e de repente ele me beijou.
Eu podia ter impedido ele, ou podia ter dado um tapa nele, ou qualquer coisa assim. Mas eu só fiquei ali, parada, deixando ele me beijar. Acho que teria deixado ele fazer qualquer coisa.
-- Você não podia ter feito isso. – eu disse, depois que ele me soltou.
-- Você deixou.
-- Mesmo assim. Eu sou sua prima.
-- E daí?
-- Você não pode...
Enquanto eu falava, ele me puxou e me fez deitar na cama dele. Mas assim já era demais.
-- O que você acha que...
-- Eu te mereço mais do que ele. – ele disse – Você pode gostar mais de mim do que dele.
Ele me beijou de novo, mas o empurrei antes que aquilo fosse longe demais.
-- Pára. – levantei – Não pode.
-- Você veio. – ele me segurou – Você sabe que é comigo que você tem que ficar.
-- Eu amo o Bono.
-- Tem certeza?
Eu me soltei dele e saí quase correndo para o meu quarto.

* * * * *

Acabei dormindo quando já estava quase amanhecendo. Minha mãe tentou me acordar para ir para a escola, mas obviamente foi inútil. Acordei já de tarde, e meu primo estava sentado na beira da minha cama, me olhando.
-- Hum? – demorei para entender onde estava e quem era eu – Primo?
-- Boa tarde.
-- Que que você tá fazendo aqui?
-- Sua mãe me pediu pra vir ver você. Tentar te acordar.
-- Mas você não me acordou...
-- Deixei você dormir mais um pouco. – ele passou os dedos levemente pelo meu rosto – Até dormindo você é linda.
-- Pára. – cobri a cabeça, envergonhada e de mau-humor – Não combina com você ficar dizendo essas coisas.
-- E o que você acha que combina comigo?
-- Ficar me importunando e implicando comigo.
-- As coisas mudam, sabia? As pessoas crescem. Embora você esteja tentando fugir dessa regra.
-- Agora sim, está parecendo meu primo.
Ele riu. Puxou meu cobertor, me descobrindo. Eu estava com uma camisola um pouco curta, e tentei me cobrir de novo, mas ele veio pra cima de mim e tentou me beijar. Eu tentei segurar ele, ele insistiu, ficamos assim por um tempo, meio brigando, meio brincando. No final ele ganhou e me roubou um beijo, mas então eu decidi que a brincadeira tinha acabado.
-- Pára. – eu o empurrei e me sentei na cama, séria – Eu não quero que você fique me beijando assim.
-- E quer que eu te beije como?
-- Não quero que me beije. Eu não vou parar de ver o Bono pra ficar com você. E nem vou ficar com você estando com o Bono.
Só assim consegui afastar ele. Ele me soltou, parecendo muito triste.
-- Você gosta de mim. Eu sei que gosta.
-- Gosto como um primo deve gostar de outro.
-- Mentira. Você foi no meu quarto ontem, deixou eu te beijar. Mas ao mesmo tempo você colocou na sua cabeça que o seu príncipe encantado é o Bono, e mesmo que você já tenha percebido que não quer ficar com ele, é teimosa demais pra dar o braço a torcer.
-- Não é verdade. Eu estou com o Bono porque amo ele.
-- E por que foi no meu quarto ontem?
-- Eu só queria conversar com você.
-- Por favor. – ele parecia impaciente – Você aparece no meu quarto de madrugada, de camisola, e quer que eu acredite que só queria conver...
Antes que ele terminasse, dei um tapa no braço dele, com tanta força que daria para ouvir do corredor.
-- Ai!
-- Olha lá o que fala de mim! Seu safado, cretino, pervertido...
-- Ei ei ei, eu não quis dizer que...
-- Então a única coisa que você está querendo é dormir comigo, não é? Igual ao Bono! É claro que você sabe exatamente o que ele quer, vocês são iguais! Eu nem pensei que você pudesse pensar uma coisa dessas de mim, só porque apareci no seu quarto! Eu só queria conversar com você, porque também estava confusa e achei que você poderia me ajudar a entender isso! Mas não, você me viu de camisola no seu quarto de madrugada, e a única coisa que você queria era me levar pra cama! E eu achei que você realmente gostasse de mim! Sai daqui! Sai!
-- Pára com isso! – ele me segurou – Não é nada disso. Não importa o que eu pensei ou não. Eu gosto de você de verdade.
-- Você não pode gostar de mim porque você é meu primo!
-- E daí? Muitas vezes acontece de primos se casarem. Eu amo você, não tenho culpa se somos primos e moramos na mesma casa.
Ele parecia estar sendo sincero. Parei de tentar bater nele, e ele me soltou.
-- Eu gosto do Bono. – eu disse.
-- E o que você sente por mim?
-- Eu não sei.
-- Isso é bom. Porque antes você dizia que com certeza não gostava de mim desse jeito, agora você já não sabe.
-- Eu estou confusa! Não era pra eu gostar de você.
-- Então, você gosta?
Fiquei olhando para ele, sem responder, com um olhar confuso. Já não sabia de mais nada. Acabei dizendo apenas, de cabeça baixa:
-- Sai daqui. Por favor. Estou ficando com dor de cabeça por causa disso tudo.
-- Tudo bem. Desculpe. – ele parecia meio triste, meio com raiva – Não vou mais te importunar com isso. Fique com o Bono, deve ser melhor pra você.
Quando ele estava prestes a sair, me lembrei de falar algo.
-- Eu contei pro Bono que você sabe sobre eu e ele.
-- É mesmo? E aí?
-- Ele ficou muito preocupado. Disse que tem medo de que você resolva fazer alguma coisa pra separar a gente. Que você pode ameaçar contar pra alguém sobre isso, pra prejudicar ele e obrigar a gente a se separar.
-- Ele ficou com medo de mim, então.
-- Ficou. – olhei para ele, com um olhar frágil – Você não faria isso, não é?
Ele não respondeu. Levantei e fui até ele, segurei sua mão.
-- Você sabe que eu ficaria muito triste se você fizesse isso, mesmo que fosse pro meu bem. E você nunca faria nada pra me machucar, não é?
-- Não. – ele disse afinal, olhando muito sério pra mim – Nunca.
-- Então, você não vai contar pra ninguém? Nem fazer nada pra tentar separar a gente?
-- Não – ele tocou no meu rosto – não vou.
Não sei se ele ia fazer ou dizer mais alguma coisa, mas nessa hora minha mãe apareceu do nada, dizendo:
-- O que vocês estão fazendo aí?
Meu primo se afastou de mim tão rápido que quase caiu.
-- Nada, tia. – ele disse – Ela estava me pedindo ajuda num dever de casa.
-- É. – eu disse – Ele estava só me dando umas dicas.
-- É, já que você não foi pra escola, vê se pelo menos faz seus deveres. – ela se voltou para o meu primo – Seu chefe acabou de ligar, disse que precisa falar com você e que é pra você ligar o quanto antes.
-- Ok, já vou.
Ele olhou brevemente pra mim, e saiu do quarto. Mamãe me olhou com um ar estranho; devia ter percebido que estávamos escondendo alguma coisa. Mas não tinha como imaginar o que era, por isso não perguntou nada, e me deixou sozinha com meus pensamentos.

