terça-feira, 3 de agosto de 2010

[fanfic #003] [capítulo #014] [U2] As Terras do Norte - Nas Terras do Norte


AS TERRAS DO NORTE

CAPÍTULO 14
NAS TERRAS DO NORTE
“One love
One blood
One life, you got
To do what you should”
(U2 - One)

     Naquele dia, seria comunicado oficialmente o casamento de Glory e Bono. Também seria decidido tudo a respeito da viagem para as Terras do Norte, que aconteceria dali a dois dias. No momento da cerimônia, todos os nobres e cavaleiros do reino estavam reunidos na sala do trono, assim como os súditos privilegiados. Os reis Artur e Hewson ocupavam os tronos principais; Glory e Bono estavam em lados opostos, ocupando os tronos destinados aos príncipes. Era muito estranho para Glory ver Bono sentado em um trono; ela ainda demoraria para se acostumar.
     -- Que o prisioneiro David Evans se aproxime. - Artur ordenou, e os guardas levaram Dave para frente dos reis. Ele fez uma reverência, respeitoso, e Artur continuou – Seu destino será decidido por Sua Majestade, príncipe Paul Hewson.
     Todas as atenções se voltaram para Bono, que parecia estar um pouco entediado com aquela cerimônia.
     -- David Evans – ele disse – como príncipe herdeiro da Bretanha, eu decido que você deverá ir conosco para as Terras do Norte, onde deverá ser condecorado cavaleiro imperial.
     -- O que!? - disseram Glory e Dave, e tanto Artur quanto Hewson também olharam surpresos.
     -- Você será nomeado cavaleiro de confiança – Bono continuou, indiferente à surpresa de todos os outros – e deverá ficar sempre próximo a mim e à princesa. Receberá novamente o título de sir e será nosso cavaleiro.
     David ficou olhando para Bono, tentando descobrir se ele estava brincando ou não. Hewson disse:
     -- Se assim deseja, assim será. Pode se retirar, senhor Evans.
     -- O-obrigado. - David murmurou, atordoado, e saiu, escoltado pelos guardas.
     -- Atendendo ao pedido de minha filha – disse Artur – eu lhe darei alguns criados, que irão com ela para as Terras do Norte. Deverão ir: o servo Christian, hoje servo do palácio e responsável pelos jardins; sir Michaell, cavaleiro, e sua esposa Hally, dama de companhia. - Glory cochichou algo para Artur, que hesitou, mas acabou consentindo – Irão também toda a família do prisioneiro David Evans, sendo estes: senhorita Gillian Evans, camponesa; sir Richard Evans, cavaleiro; e senhor e senhora Evans, camponeses.
     Hally e Christian se abraçavam e davam pulos de felicidade, enquanto sir Michaell era cumprimentado pelos outros cavaleiros e pelos nobres. Dick abriu espaço entre as pessoas para chegar até David, e o abraçou com certo desespero, enquanto o outro ainda estava atordoado.
     -- O casamento será celebrado daqui a um mês, nas Terras do Norte. - disse Hewson – A viagem será daqui a dois dias, e a comitiva deverá demorar cerca de quinze dias.
     -- Que o noivo receba o dote. - disse Artur, e os criados entraram no salão carregando uma enorme arca cheia de ouro e pedras preciosas, que colocaram diante do trono – Que isso seja o equivalente ao valor de minha filha.
     -- Vossa filha vale mais do que todas as riquezas do mundo, alteza. - ao contrário da maioria ali, Bono não estava nem um pouco interessado no tesouro à sua frente – Eu agradeço o dote e a mão dela.
     -- Que o casamento seja realizado com sucesso. - disse Hewson – Está encerrada a cerimônia.
* * * * *

     O balançar da carruagem estava deixando Glory enjoada. Hally percebera, e pedira novamente para que parassem, para que a princesa pudesse se recuperar.
