AQUELA QUE O LEVARÁ
Havia chovido, então a rua estava molhada e o ar estava úmido. Havia pequenas poças pelo asfalto, refletindo a luz dos postes. Gabriel ia a pé, levando a bicicleta, cuja corrente quebrara. Passou ao lado do cemitério, e se deteve um instante para olhar.
Uma garota estava parada, de pé, em meio às lápides. Ela olhou para ele, e o olhar dos dois se encontrou.
Ela devia ter mais ou menos a idade dele. Era muito branca, tinha cabelos longos e usava roupas escuras. Mais do que isso ele não saberia dizer, por causa da pouca luz do outro lado do muro.
O muro baixo, que separava as lápides do mundo dos vivos.
Eles ficaram se olhando por quase um minuto completo. Então a garota voltou a olhar as lápides, e Gabriel seguiu seu caminho pela rua deserta.
* * * * *
Havia chovido, então a rua estava molhada e o ar estava úmido. Havia pequenas poças pelo asfalto, refletindo a luz dos postes. Gabriel pedalava a sua bicicleta, pela rua deserta que ao longe parecia brilhar. Ao passar ao lado do cemitério, ele parou a bicicleta e olhou.
A mesma garota estava sentada no muro do cemitério. Parecia esperar alguém.
Talvez esperasse por ele.
Agora, ao alcance da luz, ele podia vê-la melhor. Usava um vestido preto e estranho, era muito branca, e segurava uma enorme e ameaçadora foice.
A morte.
Ele sempre se perguntara de onde surgira aquela representação da morte com uma foice, mas ali estava ela. Só que não era um esqueleto usando um manto negro, e sim uma garota adolescente, de certa forma bonita, usando um vestido gótico.
Que estranha forma de morrer, ele pensou.
Porque se a morte estava ali diante dele, então aquele só podia ser seu fim.
Estranhamente, ele não pensou em fugir. Ficou parado diante dela, segurando a bicicleta. Esperando.
Aceitando.
Mas a garota não se moveu. Continuou apenas olhando para ele. Era assustadora em certas formas, e bela em outras. Uma garota sozinha na escuridão da noite, trazendo a morte consigo.
Nesse momento um homem se aproximou pela rua. Parecia bêbado, vinha falando sozinho e tropeçando em si mesmo. Gabriel olhou para o homem. A menina olhava para Gabriel.
Quando o homem estava muito perto, a menina se levantou. Era muito alta, mas a foice era ainda maior do que ela. Foi em direção ao bêbado, que cantarolava, parecendo incapaz de vê-la. E com um único movimento da foice, cortou fora sua cabeça.
Gabriel não se moveu, paralisado por fascínio e terror. A cabeça do homem caiu no chão, e só depois o corpo caiu também. Uma quantidade considerável de sangue vazou do corpo e escorreu pelos paralelepípedos molhados, formando uma mancha vermelho-escura.
A garota voltou-se para ele.
Gabriel ainda pensou que o medo seria um sentimento bastante razoável de se sentir naquele momento. Mas tudo o que sentia era uma enorme fascinação pela garota pálida à sua frente, com sua foice prateada e seus olhos tranquilos.
Lentamente, ela se aproximou dele. Mas ao invés de ataca-lo, ficou apenas parada, a poucos passos de distância.
— Você não sente medo?
A voz dela era como um sopro frio na noite. Ele sentiu um arrepio ao ouvi-la.
— Não.
— Eu vou te matar.
— Eu sei. - ele largou a bicicleta, e ela caiu no chão - Mas eu não sinto medo de morrer por suas mãos.
Os dois ficaram se olhando por um longo tempo. Então ela lhe deu as costas, e foi novamente em direção ao cemitério. Pulou o muro baixo, e desapareceu na escuridão da noite.
* * * * *
Havia chovido, então a rua estava molhada e o ar estava úmido. Havia pequenas poças pelo asfalto, refletindo a luz dos postes. Gabriel ia a pé pela rua deserta. Parou diante do muro do cemitério, e ali ficou, esperando. Não havia ninguém ali daquela vez.
Após alguns minutos, a garota apareceu.
Dessa vez, não veio de dentro do cemitério. Surgiu no meio da rua, em meio a um redemoinho de névoa, e não carregava sua foice. A chuva fina recomeçou a cair, criando cristais dourados em seus cabelos. Gabriel se aproximou dela.