* * * * *

Eu estava voltando a pé da escola, sozinha, quando o carro de Bono parou ao meu lado. Estava tão distraída que demorei para perceber que era ele.
-- Quer carona? – ele disse, e eu levei um susto quando o vi surgir aparentemente do nada.
Aceitei, e entrei no carro. Achei que Jordan e Eve estariam com ele, mas elas não estavam.
-- Cadê a Jojo e a Eve?
-- A Ali foi buscar elas, iam passar numas lojas. – ele fechou o vidro e tocou meu rosto, sorrindo pra mim – Vem cá.
Ele me beijou, o que me deixou com um pouco de medo, por estarmos na rua. Mas ninguém fora do carro podia nos ver. Ficamos ali por um tempo, até que eu disse:
-- É melhor a gente sair daqui. Não me parece muito seguro
-- Deixa que eu me preocupo com esse tipo de coisa. – ele me beijou de novo.
-- Para. – eu me afastei – Não quero.
Não sei direito porquê fugi dele daquele jeito, nem porquê não estava mais tão empolgada quanto antes. Eu tinha passado metade da minha vida sonhando com o Bono, e agora dizia que não queria beijar ele ali, dentro do carro, por medo de que nos vissem. Era muito estranho.
Aparentemente ele também não estava entendendo nada, e tive a impressão de que ficara chateado. Parou de tentar me beijar, mas não disse nada. Ligou o carro e fomos indo, em direção à minha casa.
-- Você vai me levar pra casa? – eu disse, um pouco decepcionada.
-- Claro. Pra aonde mais te levaria?
-- Não sei. Achei que quisesse ficar comigo um pouquinho.
Ele fez o carro ir mais devagar e olhou para mim, intrigado.
-- Você acabou de dizer que não quer.
-- Eu não quero ficar beijando você num lugar onde qualquer um pode ver.
-- Os vidros estão fechados, ninguém vai ver.
-- Não confio nos vidros.
-- Você quer ir pro Clarence? Tenho algum tempo livre, podemos ficar lá um pouquinho.
-- Ah, mas não tem nada pra fazer lá.
-- Como não? – ele passou a mão no meu rosto, depois encostou na minha perna – Podemos fazer muita coisa.
-- Mas você só pensa nisso? Eu queria sair com você pra um lugar legal.
-- Que lugar?
-- Sei lá, a gente podia sair pra... – pensei um pouco, indecisa. Não estava acostumada a encontros românticos – Pra tomar sorvete.
-- Sorvete.
-- É.
-- ... Ok então. Se é o que você quer, vamos tomar sorvete.
-- Eeeee...
Bono riu e balançou a cabeça. Não sei o que estava pensando de mim naquele momento, mas tenho certeza de que compartilhava alguns pensamentos em comum com meu primo a respeito do meu nível de maturidade. Ele parou o carro perto de uma praça e fomos até uma sorveteria. Eu não quis ficar parada, então fomos andando enquanto tomávamos nossos sorvetes.
Foi um dos melhores dias que passei com ele. Ficamos rindo, brincando um com o outro e falando sobre os assuntos mais diversos, sem nos aprofundar em nada. De vez em quando um ou outro fã ficava parado de longe, tirando fotos nossas, mas não estávamos nem um pouco preocupados: era só o Bono levando uma garotinha para passear pela cidade.
Ele não podia ficar muito tempo, então fomos embora quando ainda estava cedo. Mas eu me sentia feliz como nunca. Ele parou o carro em frente à minha casa, mas antes que eu descesse me deu um beijo longo, que dessa vez eu aceitei. Ficamos algum tempo ali, e foi a muito custo que consegui convencer eu mesma a descer. Me despedi dele e entrei em casa, sorrindo e saltitando.
Mas logo percebi que o clima dentro de casa era bem diferente do meu estado de espírito. Minha mãe falava com alguém no telefone, parecendo arrasada. Fiquei por perto, e assim que ela desligou eu perguntei com quem ela estava falando.
-- Com a sua tia. – ela disse, tristemente – Seu primo vai embora.
Foi como se toda a água gelada do mar fosse derramada sobre mim.
-- Como assim?
-- É, ele resolveu ir embora. Disse que vai largar a faculdade e voltar para a Inglaterra. Já está arrumando as malas, quer ir embora depois de amanhã.
-- Mas por quê?
-- Não sei. Ele disse que está com saudades dos pais, que quer ficar um tempo com eles.
Fui andando pelo corredor em um estado quase catatônico. Cheguei na porta do quarto do meu primo, que estava aberta. Ele estava lá dentro, mexendo no computador. Havia uma mala aberta em cima da cama, cheia de roupas, e outra fechada encostada em um canto.
-- Primo?
Ele virou pra mim, e ficou apenas me olhando, sem dizer nada. Eu também demorei pra dizer alguma coisa.
-- Por que você vai embora?
Sem responder, ele voltou a olhar para o computador. Apenas depois de um tempo disse:
-- Porque sim. Quero ir pra casa.
-- Aqui é sua casa.
-- Quero ir ver meus pais. Sinto saudades deles.
-- Você pode ir ver eles nas férias. É o que você sempre faz.
-- Olha, eu já agradeci à tia por tudo, mas eu vou embora e já está decidido. Vou depois de amanhã. Já liguei pros meus pais avisando.
Fui andando até ele e segurei sua mão. Ele me olhou como se eu tivesse batido nele.
-- Não vai não.
Por algum tempo ele ficou apenas me olhando; então se levantou e fechou a porta. Virou-se de novo para mim.
-- Pra que você quer que eu fique? Você não vai sentir minha falta. Você tem o Bono e acho que isso é mais do que suficiente.
-- Claro que não. Eu não quero que você vá embora. Nunca.
-- Por quê? Por que você não quer que eu vá embora? Pra ficar vendo você suspirando por causa dele? – agora, ele parecia furioso – Pra ficar vendo você andando pra cima e pra baixo com ele? Pra ficar imaginando o que vocês estão fazendo dentro daquele carro quando ele te traz em casa e você demora uma hora pra sair de lá? – recuei alguns passos e caí sentada na cama, e ele parecia prestes a me matar – Do que você acha que eu sou feito? Quer ver até onde eu agüento? Pois é, eu já cheguei no meu limite, já passei muito do meu limite, já se tornou mais do que insuportável ter que te ver todo dia e não poder ter você, não poder impedir que ele continue fazendo o que tem feito, não poder te fazer gostar menos dele! Eu prometi pra você que não ia mais me meter, que não ia contar pra ninguém nem fazer vocês se separarem, mas pare de brincar comigo desse jeito! Pare de ficar dizendo que se importa se eu estou aqui ou não, porque pode ter certeza de que ir embora está doendo muito mais em mim do que em você, mas eu vou acabar fazendo uma besteira por sua causa se continuar aqui!