     -- Qual o problema? - disse Bono, abrindo a porta da carruagem – Não se sente bem?
     -- Não... - ela murmurou, com a mão na barriga – Estou enjoada...
     -- Já paramos demais, Glory, estamos nos atrasando. Em breve vai escurecer e teremos que montar acampamento, ou pelo menos diminuir a marcha.
     -- Sinto que vou vomitar assim que voltarmos a andar.
     -- Vou chamar a curandeira. Ela deve saber algo para diminuir o enjôo.
     Ele foi buscar uma mulher baixa, de meia idade, que vinha trazendo uma sacola com várias ervas. A deixou cuidando de Glory e voltou para sua carruagem.
     -- Como ela está? - disse Dave, que estava sentado, esperando por ele.
     -- Está ótima. É só um enjôo de gravidez, nada demais. - ele pegou um pouco de água e bebeu, em seguida oferecendo para Dave – A curandeira está cuidando dela.
     Naquela carruagem, estavam viajando apenas Bono e Dave. Logo atrás, vinha a carruagem que trazia Glory e Hally. Gill, os pais de Dave e Christian vinham em outra carruagem, mais para trás. Sir Michaell, Dick e dezenas de outros cavaleiros acompanhavam a comitiva montados em seus próprios cavalos. Havia mais duas carruagens, com criados. E na frente, vinha a carruagem do rei Hewson, acompanhado de dois cavaleiros e um criado.
     -- Por que está fazendo isso? - disse Dave, depois que eles voltaram a andar – Porque me trouxe com vocês?
     -- Não gostou de ser trago? Pode ir embora se quiser.
     -- Claro que gostei. Você é que não devia querer. Não devia me deixar chegar tão perto de Glory.
     -- Só quero que Glory seja feliz, cavaleiro. Você é ingênuo demais para perceber a dimensão dos meus atos. Ah – ele sorriu de forma arrogante – e me chame de “Vossa Alteza”.
     -- Prefiro ser jogado para fora dessa carruagem do que te chamar assim. O máximo que me permito é te chamar de “senhor”.
     -- Estou brincando, meu caro. Não me importo com títulos ou pronomes de tratamento. - ele parecia estar se divertindo – Mudando de assunto, me fale sobre Christian.
     -- O que tem ele?
     -- Por que um simples criado é tão próximo à Glory?
     -- Não sei. Os dois têm quase a mesma idade, ele foi criado no palácio. Lembro que eles brincavam juntos, se tornaram amigos. Mas não se preocupe, ele não tem nenhuma intenção com ela.
     -- Sei que não. Eles são irmãos?
     Dave ficou um pouco sem jeito. Aquele assunto era proibido dentro do palácio.
     -- Não sei.
     -- Tenho certeza de que sabe.
     -- Acho que ninguém sabe ao certo. A mãe de Christian era uma empregada do palácio, e não era casada. Ela morreu no parto e o rei o acolheu.
     -- Ela era próxima do rei?
     -- Eu era muito novo na época. E esse assunto é um tabu enorme no palácio. Mas aconteceu alguma coisa, eu não sei o que é. Talvez meu irmão saiba melhor sobre isso, embora nunca tenha falado.
     -- Os dois sabem? Glory e Christian?
     -- Não sei, nunca perguntei. Ela o chama de “irmãozinho”, mas não sei se é só afeto ou se ela desconfia de alguma coisa. O garoto parece ser totalmente inocente.
     -- Não existe ninguém totalmente inocente.
     -- Você não conhece Christian. Além disso, ele só tem treze anos. Mas por que você quer saber isso?
     -- Por nada, só curiosidade. Ele vai ser servo do palácio, e gosto de saber mais sobre as pessoas à minha volta. Além disso, ele é muito próximo de Glory. – ele ficou um tempo em silêncio, pensando – Sabe se ele tem pretensões de se tornar cavaleiro?