— Qual é o seu nome?
— Eu não tenho nome. - a mesma voz que era como um sopro.
— Você é um fantasma?
— Não.
— Você é a morte?
— A morte não é uma pessoa, para que eu possa ser ela. Mas eu a carrego comigo.
— Por que você mata pessoas?
— Porque sinto fome.
— Você é o que?
— Sou alguém que traz a morte ao mundo.
— Você é humana?
— Sim. - ela pareceu hesitar - Ou era, há muito tempo atrás.
Os dois ficaram em silêncio, se olhando. Ela parecia se tornar mais humana quanto mais ele olhava para ela.
— Eu posso tocar em você? - ele disse.
Ela demorou a responder.
— Ninguém nunca tocou em mim.
— Se eu te tocar, eu vou morrer?
— Não sei.
Lentamente, ele estendeu a mão e tocou no rosto dela. Ele esperava encontrar uma pele fria como gelo; mas ela tinha um calor suave, por baixo das gotas frias de chuva.
Mas quando ele se aproximou mais, ela desapareceu. Tudo o que restou foi o fantasma de seu calor, que desapareceu instantes depois.
* * * * *
Havia chovido, então a rua estava molhada e o ar estava úmido. Havia pequenas poças pelo asfalto, refletindo a luz dos postes. Gabriel estava sentado no muro do cemitério, esperando.
Mas quem apareceu não foi a garota. Foi um homem.
Ele era alto, e pálido como um cadáver. Sua roupa também era preta, e ao contrário da garota, tudo o que havia nele era assustador.
Gabriel se levantou depressa. Aquela pessoa claramente não era humana.
— Olá, Gabriel. - ele disse, e sua voz era de uma frieza de túmulo - Esperando alguém?
O rapaz não respondeu. Ficou parado, olhando para o homem. Sentia que, se desviasse o olhar ou corresse, seria seu fim.
— Você parece assustado. - o homem se aproximou - Gostou de tocar na sua amiga ontem? - ele estendeu a mão - Por que não me toca também, para ver o que acontece?
De alguma forma, Gabriel sabia que um toque daquela pessoa era mais mortal do que a foice que a garota usava. Mas não recuou, mesmo quando a mão se aproximou dele.
E então, outra mão, menor e não tão branca, segurou o braço que se aproximava. A mão da garota.
Ela surgira ali ao seu lado, e segurara o braço do homem antes que tocasse em Gabriel. Os dois se olharam de forma fria.
— Olá, minha criança. Vim cumprimentar o seu amigo.
— Vá embora.
— E o que você pensa em fazer com ele?
— Vá embora. Agora.
O homem suspirou, e acabou por se afastar.
— É assim. Nós criamos as crianças, e depois que crescem, elas esquecem tudo o que fizemos por elas. - ele lhes deu as costas e saiu andando pela rua - Você ainda vai precisar muito de mim, minha pequena.
E então ele desapareceu. Os dois ficaram sozinhos ali.
— Ele... É seu pai?
— Não.
— É seu chefe?
— Não. Ou talvez, de certa forma, seja.
Os dois ficaram em silêncio. A garota o olhava.
— Eu preciso matar você.
— Eu sei.
— Eu devia ter te matado desde a primeira vez que você me viu.
— Eu sei.
— Não está em meu poder escolher.
— Tudo bem.
Novamente, o silêncio. Ela fez um gesto, e a foice surgiu em sua mão. Mas então uma névoa a envolveu, e ela se transformou em uma pequena faca prateada.
— Vai doer? - ele perguntou.
— Não.
Ela se aproximou dele, e dessa vez foi ela a lhe tocar o rosto, da mesma forma suave que ele fizera da outra vez. Ele retribuiu o toque, e pensou ver lágrimas prateadas surgirem no canto dos olhos dela.
— Foi bom conhecer você. - ele falou. Queria que ela soubesse disso.
E pela primeira vez, ele a viu sorrir. Um sorriso suave, tímido, mas sincero. Então ela se aproximou e tocou seus lábios nos dele, suavemente; e o calor macio que vinha dela conseguiu tornar insignificante o frio da lâmina em seu peito. E no segundo seguinte, ele já não existia.
A garota deitou o corpo dele no chão, sobre as pedras úmidas do calçamento. Uma lágrima caiu de seus olhos sobre ele. Era a primeira vez que ela via lágrimas em si mesma.