Ele falara as últimas palavras quase gritando, e se afastou, indo até a janela e olhando lá pra fora, para que eu não percebesse como ele estava – embora eu já tivesse percebido. Parecia que ele ia começar a chorar a qualquer momento, e eu também sentia que começaria a chorar assim que ele olhasse de novo pra mim.
Mas ele não olhou pra mim. Ficou olhando para fora, e eu continuei sentada na cama. E então meu celular tocou.
Peguei o celular e olhei o visor, mas demorei um pouco para entender o que significava o nome “Bono” escrito nele. Continuei apenas olhando o visor, até que ele parasse de tocar. Meu primo disse, sem se voltar para mim:
-- Era ele?
-- Sim.
-- E por que você não atendeu?
Levantei e fiquei olhando para ele. Fui até ele e segurei sua mão. Não tinha muita certeza do que fazer, mas sentia que estava fazendo algo certo quando disse:
-- Porque você é mais importante do que ele.
Não sei quanto daquela afirmação era verdadeira; mas naquele momento, por algum motivo, nada era mais importante do que meu primo. Só de pensar em não ter ele ao meu lado todos os dias me dava um desespero muito maior do que eu sentia quando não via Bono.
Eu ainda estava tentando entender meus próprios sentimentos quando de repente meu primo me puxou para ele, e no segundo seguinte estávamos nos beijando, e eu não fiz nada para impedir. Um minuto depois estávamos deitados na cama dele, e eu também não fiz nada para impedir. Mesmo que fizesse, não tenho muita certeza de que ele me obedeceria, não no estado em que estava.
Na hora eu não pensei muito em nada do que estava acontecendo. Consequentemente pensei depois, o que me fez ficar uns bons dez minutos sem coragem de olhar para ele. Ele, por sua vez, me segurava com tanta força abraçada a ele que parecia que eu ia sufocar. Quando a consciência do que tinha acontecido caiu completamente sobre mim, eu comecei a chorar baixinho. Ele me apertou mais forte, se é que era possível, e percebi que estava chorando também. Demorou vários minutos para que qualquer um de nós tivesse coragem de dizer alguma coisa.
-- Desculpe. – ele disse, afinal – Desculpe por ter feito isso.
-- Não. – eu murmurei – Não pede desculpas.
-- Eu sinto muito.
-- Não pede desculpas! – eu dei um tapa nele, bem forte – Não fala como se não soubesse o que estava fazendo! Como se tivesse se arrependido!
Continuei batendo nele, até que ele me segurou, fazendo com que eu parasse. Parecia bastante surpreso pela minha reação, e não podia culpa-lo: eu estava quase histérica, e nem sabia o porquê.
-- Para. Para. – ele me sacudiu, mas em nenhum momento foi rude ou levantou a voz – Não foi isso o que eu quis dizer. Eu sabia o que estava fazendo e não me arrependi.
-- Então por que pediu desculpas?
-- Porque eu não tinha o direito de fazer isso. Eu praticamente te obriguei a...
-- Não obrigou! – abracei ele com força – Não obrigou a nada! Cala a boca!
-- Ok, ok, desculpa. – ele percebeu que o melhor era concordar com o que quer que eu dissesse – Eu não te obriguei a nada. Não vamos falar sobre isso agora.
-- Isso. – eu ainda soluçava, mas estava conseguindo parar de chorar – Fica quieto.
Ficamos os dois quietos durante algum tempo, mas aquela situação estava ficando perigosa: minha mãe estava em casa e podia bater na porta a qualquer momento. Eu ia falar isso, falar que era melhor levantarmos e nos vestirmos e ir cada um cuidar da sua vida e fingir que nada daquilo acontecera – aquilo o que?, não acontecera nada... – quando de repente ele disse, bem baixinho, no meu ouvido.
-- Eu te amo.
Demorei um pouco para pensar em algo pra dizer.
-- Eu... Eu... – senti que estava tremendo – Eu também... Eu também te amo.
A frase final saiu com relativa facilidade. Pude sentir o quanto o coração dele acelerou com o que eu dissera.
-- Fica comigo.
-- Eu estou com você.
-- Fica sempre comigo. – ele olhou para mim, e me fez olhar para ele – Quer namorar comigo?
-- A gente não pode. Você é meu primo.
-- E daí?
-- A gente se conhece desde que eu nasci. Você mora aqui. Mamãe vai ter um treco se souber.
-- Ela vai acabar aceitando.
-- E tem... O...
Não consegui dizer o nome, mas ele sabia muito bem de quem eu estava falando.
-- Você não ama ele. Você sabe que não ama. Sou eu quem você quer, é comigo que você tem que ficar. Você sabe disso.
-- Me dá um tempo. Por favor.
-- Eu vou ficar aqui mais uma semana, esperando você se decidir. Se no final você quiser ficar comigo, eu fico. Se você preferir o Bono, eu vou embora.
-- Mas isso não é justo! Você não pode ir embora, depois do que aconteceu hoje!
-- E você acha justo que depois do que aconteceu hoje, você aja comigo como se nada tivesse acontecido e continue com o Bono?
-- Ah, mas... Mas é diferente...
-- Diferente por quê? Eu também tenho sentimentos. Como acha que vou ficar se as coisas continuarem como estão entre a gente? Eu não vou suportar te ver com o Bono ou saber que vocês estão juntos, depois de ter feito amor com você. – fiquei vermelha, porque estava tentando não pensar no que havíamos acabado de fazer – Você tem o direito de continuar com ele, se quiser. Mas eu tenho o direito de me afastar daqui por causa disso.
-- Certo. – eu disse, após pensar um tempo – Daqui a uma semana, eu te digo qual foi a minha decisão. Mas até lá eu preciso pensar em paz. Preciso decidir o que eu quero da vida.
-- Fique à vontade. Vou estar te esperando.