     -- Christian? - Dave riu – Nunca. Tem medo até de usar a faca da cozinha. O que ele mais gosta de fazer é cuidar de flores e de bichos pequenos.
     -- Ele é do tipo que nunca se casaria?
     -- Como assim?
     -- Você sabe. Já deve ter visto isso. O tipo de garoto que é muito bem vindo como acompanhante de cavaleiros ou em um navio de guerra.
     -- Você diz... Não, não... Ora, ele é muito novo. Nem sabe que existem essas coisas. Não, Christian só é... Gentil demais, inocente demais. Uma criança, como eu disse. Não o veja com maus olhos, ele é um ótimo rapaz.
     -- Imagino. Mas não posso deixar de pensar que ele é muito estranho.
* * * * *

     A viagem já estava na metade. Naquela noite, eles resolveram parar, para que os cavalos pudessem descansar e os viajantes pudessem dormir de forma mais confortável. Armaram o acampamento em uma parte do caminho não muito distante de um rio, e ali ficaram. Os criados dormiam todos no mesmo lugar, uma grande tenda, e os cavaleiros que não estavam de vigília também dormiam todos em uma outra tenda. Glory, Bono e o rei tinham uma tenda exclusiva para cada um.
     Logo que anoiteceu, todos se retiraram para seus respectivos dormitórios, enquanto os cavaleiros que ficariam de guarda tomavam suas posições. Mas Dave, embora não estivesse a serviço como cavaleiro, não dormiu. Ficou sentado sobre uma pedra, em um lugar um pouco afastado das tendas, e de lá ficou olhando o céu. Aquela noite era de lua cheia.
     Ele não sabia o que fazer. Não podia procurar Glory, seria suicídio. Havia outras mulheres ali, e com certeza várias delas o aceitariam sem resistência, mas ele não queria isso. E não podia matar ninguém. Estava perdido.
     Mal começara a sentir os efeitos da lua cheia – o corpo mais quente, os desejos sombrios, a presença maligna ao seu redor – quando Bono apareceu, montado em um cavalo e trazendo outro cavalo consigo.
     -- Bono? - Dave se levantou.
     -- Suba. - ele lhe entregou o outro cavalo.
     -- O que...
     -- Apenas me obedeça. Depressa, não quero que nos vejam.
     Um pouco desconfiado, Dave montou no cavalo. Bono fez um sinal para que ele o seguisse, e os dois adentraram a floresta. Cavalgaram no escuro por algum tempo, até que as luzes do acampamento já não fossem visíveis,
     -- Para aonde estamos indo? - disse Dave.
     -- Para um lugar em que poderei salvar sua vida. - disse Bono – Não quero que aconteça aqui o mesmo que aconteceu daquela vez.
     -- Mas como...
     Antes que a pergunta fosse feita, eles pararam. Bono trazia uma tocha consigo, e a luz iluminou duas pessoas sentadas no chão, amarradas cada uma em uma árvore. A primeira era uma garota, e a segunda era um menino. Os dois pareciam aterrorizados.
     -- O que é isso?
     -- Isso é o seu sacrifício. - disse Bono – E você ainda poderá se dar ao luxo de escolher. Prefere se deitar com a garota, ou matar o menino?
     -- São crianças! Não posso fazer isso, eles... Olhe para eles! Não devem ter nem doze anos!
     -- Realmente não têm, mas é sua única opção. São filhos de uma mulher condenada por bruxaria. Escolha, não temos muito tempo. A lua já está alta no céu.
     Era verdade; Dave sentia o corpo latejar, um desejo por amor e por sangue que ele não era capaz de explicar começava a tomar seu raciocínio.
     -- Escolha, cavaleiro. - disse Bono, olhando indiferente para as crianças, que estavam aterrorizadas – Pode se deitar com a menina, ou pode sacrificar o menino. O que você prefere?
     -- Não posso me deitar com ela. Olhe para ela, sequer tem seios!
     -- É uma mulher. A maldição não define a idade.