Com um último olhar para o rosto dele, ela desapareceu.
A morte.
Ele sempre se perguntara de onde surgira aquela representação da morte com uma foice, mas ali estava ela. Só que não era um esqueleto usando um manto negro, e sim uma garota adolescente, de certa forma bonita, usando um vestido gótico.
Que estranha forma de morrer, ele pensou.
Porque se a morte estava ali diante dele, então aquele só podia ser seu fim.
Estranhamente, ele não pensou em fugir. Ficou parado diante dela, segurando a bicicleta. Esperando.
Aceitando.
Mas a garota não se moveu. Continuou apenas olhando para ele. Era assustadora em certas formas, e bela em outras. Uma garota sozinha na escuridão da noite, trazendo a morte consigo.
Nesse momento um homem se aproximou pela rua. Parecia bêbado, vinha falando sozinho e tropeçando em si mesmo. Gabriel olhou para o homem. A menina olhava para Gabriel.
Quando o homem estava muito perto, a menina se levantou. Era muito alta, mas a foice era ainda maior do que ela. Foi em direção ao bêbado, que cantarolava, parecendo incapaz de vê-la. E com um único movimento da foice, cortou fora sua cabeça.
Gabriel não se moveu, paralisado por fascínio e terror. A cabeça do homem caiu no chão, e só depois o corpo caiu também. Uma quantidade considerável de sangue vazou do corpo e escorreu pelos paralelepípedos molhados, formando uma mancha vermelho-escura.
A garota voltou-se para ele.
Gabriel ainda pensou que o medo seria um sentimento bastante razoável de se sentir naquele momento. Mas tudo o que sentia era uma enorme fascinação pela garota pálida à sua frente, com sua foice prateada e seus olhos tranquilos.
Lentamente, ela se aproximou dele. Mas ao invés de ataca-lo, ficou apenas parada, a poucos passos de distância.
— Você não sente medo?
A voz dela era como um sopro frio na noite. Ele sentiu um arrepio ao ouvi-la.
— Não.
— Eu vou te matar.
— Eu sei. - ele largou a bicicleta, e ela caiu no chão - Mas eu não sinto medo de morrer por suas mãos.
Os dois ficaram se olhando por um longo tempo. Então ela lhe deu as costas, e foi novamente em direção ao cemitério. Pulou o muro baixo, e desapareceu na escuridão da noite.
* * * * *
Havia chovido, então a rua estava molhada e o ar estava úmido. Havia pequenas poças pelo asfalto, refletindo a luz dos postes. Gabriel ia a pé pela rua deserta. Parou diante do muro do cemitério, e ali ficou, esperando. Não havia ninguém ali daquela vez.
Após alguns minutos, a garota apareceu.
Dessa vez, não veio de dentro do cemitério. Surgiu no meio da rua, em meio a um redemoinho de névoa, e não carregava sua foice. A chuva fina recomeçou a cair, criando cristais dourados em seus cabelos. Gabriel se aproximou dela.
— Qual é o seu nome?
— Eu não tenho nome. - a mesma voz que era como um sopro.
— Você é um fantasma?
— Não.
— Você é a morte?
— A morte não é uma pessoa, para que eu possa ser ela. Mas eu a carrego comigo.
— Por que você mata pessoas?
— Porque sinto fome.
— Você é o que?
— Sou alguém que traz a morte ao mundo.
— Você é humana?
— Sim. - ela pareceu hesitar - Ou era, há muito tempo atrás.
Os dois ficaram em silêncio, se olhando. Ela parecia se tornar mais humana quanto mais ele olhava para ela.
— Eu posso tocar em você? - ele disse.
Ela demorou a responder.
— Ninguém nunca tocou em mim.
— Se eu te tocar, eu vou morrer?
— Não sei.
Lentamente, ele estendeu a mão e tocou no rosto dela. Ele esperava encontrar uma pele fria como gelo; mas ela tinha um calor suave, por baixo das gotas frias de chuva.
Mas quando ele se aproximou mais, ela desapareceu. Tudo o que restou foi o fantasma de seu calor, que desapareceu instantes depois.
* * * * *
Havia chovido, então a rua estava molhada e o ar estava úmido. Havia pequenas poças pelo asfalto, refletindo a luz dos postes. Gabriel estava sentado no muro do cemitério, esperando.
Mas quem apareceu não foi a garota. Foi um homem.