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TÃO PERTO, TÃO LONGE

CAPÍTULO 8

Alguns dias são definitivamente melhores do que outros.
Era pra ser só uma festa da escola. Uma coisa boba. Iam os alunos, os pais, os professores. Teoricamente, nada que pudesse matar alguém. Visto isso, lá estava eu, com meus pais, meu primo e meus tios, sentada na mesma mesa que Jordan, Eve, Elijah, John, Ali e Bono. Duas famílias amigas, divertindo-se juntas.
Bono estava sentado de frente para mim.
Graças a deus a conversa na mesa estava animada, caso contrário meu nervosismo teria chamado tanta atenção quanto a roupa de Jordan. Bono parecia tranqüilo, conversava naturalmente, sem me evitar nem ficar muito em cima de mim. Eu, por outro lado, não conseguia sequer olhar pra ele. Meu primo, do outro lado da mesa, não tirava os olhos de nós dois.
Bono disse algo que fez todos rirem, e Ali lhe deu um beijo. Só isso já seria suficiente para me fazer chorar; para completar, quando eles pararam, Bono ficou olhando para ela com um ar completamente apaixonado. Me levantei e disse:
-- Vou encontrar umas amigas minhas.
Antes que alguém pudesse dizer alguma coisa, eu já estava longe dali. Atravessei o salão sem ver ninguém, e fui para o estacionamento. Fiquei encolhida em um canto, com frio, olhando o céu escuro e nublado.
Devo ter ficado ali por mais de meia hora. Estava tão distraída que não ouvi os passos próximos a mim, e levei um susto quando ouvi a voz de meu primo ao meu lado:
-- Não acha que isso aqui está um pouco frio?
Olhei para ele, assustada.
-- De onde você saiu?
-- Da festa. - ele apontou para o salão, a alguns metros de nós – Muita gente. Não é a minha.
Ele se sentou ao meu lado. Eu disse:
-- Quero ficar sozinha.
-- Que coincidência. Eu também.
-- Então por que veio pra junto de mim?
-- Não estou junto de você. Você está lá, com o Bono. Não tem ninguém aqui.
Não respondi. Sabia que ele queria me provocar.
-- E então – ele disse, após um tempo em silêncio – está satisfeita com seu relacionamento?
-- Vai se ferrar.
-- Isso é um “não”?
-- Você está muito feliz, não é? - me virei pra ele, chorando – Pois é, o Bono ama a mulher dele e só quer brincar comigo, então pode ficar feliz, primo, você conseguiu o que queria! Conseguiu me ver triste e chorando, que é o que você sempre quis, então pode se considerar satisfeito!
-- Não diga besteiras. Eu nunca quis ver você triste.
-- Claro que quis! Sabia que eu só poderia ser feliz se o Bono gostasse de mim, e mesmo assim sempre quis que as coisas entre eu e ele dessem errado! Você sempre quis o pior pra mim!
-- Não seja burra! - ele perdera a paciência de vez – Eu só quero o melhor pra você! Se não aprovo o seu caso com o Bono, é porque sei que ele só vai te fazer mal. E estava certo, não é? Você acabou de ver que ele não se importa com você.
-- Nem ele, nem ninguém. - baixei a cabeça – Ninguém se importa comigo.
-- Eu me importo. Não estou aqui, com você?
-- Por que você veio? Pra rir de mim?
-- Claro que não.
-- Então por quê? - olhei novamente para ele – Por que não me deixa em paz? O que você quer?
Ao invés de responder, ele me segurou e me deu um beijo. Foi por puro impulso; logo depois ele se arrependeu, e me soltou.
-- Me desculpe, sinto muito...
Tentei falar alguma coisa, mas esqueci como. Me levantei e saí correndo, com mil sentimentos se misturando em mim e com a sensação de que o mundo estava desabando.