     -- Sim, mas... Não posso fazer isso. Pelo mesmo motivo que não procurei nenhuma das mulheres no acampamento. Seria trair Glory, eu não posso. Já tive que fazer isso outras vezes, ela não me perdoaria novamente.
     -- Então, mate o menino.
     -- Mas...
     -- Você tem que fazer uma escolha. Use os motivos que preferir para justificá-la, mas faça-a.
     Dave olhou novamente para as crianças, que agora choravam. Ainda hesitou, mas a lua chegou ao seu ponto mais alto no céu, e ele perdeu o controle; precisava daquilo, imediatamente. Desceu do cavalo e foi até as crianças, que se afastaram o máximo possível. Analisou as duas: a menina era linda, apesar do rosto queimado de sol e das roupas simples; o menino também era muito bonito, e apesar de pequeno tinha porte e força, provavelmente poderia até ser aceito como cavaleiro quando chegasse à idade. Ele se concentrou em Glory, e a única coisa que ainda podia pensar era que não podia traí-la.
     -- O menino. - ele disse, e sua voz começava a mudar, aquela voz que não era a sua – Eu quero o menino.
     -- Por quê? - disse Bono, descendo do cavalo e se juntando a ele.
     -- Não posso trair Glory.
     -- Muito bem. - ele sorriu e foi até a menina – Eu fico com a melhor parte.
     Ele tocou no rosto da menina, que se encolheu junto à arvore. Dave olhou para ele.
     -- O que vai fazer com ela?
     -- Não se preocupe comigo, cavaleiro, preocupe-se com você. Faça logo o que veio fazer.
     Por um momento Dave pensou em protestar, mas não podia demorar mais. Puxou a espada e a apontou para o menino, que chorava, encolhido. Dave levantou a espada, mas quando a desceu, mirando o pescoço do garoto, outra espada surgiu de repente e bloqueou o golpe. Ele olhou, surpreso, para Bono, que tinha sua espada nas mãos e um sorriso nos lábios.
     -- Por que fez isso? - disse Dave, desesperado. Podia sentir os demônios tentando tomar seu corpo.
     -- Muito bem. - Bono apontava a espada para ele, por segurança – Você passou no teste.
     -- Teste...?
     -- Eu queria saber o que era maior, cavaleiro. Se sua bondade, seu desejo de viver, ou seu amor por Glory. E você acaba de me mostrar que não existe nada que supere seu amor pela nossa princesa. Você tem minha permissão para ir vê-la esta noite.
     -- O... O que?
     -- Vá até a tenda em que ela está e faça o que tem que fazer. Mas tome cuidado para que ninguém o veja, ou terei que te matar para limpar minha honra. Agora vá.
     Aturdido, Dave guardou a espada e montou em seu cavalo. Queria fazer dezenas de perguntas, mas quase não podia pensar, e estava ficando quase impossível manter o controle. Olhou uma última vez para Bono e para as crianças, e disse:
     -- E as crianças?
     -- Não se preocupe. - ele abraçou os dois, que ainda pareciam muito assustados – Eles vão ficar bem.
     Dave tinha a impressão de que aquilo não era verdade, mas não podia mais se deter. Saiu cavalgando a toda velocidade, até chegar ao acampamento. Certificou-se de que não havia ninguém olhando, e entrou na tenda de Glory. A menina já estava deitada, mas não dormia.
     -- Glory?
     -- Dave!? - ela se sentou na cama – O que...
     Antes que ela pudesse perguntar qualquer coisa, ele praticamente se jogou sobre ela e a beijou. Ela correspondeu, assustada, e então conseguiu afastá-lo e disse:
     -- Mas Bono...
     -- Ele deixou. - ele já se livrava de suas roupas – Ele permite.
     -- O que?
     Mas ele voltou a beijá-la, e ela não pôde perguntar mais nada naquela noite.