Ele era alto, e pálido como um cadáver. Sua roupa também era preta, e ao contrário da garota, tudo o que havia nele era assustador.
Gabriel se levantou depressa. Aquela pessoa claramente não era humana.
— Olá, Gabriel. - ele disse, e sua voz era de uma frieza de túmulo - Esperando alguém?
O rapaz não respondeu. Ficou parado, olhando para o homem. Sentia que, se desviasse o olhar ou corresse, seria seu fim.
— Você parece assustado. - o homem se aproximou - Gostou de tocar na sua amiga ontem? - ele estendeu a mão - Por que não me toca também, para ver o que acontece?
De alguma forma, Gabriel sabia que um toque daquela pessoa era mais mortal do que a foice que a garota usava. Mas não recuou, mesmo quando a mão se aproximou dele.
E então, outra mão, menor e não tão branca, segurou o braço que se aproximava. A mão da garota.
Ela surgira ali ao seu lado, e segurara o braço do homem antes que tocasse em Gabriel. Os dois se olharam de forma fria.
— Olá, minha criança. Vim cumprimentar o seu amigo.
— Vá embora.
— E o que você pensa em fazer com ele?
— Vá embora. Agora.
O homem suspirou, e acabou por se afastar.
— É assim. Nós criamos as crianças, e depois que crescem, elas esquecem tudo o que fizemos por elas. - ele lhes deu as costas e saiu andando pela rua - Você ainda vai precisar muito de mim, minha pequena.
E então ele desapareceu. Os dois ficaram sozinhos ali.
— Ele... É seu pai?
— Não.
— É seu chefe?
— Não. Ou talvez, de certa forma, seja.
Os dois ficaram em silêncio. A garota o olhava.
— Eu preciso matar você.
— Eu sei.
— Eu devia ter te matado desde a primeira vez que você me viu.
— Eu sei.
— Não está em meu poder escolher.
— Tudo bem.
Novamente, o silêncio. Ela fez um gesto, e a foice surgiu em sua mão. Mas então uma névoa a envolveu, e ela se transformou em uma pequena faca prateada.
— Vai doer? - ele perguntou.
— Não.
Ela se aproximou dele, e dessa vez foi ela a lhe tocar o rosto, da mesma forma suave que ele fizera da outra vez. Ele retribuiu o toque, e pensou ver lágrimas prateadas surgirem no canto dos olhos dela.
— Foi bom conhecer você. - ele falou. Queria que ela soubesse disso.
E pela primeira vez, ele a viu sorrir. Um sorriso suave, tímido, mas sincero. Então ela se aproximou e tocou seus lábios nos dele, suavemente; e o calor macio que vinha dela conseguiu tornar insignificante o frio da lâmina em seu peito. E no segundo seguinte, ele já não existia.
A garota deitou o corpo dele no chão, sobre as pedras úmidas do calçamento. Uma lágrima caiu de seus olhos sobre ele. Era a primeira vez que ela via lágrimas em si mesma.
Com um último olhar para o rosto dele, ela desapareceu.
SOBRE A HISTÓRIA
Esse conto faz parte de uma série de contos sobre essa menina-morte, embora um não necessariamente tenha relação com o outro. Os outros dois contos já publicados dessa série são Pequena Morte e Caçadores de Chuva.
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Essa é a semana de aniversário de 6 anos desse blog! Em comemoração a esses tantos anos de contos malucos e fanfics pornográficas, estou publicando um post por dia, todos os dias. Esse foi o último post dessa semana de aniversário, espero que todos tenham gostado!
* * * * *
É gente, por incrível que pareça, o Contos de Vitoria completa mais um ano!
Eu comecei esse blog apenas como um "laboratório de escrita", por assim dizer - e de certa forma, é o que ele é até hoje. Nunca esperei que alguém fosse se interessar em ler, muito menos que fossem ficar esperando que eu publicasse alguma coisa. Por isso, o fato de eu ter milhares de visualizações de página todos os anos, e algumas centenas todos os meses, me surpreende e me alegra muito. Principalmente levando-se em conta o tipo de coisa que eu escrevo, o tempo que eu passo sem escrever, e a qualidade instável do material publicado (não leiam minhas poesias, por favor).
Muito obrigada a todos os que leem, gostam, não gostam, releem, pedem fanfics, reclamam e me mandam sugestões. Vocês moram no meu coração =)
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