* * * * *

Ainda era cedo quando meu primo apareceu no meu quarto, no dia seguinte. Eu estava sentada na cama, ouvindo música.
-- Posso falar com você?
-- Já está falando.
-- Prima... Olha... Aquilo de ontem, na festa...
-- Por que você fez aquilo?
-- Eu não sei. Foi... Foi uma idiotice. Sinto muito.
-- Se fosse o Bono que tivesse feito aquilo, você ia dizer que ele não presta, que é um aproveitador e etc e tal. Mas você pode fazer a mesma coisa e depois dizer que sente muito, não é?
-- É diferente.
-- Por quê? Por acaso você é melhor do que ele?
-- Sou. - ele se sentou perto de mim na cama – Eu nunca te machucaria.
-- Me machucou, ontem. Me beijou sem que eu deixasse. Sua própria prima! Por que fez aquilo? Foi só pra ver a minha cara?
-- Não, sua burra, fiz aquilo porque... - ele parou de falar e balançou a cabeça – Porque eu gosto de você, mas você está ocupada demais pensando no Bono pra perceber isso.
Devo ter ficado uns dez minutos parada, olhando para ele.
-- Você gosta... De mim?
-- É, eu gosto, estou apaixonado pela minha própria prima, uma criança de dezesseis anos que tem um caso com um homem mais velho e casado. Mas isso não importa pra você, não é? - ele se levantou – Eu nunca vou ser o Bono.
-- Por que você está dizendo isso agora?
-- Por causa do beijo de ontem, pra que você não pense que só quis me aproveitar de você, do mesmo jeito que ele fez. Aquilo foi... Você não imagina o quanto eu queria aquilo. Mas... Não devia ter feito.
-- E... Por que não disse antes?
-- Faria alguma diferença?
-- Não sei. Talvez fizesse.
Ficamos nos olhando, ele se sentou de novo.
-- Eu acho que...
Nessa hora, meu celular tocou. Nós dois levamos um susto; eu o peguei e disse, sem pensar:
-- É o Bono.
Meu primo se levantou e disse:
-- Atenda. O que ele tem pra dizer com certeza é mais importante pra você do que qualquer coisa que eu diga.
Ele saiu antes que eu pudesse responder. Atendi o telefone, um pouco tonta.
-- Alô...
-- Oi, querida, sou eu. - disse Bono – Tudo bem com você?
-- Ahm... Tudo.
-- Eu te liguei porque você sumiu ontem, eu fiquei preocupado... Aconteceu alguma coisa?
Ah, é. Eu já tinha até esquecido daquilo.
-- Aconteceu. Eu vi você beijando a Ali e depois olhando para ela com uma cara de bobo apaixonado, e isso me deixou muito triste e eu achei melhor ir para algum lugar bem longe de você.
Ouvi ele suspirar do outro lado da linha.
-- Oh, querida, eu sinto muito por aquilo... Mas ela é minha esposa, você sabe que eu a amo. E tinha que agir da forma mais natural possível, mesmo você estando lá. Se alguém desconfiar, as coisas podem ficar muito complicadas para a gente.
-- Eu sei. Você tem que disfarçar.
-- Isso. Você ficou sozinha na festa?
-- Não. Fiquei com um menino.
-- Um menino?
-- É, alguém que eu conheço.
-- Ah, sim...
-- Ele viu que eu estava triste, então me deu um beijo e se declarou pra mim.
Houve um longo silêncio do outro lado da linha.
-- Quem é ele?
-- Um menino que eu conheço.
-- Você... Está com ele? Estão namorando?
-- Não. Eu... Estou pensando.
-- Ah, claro...
-- Você se importaria se eu namorasse?
-- Não, claro que não... É um direito seu.
-- Acho que, se começar a namorar com ele, vou ter que parar de me encontrar com você.
-- Espera, por quê? Uma coisa não impede a outra.
-- Eu nunca trairia uma pessoa que eu amasse.
-- Não é questão de traição... E a mim? Você não me ama? Ficando com outro, vai estar me traindo.
-- Você me trai com a Ali.
-- Não, eu traio a Ali com você.
-- Dá no mesmo.
-- Olha, não vamos discutir isso por telefone. Eu quero conversar com você pessoalmente. Você pode me encontrar... Deixe-me ver... Daqui à uma hora, naquele pub onde eu passei meu aniversário?
-- Posso, sim.
-- Certo, eu vou estar te esperando. Só tome cuidado pra não chamar muita atenção quando vier pra cá. Não é bom que vejam a gente a sós num bar. Podem pensar coisas erradas.
-- Coisas erradas ou coisas certas?
-- Bem, vou estar te esperando. Por favor, não se atrase.