* * * * *

     Glory ainda dormia quando David saiu da tenda. Lamentava que não pudesse se despedir adequadamente, mas não queria acordá-la tão cedo, e não podia correr o risco de que alguém o visse. Apesar de dois cavaleiros estarem fazendo a guarda ali perto, ele conseguiu sair sem que o vissem, e foi em direção a sua própria tenda, que era a mesma dos outros cavaleiros. Porém, antes que lá chegasse, encontrou Bono, que estava sentado em uma pedra, parecendo estar à sua espera.
     -- Bom dia, The Edge. - disse Bono, brincando com uma adaga – Como foi?
     -- Bom dia. - Dave estava muito sem jeito – Bem, eu estou vivo.
     -- Como Glory reagiu?
     -- Ela ficou um pouco assustada, mas... Depois eu expliquei que você tinha permitido, e ela achou estranho, mas aceitou.
     -- Que bom. Pelo menos, evitamos um massacre aqui.
     -- Por que você fez isso? Podia ter me deixado matar o menino. Por que me deu Glory?
     -- Eu tenho meus motivos, cavaleiro. Não tente entendê-los, está além da sua capacidade.
     Dave estava incomodado com aquilo; tinha certeza de que Bono não fizera aquilo sem estar esperando ganhar algo em troca. Mas não queria insistir naquele assunto, e ia continuar o caminho para sua tenda, quando de repente se lembrou de algo, e parou.
     -- O que fez com as crianças?
     -- O que?
     -- As crianças. - Dave se voltou novamente para ele – O que fez com elas?
     -- Ah, claro. As crianças. - Bono riu – Não se preocupe. Elas já estão na aldeia, em um lugar seguro, com alguém que irá cuidar delas.
     -- Mas você... Não fez nada com elas, não é?
     Demorou um pouco para que Bono respondesse, e ele tinha um ar malicioso quando o fez.
     -- O que está querendo saber é se violentei só a menina ou resolvi experimentar o menino também?
     -- O... O que!? - ele avançou para Bono e o segurou pela camisa – V-você... Você não fez isso, não fez...
     -- Tudo tem seu preço, cavaleiro. Elas estão vivas, e devia agradecer por isso.
     -- Eram crianças!
     -- E continuam sendo. Lindas crianças, aliás. A menina tinha um cheiro maravilhoso...
     -- Você é doente! - ele puxou sua adaga e apontou para Bono – Monstro!
     -- Vá com calma, cavaleiro. Eu permiti que você vivesse, mas posso mudar de idéia a qualquer momento.
     Dave acabou o soltando e se afastou. Não podia atacar Bono, seria suicídio.
     -- Que Deus tenha piedade de sua alma. - ele disse, o ódio brilhando em seus olhos.
     -- Ora, vamos. - Bono parecia estar se divertindo – Não foi tão ruim. Eu não as machuquei, juro. Bom, talvez tenha machucado um pouco... Mas podia ter sido muito pior. E se não fosse eu, seria qualquer outro. Duas crianças pequenas, sozinhas no mundo. O que acha que vai acontecer com elas?
     -- Não importa. As chances eram pequenas, mas elas podiam ter sorte, ter um destino melhor. Você as condenou para sempre.
     -- Isso acontece todo dia, The Edge. Com crianças bem mais novas do que aquelas. Você está tomando as dores daquelas duas porque as viu, mas tenho certeza que ao seu lado já aconteceram coisas muito piores, e você sequer soube. Ou você acha que durante as expedições, quando você e sua tropa de cavaleiros paravam em alguma vila para descansar, as pessoas ficavam felizes pela chegada dos cavaleiros do rei? Elas têm medo, e não é um medo sem motivo. Nenhuma mulher ou criança pode dormir em paz enquanto há cavaleiros na cidade.
     -- Nenhum companheiro meu jamais fez tal monstruosidade.
