CAPÍTULO 10 - FINAL
Bono tentou me ligar no mínimo dez vezes nos dias seguintes, mas não atendi nenhuma ligação. Não queria me encontrar com ele; queria ter uns dias para pensar em paz. Se saísse com ele, provavelmente seria influenciada a querer continuar com ele. Da mesma forma, se ficasse muito perto do meu primo, seria influenciada a querer ficar com ele. Por isso, estava tentando passar a maior parte do tempo longe dos dois, para ver de qual eu sentiria mais falta.
Mas meu plano não deu muito certo. Primeiro, porque meu primo morava na minha casa, logo eu não conseguia ficar realmente longe dele; e segundo, porque Bono acabou indo atrás de mim. Ele sabia muito bem os horário em que eu saía da escola e o caminho que eu fazia, bastou ficar me esperando perto da hora de eu voltar para casa.
Eu vi seu carro de longe, estacionado no meio do caminho. Minha vontade era dar meia volta e sair correndo, mas ele com certeza já tinha me visto. Continuei andando naturalmente, tentando demonstrar tranquilidade, e quando cheguei perto do carro ele abaixou o vidro e disse, simplesmente:
-- Entra.
Ele estava sozinho, sem o motorista. Achei estranha a forma como ele me abordara, mas entrei. Ele fechou os vidros e saímos dali, em silêncio. Fomos até o Clarence, e continuamos em silêncio até estarmos dentro de um dos quartos. Foi só então que ele falou.
-- Muito bem. – ele se sentou na cama e me olhou, me analisando como se procurasse algum segredo oculto em mim – O que está acontecendo?
-- O que? Do que você está falando?
-- Eu acho que você sabe do que se trata melhor do que eu.
-- Não sei, não.
Após um momento de silêncio, em que ele me olhava de uma forma perturbadora, ele acabou falando:
-- Faz dias que tenho tentado ligar para você, e você não me atende. Tem evitado lugares em que podemos nos encontrar, tem fugido de mim. E isso foi logo depois de passarmos um dia ótimo juntos. Acho que eu tenho direito a uma explicação. Se eu fiz algo que te desagradou, acho que você deve conversar comigo sobre isso, não fugir dessa forma de mim. Já faz muito tempo desde que fizemos amor pela última vez, e você já vinha fugindo de mim, mas eu não pensei que fosse algo sério. Mas se você quiser... Quiser terminar tudo de vez, eu gostaria que me comunicasse, e não que sumisse de vez e me deixasse deduzir que você não me quer mais.
Fiquei um pouco envergonhada com as palavras dele. Realmente, eu sumira de forma inexplicável e claramente estava evitando ele. Não era nada certo, muito menos justo. Ele nunca me tratara daquela forma, e não tinha como adivinhar o que estava acontecendo.
-- Desculpa. – eu disse, me sentando ao lado dele e resolvendo abrir o jogo – Eu não pensei que o que estava fazendo era errado. Não achei que fosse te magoar.
-- Não estou magoado. Mas você me deixa confuso, seu comportamento às vezes não faz sentido. Eu gosto muito de você, e se você não quiser mais sair comigo, eu tenho o direito de ouvir você me dizer isso abertamente, e não ter que ficar adivinhando o que você quer ou não.
-- Eu não quero deixar de sair com você. – eu o abracei – É que aconteceu uma coisa.
-- O que?
Contei. Contei tudo, sobre meu primo ter resolvido ir embora, sobre como eu ficara triste, como pedira pra ele ficar. Sobre ele ter me beijado, termos dormido juntos. Sobre a promessa que fizera, de pensar sobre meus sentimentos e decidir com quem ficar.
Quando terminei de falar, Bono ficou muito tempo em silêncio. Eu tinha a impressão de que ele estava quase chorando – ele chorava a toa – e por duas vezes ele ameaçou falar, mas se calou. Só depois de algum tempo acabou falando, e parecia muito triste:
-- Você gosta dele, então.
-- Sim.
-- Mais do que gosta de mim.
-- Eu não sei.
-- Mas vai ter que escolher um de nós.
-- Sim.
-- E você já escolheu ele.
-- Não, eu ainda não sei.
-- Sabe sim. Aqui você sabe. – ele colocou a mão em meu peito – Você já escolheu ele, só não admitiu isso ainda. Daqui a alguns dias, quando sua resposta for decidir se ele vai ou fica, você vai dizer “sim”.
Não tive o que dizer, porque tinha a impressão de que ele estava certo. Para mim, o meu primo ir embora não era uma possibilidade. Eu não poderia suportar isso. Não conseguia sequer imaginar isso. Enquanto eu poderia ver o Bono sempre que quisesse, mesmo que não nos encontrássemos mais.