* * * * *

Me atrasei. E o pior é que foi de propósito. Não queria ir correndo encontrar o Bono, como se fosse um bichinho de estimação dele. Queria deixá-lo preocupado, de preferência fazê-lo sofrer. Estava com muita raiva.
Quando cheguei, Bono parecia prestes a ter um ataque. Eu, por outro lado, estava um poço de tranqüilidade. Adolescentes apaixonadas podem ser cruéis.
-- Oi.
-- Querida, você demorou... - ele tentava parecer calmo, mas não estava – Aconteceu alguma coisa?
-- Estava me arrumando.
-- Certo, pelo menos você veio... Quer tomar alguma coisa?
-- Uma cerveja.
-- Acho que um refrigerante vai ser melhor.
Ele pediu o refrigerante. Eu me irritei – estava num estado de espírito facilmente irritável.
-- Eu queria cerveja!
-- Você é menor de idade, não pode tomar bebida alcoólica.
-- Ninguém ia ligar se você pedisse.
-- Eu não vou te dar álcool pra beber. Você ainda é muito criança pra ficar bebendo assim.
Aí eu estourei de vez.
-- Sou muito criança pra beber, mas pra transar com você eu não sou, não é? - bati o copo na mesa – Hipócrita!
Bono ficou me olhando como se de repente eu tivesse me transformado em outra pessoa.
-- O que deu em você?
-- Eu estou cheia disso! - eu estava a ponto de chorar – Você me enche de carinhos, diz que gosta de mim e tudo, só pra conseguir me levar pra cama! Depois que consegue o que quer, você mal olha pra mim! E agora apareceu outra pessoa que disse que gosta de mim muito mais do que você parece gostar, e eu nunca tinha pensado nele desse jeito, mas estou confusa! Estou cheia de todo mundo me tratar como se eu fosse uma idiota, principalmente você! Você acha que eu não sei que você só está se divertindo comigo? Na hora que aparecer outra bonequinha mais interessante do que eu, você vai dar uma desculpa qualquer e vai me dispensar, igual já deve ter feito com um milhão de outras garotas!
Foi uma sorte que o bar estivesse praticamente vazio, caso contrário tenho certeza de que no dia seguinte meu escândalo seria a principal notícia nas revistas de fofocas. Eu cheguei a me levantar, mas Bono me segurou pelo braço.
-- Me solta!
-- Quieta! - ele se levantou também e me segurou com ainda mais força – Torça pra ninguém ter prestado atenção no que você disse.
-- Não to nem aí. Não ia acontecer nada comigo se soubessem. Você é que ia perder sua mulher e ainda ia ser preso por abuso de menor, e ia ser bem feito!
Ele pagou a conta e me arrastou para fora dali.
-- Se der mais um pio, nem sei o que faço com você. - ele me empurrou para dentro do carro – Entra.
-- Aonde nós vamos?
-- Pra um lugar em que possamos conversar sem que metade de Dublin ouça você gritando.
-- Você vai dirigir?
-- Vou, dispensei o motorista hoje. Posso muito bem dirigir meu próprio carro.