     -- Tem certeza? Apostaria sua vida nisso? - Bono riu – Pergunte ao seu irmão. Ele parece não ser tão ingênuo quanto você.
     Bono se levantou, ainda rindo, e seguiu para sua tenda. Dave ficou algum tempo ali, e então foi para a outra tenda. Pensando na vida a que Glory estaria condenada quando se casasse com Bono.
* * * * *

     Glory se olhava no espelho, enquanto Hally e uma dúzia de criadas arrumavam seu vestido, seus cabelos, tudo para que ela estivesse perfeita. O casamento seria dali a algumas horas.
     Quando já estava tudo pronto, Hally e as outras damas do palácio ficaram fazendo Glory dar voltas e voltas pelo quarto, ajeitando aqui e ali, tirando um diamante de um lado e colocando um rubi em outro. Nesse momento bateram na porta, e quando ela se abriu, Dave surgiu.
     Ele estava usando os trajes de gala dos cavaleiros imperiais, e Glory nunca o vira tão bonito. Ele, por sua vez, olhava encantado para ela. Houve um momento de silêncio, até que ele disse:
     -- Saiam. Devo falar a sós com a princesa.
     As damas se olharam. Em hipótese alguma, um homem devia ficar a sós com a princesa em seu quarto, muito menos no dia do seu casamento.
     -- Tenho permissão para estar aqui. - ele disse, como se lesse o pensamento delas – Hally, pode ficar para nos vigiar.
     -- Vão. - disse Glory, e as mulheres saíram. Ficaram apenas Glory, Dave e Hally.
     -- Hally – disse Dave, entrando no quarto e fechando a porta – espere no outro quarto. Preciso ficar a sós com Glory.
     -- Ai, meu Deus... - disse Hally, olhando de um para o outro – Sir Evans, se o príncipe te vir aqui...
     -- Não se preocupe, eu me entendo com ele. Agora, vá.
     Ainda preocupada, Hally acabou se retirando para o quarto anexo ao quarto de Glory, que ocupava. Quando a porta foi fechada, Dave se aproximou de Glory, dizendo:
     -- Você está linda, Glory. Está parecendo uma santa.
     -- Você é que devia ser meu noivo, Dave. - ela segurou as mãos dele – Esse devia ser o nosso casamento.
     -- Não pense no que não foi, princesa. - ele a abraçou – Você vai se casar com um príncipe, como devia ser. Deve aceitar seu destino.
     -- Nunca vou aceitar. - ela estava chorando – Quando Bono vier, essa noite, eu não vou deixar ele me tocar. Ele não vai encostar em mim, nem que eu tenha que me atirar pela janela.
     -- Glory – ele a afastou e olhou em seus olhos – você não deve resistir a ele. Ele será seu marido, e terá o direito. Se fugir, será pior.
     -- Vai aceitar que outro homem toque em mim, Dave? Você devia lutar contra ele!
     -- Só conseguiria ser morto de novo e trazer mais problemas para você. Me escute – ele a fez se sentar em uma cadeira, e se sentou de frente para ela – eu vim aqui porque preciso te contar uma coisa.
     -- O que?
     -- Ontem à noite, Bono foi ao meu quarto. Ele queria conversar comigo.
     -- Conversar o que?
     -- Ele me fez uma proposta. E eu aceitei.
     -- Que proposta?
     -- Ele quer que você não resista a ele. Que ele tenha o que é dele por direito. Pediu para que eu conversasse com você, que te convencesse a não tentar fugir dele. E em troca – ele parecia envergonhado por dizer aquilo – em troca eu vou poder ter você também.
     -- Ahm? Como assim?
     -- Ele não vai te procurar todas as noites. Afinal, ele tem outras mulheres, e como futuro rei, irá viajar muito... E, quando ele não estiver aqui... Ou mesmo quando estiver, mas não precisar de você... Eu poderei ir ao seu quarto, e poderemos nos amar.
     -- M-mas... Então eu vou me deitar alguns dias com ele, e outros dias com você?