-- Eu gosto muito de você. – eu disse – Eu te amo.
-- Não, bebê. Você me amou, você tinha sonhos com o cantor do U2, com uma fantasia. Você viveu essa fantasia por um tempo, mas agora o mundo real te chama. Eu não posso te culpar por escolher viver sua vida. Não é justo que você seja eternamente a amante de um homem casado, que não pode te dar nada.
-- Isso não é verdade. Isso tudo não foi só uma fantasia. Você é muito mais para mim do que o cantor do U2. Você é real, é o primeiro homem que eu amei, o que eu mais amei por toda a minha vida. – o abracei, apoiando a cabeça em seu peito – Mesmo que eu escolha o meu primo, eu não quero que você duvide de nada do que aconteceu entre a gente. Cada segundo com você me faz muito feliz, e eu te amo muito.
Nos beijamos. Ele disse:
-- Quando você vai dar a resposta a ele?
-- Daqui a três dias.
-- Então, até lá, podemos nos despedir?
-- Despedir?
-- Isso. Vamos fazer esses três dias serem inesquecíveis. Como uma... Uma lua de mel para nós. Com a diferença de que não estaremos mais juntos quando ela terminar. Podemos fazer isso?
E por que não?
-- Podemos, sim.
E nossa despedida começou ali mesmo, naquele momento.
* * * * *
Eu já tinha tomado a minha decisão, mas continuei evitando o meu primo até o dia combinado.
No dia anterior, eu tive minha última noite com o Bono. Seria muito bonito dizer que foi a noite mais linda e romântica das nossas vidas e que nos despedimos entre lágrimas, mas na verdade não foi nada disso. Nem perto disso. Não que tenha sido ruim: nós fomos para o Clarence, pedimos uma pizza, ficamos comendo enquanto ouvíamos música e conversávamos. Depois ficamos olhando o céu pela janela, fizemos amor, dormimos e no dia seguinte eu fui embora de manhã. Não fazia sentido uma grande despedida, já que continuaríamos nos vendo; e eu só lembrei que o beijo daquela manhã havia sido o último quando já estava no portão de casa.
Mas confesso que quando lembrei disso, me deu uma vontade enorme de correr para ele de novo.
Entrei em casa – mamãe achava que eu tinha dormido na casa de uma amiga – e fui para o quarto do meu primo, me sentindo um pouco nervosa. Sabia que queria ficar com ele, mas aquilo era tão estranho. Nós éramos primos, morávamos juntos há séculos, eu achava que o via praticamente como um irmão – e de repente o mundo virava de cabeça para baixo e a gente passava a se gostar daquela forma.
Meu primo estava no quarto dele, mexendo no computador. Eu entrei e disse “oi”, mas ele respondeu sem nem olhar para mim. Na hora fiquei chateada, mas logo entendi a reação dele: ele sabia que eu estava ali para dar a resposta, e estava com medo.
Ele tinha certeza absoluta de que eu escolheria o Bono.
E nem eu sabia dizer porquê não tinha escolhido.
Sem dizer nada, sentei na cama dele e fiquei ali, olhando enquanto ele fingia estar interessadíssimo no que quer que estivesse fazendo no computador. Ficamos assim por quase meia hora. Até que ele finalmente disse:
-- E então?
-- Então o que?
-- Já fez sua escolha?
-- Já sim.
-- E qual foi?
Fiquei quieta um tempo.
-- Sabe, eu já tinha feito a escolha antes, mas achei melhor esperar para dizer hoje. Mas era meio óbvio que eu ia escolher isso. – ele abaixou a cabeça quando eu disse isso – É você.
Ele levantou a cabeça e olhou para mim, confuso.
-- O que?
-- Você pediu para que eu escolhesse ficar com você ou com o Bono. Eu escolhi ficar com você. – como ele ainda parecia não ter entendido, resolvi explicar – Eu não quero que você vá embora. E eu gosto de você. Ainda gosto do Bono, claro, ele é lindo e tudo, mas ele é casado e eu acho que nem gosta de mim tanto assim. E eu não sou mais tão criança, eu sei que esse tipo de amor que eu tenho pelo Bono não é uma coisa tão extraordinária assim, enquanto o que eu sinto por você é completamente diferente, parece ser, sei lá, mais real do que...
Eu não pude terminar o que estava dizendo. Fui abraçada pelo meu primo com tal desespero que perdi o ar e achei que fosse sufocar. A respiração dele estava tão forte que eu não sabia se ele estava chorando ou se só estava muito feliz.
-- Você quer mesmo ficar comigo?
-- Claro que quero, seu idiota.
-- E você aceita namorar comigo?