* * * * *

Se o que ele queria era me assustar, conseguiu. Andar de carro com o Bono dirigindo pode ser uma coisa muito emocionante. Quando saímos do carro, no estacionamento do Clarence Hotel, eu estava branca como uma vela.
-- Como você tirou carteira...?
-- Provavelmente do mesmo jeito que você.
-- O que estamos fazendo aqui?
-- Preciso ter uma conversa muito séria e totalmente particular com você.
Fomos para um quarto. Eu estava um pouco assustada: ele parecia estar realmente bravo comigo.
-- Senta. - ele disse, e praticamente me empurrou para a cama, me fazendo sentar – Escute bem: desde o início eu deixei bem claro toda a minha situação e como seria o nosso relacionamento. Se você...
-- O problema é que a gente não tem nenhum relacionamento! Você me chama de vez em quando, faz o que quer comigo e depois me dispensa!
-- Não fale bobagens! Você sabe que não é assim. Sabe que gosto de você e que temos um relacionamento, sim, mesmo que seja escondido. Você não é só uma fã que eu levo pra cama, você é...
-- Então você leva suas fãs pra cama? Por acaso anda fazendo isso mesmo estando comigo?
-- Pare de me interromper! Escute o que estou dizendo. Eu em nenhum momento prometi algo que não tenha cumprido. Te dou tudo o que você quer e nunca disse que faria algo que não fiz. Sempre te disse sobre o meu amor pela Ali, e que não iria deixar ela nunca. E você sempre aceitou isso. Não estou entendendo essa sua crise agora, não aconteceu nada que justificasse isso.
-- Como, não? Você beijou a Ali na minha frente!
-- Já tinha feito isso antes e vou continuar fazendo sempre que for preciso. E que diferença faz se não beijar ela na sua frente? Você sabe que durmo com ela todas as noites, ela é minha esposa. Você está sendo infantil. Não acredito que estamos brigando por causa de uma bobagem como essa.
-- Pode ser bobagem pra você, mas pra mim não é! Você acha que não dói pensar em você com ela? Você acha, Bono? - eu estava começando a chorar – Eu sei que pra você eu sou só uma menininha bonita, mas você é a pessoa que eu mais amo! Eu sei que você beija ela estando eu perto ou não, mas não gosto de ver isso, não gosto nem de pensar nisso!
Parei de falar porque não conseguia mais. Só fiquei chorando, de cabeça baixa, igualzinho a uma criança. Ele ficou um tempo parado, provavelmente pensando no que se passava na minha cabeça, e então me abraçou.
-- Me desculpe, bebê. Droga, me desculpe. - ele beijou minha cabeça – Eu fui muito... Grosso com você. Não era minha intenção, me desculpe.
-- Me solta.
-- Não, não vou te soltar, e sabe porquê? - ele levantou meu rosto – Porque eu te amo. Está ouvindo? Eu-te-amo. De verdade. E não quero ver você chorando, ouviu? Eu quero te ver bem, te ver feliz. Vamos, pare de chorar. Pare...
Ele me beijou, e eu deixei. E quem é que iria dizer “não” para Bono? Quem é que olharia para aqueles olhos azuis, ouviria aquela voz dizendo “eu te amo”, e iria negar um beijo? Mesmo que tudo o que ele estivesse dizendo fosse mentira – e eu estava seriamente desconfiada de que era – eu não poderia. Ali que me perdoasse, eu era só uma criança.
Fizemos as pazes – e como – e, algum tempo depois, estávamos almoçando juntos, no quarto, e ele me enchia de mimos e carinhos.
-- Está gostando da comida, meu amor?
-- Estou, está uma delícia...
-- E o que você vai querer de sobremesa? Pode pedir o que quiser, eu vou te dar tudo...
-- Eu quero musse de chocolate com morangos!
-- Hum, eu adoro isso... Vou mandar trazer pra você, e vou pedir também rosas, três dúzias de rosas amarelas, eu sei que são as suas preferidas...
Depois disso tudo, de termos comido e de eu ter ficado admirando as rosas, nós dormimos. Quando acordei, já estava quase anoitecendo, e Bono estava de pé, se vestindo. Fiquei um pouco triste por já ser hora de ir embora. Me espreguicei, e ele veio até mim, sorrindo.
-- Temos que ir. - ele se sentou na cama e se debruçou sobre mim – Já está tarde, seus pais vão ficar preocupados.
-- Não quero ir... Quero ficar aqui, com você, pra sempre...
-- Eu também quero, mas não podemos. Temos que ir agora, não podemos demorar.
Mas, ao contrário do que ele dizia, ele me beijou, e de uma forma que demonstrava que a última coisa que ele queria era ir embora. Não vou entrar em detalhes, mas adianto que não existe nada melhor, pelo menos na minha opinião, do que abrir os botões daquela camisa verde que ele estava usando.
-- Você tinha dito que um garoto tinha se declarado pra você.
Já tinha anoitecido há algum tempo, mas nenhum de nós estava muito disposto a ir embora. Era tão bom fazer as pazes.
-- Foi sim.
-- Estava falando a verdade ou só quis me fazer ciúmes?
-- As duas coisas.
-- Então, alguém se declarou pra você na festa?
-- Sim.
-- E... Quem é? É alguém que eu conheço? Algum garoto da sua sala?
-- Não. É o meu... - eu fiquei vermelha, e não sabia se devia dizer ou não, mas acabei dizendo – O meu primo.
-- Seu primo!? Aquele que vive na sua casa?
-- É, ele. Nós estávamos conversando, e nem lembro mais o que foi que eu disse, só sei que ele chegou e me deu um beijo. Depois ele pediu desculpas e tudo, e hoje disse que gosta de mim.
-- Ele parece ser bem mais velho que você.
-- Ele é cinco anos mais velho... Parece mais porque ele é grande, e ele já trabalha e tudo...
-- Mas cinco anos é uma diferença muito grande na sua idade.
-- Bem, é menor do que a diferença entre eu e você.
-- É, claro... Eu tenho idade pra ser seu pai. - ele não parecia muito feliz com isso – Mas de qualquer forma... Não acho certo o que ele fez. Mais velho ou não, vocês são primos.
-- Pelo menos ele é solteiro.
-- Está gostando dele?
-- Eu não sei. Mas não acho que ele vai querer namorar comigo, ainda mais eu estando com você.
-- Que!? Ele sabe sobre nós dois?
-- Sabe, ué...
-- Como ele soube?
-- Ele me pressionou um dia e eu acabei contando, foi meio sem querer, ele fez um drama enorme...
-- Você ficou louca? Como é que você conta uma coisa dessas pra ele? Se deixou escapar, devia ter me dito imediatamente. - ele se sentou na cama – Isso é muito, muito sério. Ainda mais ele gostando de você.
-- Calma, ele não vai contar pra ninguém.
-- Não por enquanto, mas tenho certeza de que, se surgir a chance, ele vai acabar usando isso como uma arma contra nós dois. Não percebe o perigo? Ele pode me obrigar a parar de te ver se ameaçar divulgar isso. Aliás, nem precisa divulgar, é só ameaçar contar para a Ali... Isso se não fizer isso sem nem ameaçar... Quanto ele sabe sobre a gente?
-- Ah, sei lá, um monte de coisas.
-- Sabe sobre as coisas que aconteceram no Japão? Sabe que eu tirei sua virgindade?
-- Sabe.
-- Meu Deus... Meu anjo, isso é muito grave. Você é muito inocente, não tem idéia... Não sabe o que um homem apaixonado pode fazer. A paixão pode fazer coisas horríveis até com a melhor das pessoas.
-- Eu tenho certeza de que ele não vai fazer nada. Não se preocupa, Bono.
-- Tenho que me preocupar. Vou falar com esse rapaz, tenho que ter uma conversa muito séria com ele. E tome muito cuidado com o que faz com ele, querida, não fale muito a nosso respeito, vai ser pior. Agora, quero que você seja muito sincera comigo – ele segurou minhas mãos – o que você sente por ele?
-- O que eu sinto? Ah, não sei... Eu adoro ele, a gente cresceu junto, né? E ele é meu primo.
-- Você sabe que não estou falando desse tipo de sentimento. Ele está apaixonado por você. Quero saber se você corresponde a esse sentimento de alguma forma. Se está apaixonada por ele também.
-- Eu, apaixonada por ele? Não, claro que não... Ele é meu primo.
-- Você não sentiu nada quando ele te beijou? Não ficou balançada?
-- Não, eu acho... Digo... Eu fiquei, sei lá, confusa... Mas acho que é porque foi uma coisa inesperada, eu nunca tinha pensado nele dessa forma.
-- Eu vou conversar com ele. Preciso saber o que ele pretende.
-- Não! Não faz isso, vai ser pior. Ele te mata se você citar o meu nome pra ele. Você não faz idéia de como ele fica quando me vê conversando com você.
-- É claro, ele fica com ciúmes... Mas tome muito, muito cuidado, meu anjo. Ele sabe que você veio me ver?
-- Não, ele nem me viu sair, acho que não estava em casa.
-- Sempre que vier me encontrar, tome muito cuidado para que ele não te veja sair. E quando chegar em casa, não deixe ele desconfiar aonde você foi, nem o que ficou fazendo. Quanto menos você provocar ele, melhor.
-- Pode deixar. Mas eu acho que você está se preocupando à toa, ele nunca ia fazer nada de realmente ruim. Nada que me fizesse ficar triste. Pelo menos é o que ele vive dizendo.
-- Mas talvez o que ele ache certo não seja exatamente o melhor para nós. Ele pode arrumar um jeito de me obrigar a me separar de você. Não esqueça que eu sou uma pessoa pública. Se uma história dessas cai na imprensa, ia acabar com a minha imagem.
-- Você se importa tanto assim com a sua imagem?
-- É claro, é graças a ela que estou aqui hoje.