     -- Isso.
     -- Mas Dave! Eu não posso fazer uma coisa dessas! Estaria agindo como uma... Uma meretriz!
     -- Não, não, Glory. - ele chegou mais perto – Não seria assim. Seria como... Como se Bono fosse seu marido, e eu fosse seu amante, mas sem o perigo de que ele tente nos matar caso descubra. E eu sei que não é o que nós queríamos, mas a outra opção é que você tenha que aceitar ele todas as noites e nunca mais possamos nos tocar. O que você prefere?
     Glory estava inconformada. Aquilo era completamente contra qualquer princípio que tivesse. Mas, se fosse a única forma de continuar com Dave...
     -- Eu estou com medo...
     -- Eu sei. - ele a abraçou e beijou seus cabelos – Mas depois você vai ver que não é tão terrível assim. E eu conversei com Bono, e ele jurou que será um bom marido pra você.
     -- O único que seria um bom marido para mim é você.
     -- Mas acho que ele gosta de você, e não vai te machucar. Por favor, meu amor, não tente fugir dele essa noite. Se fizer isso, ele vai ter que usar a força, e só vai ser ruim pra você. Por favor, você tem que suportar hoje, para poder estar comigo amanhã.
     -- Eu amo você.
     -- Eu também amo você. Nunca vou te abandonar.
* * * * *

     Enfim, o casamento foi celebrado. Houve a cerimônia, em seguida a grande festa. Ainda durante a festa, Bono foi até Glory e avisou que eles iriam se retirar.
     -- Mas já? - ela disse, angustiada – A festa mal começou...
     -- Os noivos sempre se retiram cedo, é tradição. E não precisamos avisar, também. Mesmo que avisássemos, os outros estão bêbados demais para perceber.
     -- Me deixe ao menos me despedir de Dave.
     -- Ora, por favor! Você vai vê-lo amanhã!
     -- Mas quero me despedir dele!
     -- Certo, se é o quer, então vá! Mas não se demore.
     Glory atravessou o salão, mas não encontrou Dave. Só quando estava do outro lado ela o viu, em um dos corredores que levava aos outros aposentos do palácio. Foi até ele, cuidando para que não reparassem neles.
     -- Dave... - ela segurou a mão dele.
     -- Foi um lindo casamento – ele beijou a mão dela, com lágrimas nos olhos – minha princesa.
     -- Ah, Dave... Era pra eu ter me casado com você...
     -- Foi Deus que quis assim, Glory. Não podemos fazer nada perante a vontade d'Ele.
     -- Isso não é justo...
     -- Já deve estar na hora de você se retirar com seu marido.
     -- Sim, foi por isso que vim ver você... Bono quer que eu suba com ele, mas eu não quero ir, Dave, não quero...
     -- Você não deve fugir. Por favor, eu não quero que se machuque. Lembre-se do que eu te disse. Será melhor se não resistir a ele. Melhor para todos nós.
     -- Dave... - ela o pegou pela mão e o puxou para dentro do corredor – Vem cá.
     Eles foram até uma pequena sala de armas, mais para o fundo do corredor, onde não havia ninguém. E ali, longe da vista de todos, Glory deixou que Dave a beijasse, e se perdeu nos braços dele.
     -- Eu vou estar com ele – ela disse, com a cabeça apoiada no ombro dele – mas vou estar pensando o tempo todo em você.
     -- Eu estarei à noite toda rezando por você. - ele a abraçou com mais força – Minha princesinha.
     -- Eu vou ser sua para sempre.
     -- Eu também serei sempre seu. Jamais terei outra mulher, jamais. Mesmo que Bono me mande para viagens a lugares distantes, e mesmo que fiquemos separados por anos, eu não tocarei em outra mulher.
     Mais beijos, em uma despedida que se tornava interminável; até que a porta se abriu, e eles se soltaram depressa, assustados. Mas era Bono quem entrara.