-- Aceito. Você só tem que pensar em como a gente...
Mas ele me beijou, e eu não consegui falar mais nada por algum tempo.
* * * * *
Durante a primeira semana de namoro com meu primo, foi tudo muito bom e muito estranho. O mesmo sentimento de irrealidade que eu tivera no início do meu relacionamento com Bono, eu estava tendo agora, com meu primo; só que dessa vez era por um motivo um pouco diferente. Era estranho demais, quase incompreensível, que eu estivesse apaixonada por uma pessoa que eu conhecera durante a minha vida inteira. E ao mesmo tempo, talvez por isso mesmo, estava sendo uma das melhores experiências da minha vida.
Porém, depois de uma semana, aconteceu uma coisa que me deixou um pouco abalada: na volta da escola, peguei carona com Bono. Jordan e Eve estavam junto. Durante o caminho, Bono estava absolutamente normal, e me tratou da mesma forma que sempre me tratara, o que eu já esperava. O problema foi quando eu saí do carro.
Eu comecei a lembrar em como as coisas eram antes de acontecer qualquer coisa entre a gente.
Em como era bom simplesmente gostar dele, sem nenhuma esperança de que ele correspondesse.
E em como seria bom voltar no tempo e passar por tudo aquilo de novo.
Foi só aí que eu percebi que, pela primeira vez na vida, tinha perdido uma coisa muito importante. Tinha perdido um amor completamente inocente. Tinha perdido sentimentos e sensações que eu não sabia se um dia teria de novo. E entendi, naquela hora, que o que era triste não era o fim do meu caso com o Bono; o que era realmente triste era não sentir mais a expectativa de encontra-lo, ou ficar sonhando com um sorriso dele. Porque eu ainda era quase uma criança, e ter a pessoa que eu gostava segurando a minha mão ainda era algo muito mais incrível do que fazer sexo.
Pela primeira vez, eu achei que talvez eu fosse nova demais para ter feito tudo o que tinha feito.
E naquele dia, eu me tranquei no quarto e chorei por horas. Nem meu primo, nem meus pais, nem ninguém, foi capaz de me tirar de lá ou me fazer dizer o porquê de estar chorando.
* * * * *
Dois anos depois, eu me mudei para a Itália, onde fui fazer faculdade. Meu primo, que já tinha se formado há muito tempo, continuou em Dublin por um tempo, mas depois arrumou um jeito de ser transferido e foi morar perto de mim – mais especificamente, ao lado do apartamento que eu dividia com uma amiga. Nossos pais, obviamente, já sabiam do nosso namoro há muito tempo, e embora no início houvesse sido um choque, eles acabaram aceitando.
Jordan, que era mais nova, continuou em Dublin por um tempo ainda e depois se mudou para os Estados Unidos. Nós nos falamos pouco desde então, mas não perdemos completamente o contato.
Recentemente revimos Bono, durante a festa de aniversário de minha mãe. Estavam as famílias dele e minha lá, e inevitavelmente me lembrei daquela festa na escola, onde meu primo me beijou pela primeira vez. É uma lembrança divertida.
Percebi Bono me olhando durante a festa, e ele comentou que eu estava muito diferente. É óbvio que eu estava diferente: a última vez que nos vimos, eu não tinha nem vinte anos e tinha a experiência de vida de uma garotinha. E ele mudou também. Provavelmente, ele não faria hoje o que fez naquela época, não com uma menina tão nova.
Dizer que não sinto mais nada pelo Bono seria, claro, uma enorme mentira; mas hoje a única coisa que tenho vontade de fazer é sentar com ele e ficar horas e horas conversando sobre história, política e o sentido da vida – coisa que já fizemos algumas vezes desde então. Meu primo, ao contrário de antigamente, não tem nenhum problema com o (pouco) contato que tenho com Bono. Ele me conhece bem o suficiente para saber que Bono não representa mais nenhum perigo para nós.
Por falar em meu primo, seria lindo dizer que fomos felizes para sempre; mas as coisas não são tão simples. Tivemos altos e baixos e eu namorei com outras pessoas durante tempos em que ficamos separados. Mas voltamos, sempre acabamos voltando. Eu o amo muito; não sei se vamos ficar juntos para sempre, e na verdade, isso não me interessa. Desde que estejamos juntos hoje, não importa se estaremos juntos amanhã. Não tenho tanta experiência de vida assim, mas pelo que sei hoje, não existem amores perfeito nem felizes para sempre – o que existe é a felicidade imediata, e ela faz valer todos os momentos futuros. Mesmo que um dia tudo acabe, vai ter valido a pena viver a felicidade que passou.
E assim a vida segue para todos, como tem que ser.
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