* * * * *

Cheguei em casa naquela noite e encontrei meu primo no meu quarto, deitado na minha cama, totalmente à vontade.
-- Ei! - joguei meu casaco em cima dele – Minha cama!
-- É boa, mas prefiro a minha. - ele se sentou – E aí? Como foi?
-- Como foi o que?
-- O encontro.
-- Tá doido? Não sei do que está falando.
-- Não se faça de boba. Eu sei que você saiu pra encontrar o Bono.
-- Não, não saí. Estava com umas amigas minhas.
-- Mentira. Você estava com o Bono em um pub há dez minutos daqui, depois vocês foram para o Clarence Hotel e ficaram lá até agora.
Fiquei olhando meia hora para ele.
-- Como você...
-- Por puro acaso eu estava na loja em frente ao pub quando vocês saíram. A parte do hotel foi só um palpite.
-- A gente só tava... A gente tava só conversando.
-- Claro. E eu sou virgem.
-- Estou falando sério! A gente... Você não é virgem?
Ele me olhou de um jeito que me fez corar.
-- Não seja inocente. Tenho vinte e um anos.
-- Ué, e não existe gente de vinte e um anos que é virgem?
-- Claro que existe, mas... Olha, eu não sou virgem, ok? Mas não estamos falando disso. Eu sei muito bem o que você estava fazendo com o Bono.
-- Você tinha dito que não ia mais se meter nisso.
-- E não vou. Mas acho muito estranho você ver ele aos beijos com a esposa num dia e correr para os braços dele no dia seguinte.
-- Eu não corri para os braços dele! - me sentei na cama, triste – Nós brigamos.
-- Brigaram?
-- É. Eu fiz um escândalo, comecei a gritar que ele só queria dormir comigo e depois me largar. Ele ficou muito bravo.
-- Mas então por que foi com ele pro hotel?
-- Ele queria conversar a sós comigo, acho que tinha medo de que eu fizesse um estrago...
-- E ficaram conversando até essa hora?
-- É... Nós... Fizemos às pazes.
-- Imagino. - ele se levantou – To indo, tenho que estudar pra prova de amanhã.
-- Você não vai brigar comigo?
-- Por que eu brigaria? Você tem dezesseis anos, faz o que quiser. Não sou seu pai.
-- Mas... Se você gosta de mim, devia se importar, não?
-- Eu gosto de você, mas como é um amor impossível, uma vez que você é minha prima e gosta de outro, o que posso fazer é deixar isso pra lá e esperar até me interessar por outra. Boa sorte com o Bono.
Foi com essas palavras que ele saiu, e foram essas palavras que ficaram ecoando na minha cabeça a noite inteira, me impedindo de dormir.

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