     -- Vocês dois, chega. - ele não parecia nem um pouco feliz – Já tiveram o tempo que precisavam. Glory, me espere no quarto.
     Glory olhou uma última vez para Dave, e foi correndo para o quarto.
     -- E você – disse Bono, para Dave – não abuse da sorte. Eu permiti isso porque quero ver Glory feliz, mas posso muito bem mudar de idéia e mandar te enforcar.
     -- Mande. - Dave tinha vontade de matá-lo ali mesmo – Mas não pense que será fácil.
     Bono lhe lançou um olhar mortal, e foi em direção à porta. Dave disse:
     -- Não machuque Glory.
     -- Não o farei, se não for necessário.
     -- Seja bom para ela.
     -- Isso depende mais dela do que de mim.
     Quando Bono chegou no quarto, Glory aguardava, acompanhada de três criadas que a ajudavam a tirar suas jóias e adereços, até que ela estivesse apenas com seu belo vestido de noiva. Bono a admirou por alguns instantes, e então ordenou que as mulheres saíssem. Elas fizeram uma reverência para ele e então se retiraram, deixando os dois sozinhos no quarto.
     -- Você está linda. - ele foi até ela e tocou em seu rosto – Esteve linda no nosso casamento. Depois que nosso filho nascer, você será minha rainha, e será a primeira vez que a Bretanha terá uma rainha tão bela.
     -- Não consigo me imaginar como uma rainha.
     -- Mas você será. Você nasceu destinada a ser minha rainha, Glory. - ele foi para trás dela e começou a soltar os laços de seu vestido – Desde pequena, seus sonhos com o príncipe dos príncipes... E seu pedido, aquela vez, para a estrela cadente... Seus desejos foram atendidos, querida. Todos eles. Você se casou com o príncipe herdeiro da Bretanha. Você é a princesa das princesas, agora.
     -- Mamãe sempre dizia para termos cuidado com o que desejávamos. Acho que ela estava certa.
     -- Eu sei que está com medo – ele fez o vestido cair pelo corpo dela, deixando-a apenas de roupa de baixo – mas eu juro que serei um bom marido para você. Nós poderemos ser felizes. Eu farei tudo para que você seja feliz.
     Ele a rodeou, ficando novamente de frente para ela. Glory baixou a cabeça, tímida, quando ele começou a soltar sua roupa de baixo.
     -- Às vezes me pergunto por que as roupas das mulheres têm que ser tão complicadas. - ele tinha um pouco de dificuldade com os laços e botões e alfinetes – The Edge lhe contou sobre a minha proposta?
     -- Sim. - ela ficou ainda mais envergonhada, pois não esperava que ele fosse falar sobre aquilo.
     -- E o que você acha?
     -- Eu não entendo. Por que está fazendo isso?
     -- Você não vai entender. Envolve coisas que estão muito além da sua capacidade de entendimento. Além disso, o coração pode ter caminhos misteriosos. - finalmente as roupas dela caíram ao chão, e ela ficou vestindo apenas seus sapatinhos de cristal – E meu coração gosta de andar por lugares estranhos.
     -- O que quer dizer?
     -- Nada que você possa entender. Deite-se.
     Obediente, ela foi até a cama, tirou seus sapatos e se deitou. Bono se despiu, e o tempo que gastou para tirar suas roupas foi menos de um décimo do gasto com as roupas dela. Então ele se deitou ao lado dela, e ela se encolheu.
     -- Não tenha medo de mim. - ele tocou no rosto dela e a beijou – Olhe para mim. Sou o mesmo de antes. Você sabe que será bom.
     -- Mas... O Dave...
     -- Não pense nele agora. Pense em mim. Eu prometo que será especial. - ele a beijou novamente, e ela foi ficando mais calma – Oficialmente, essa será nossa primeira noite, Glory. E aqui, hoje, será concebido nosso herdeiro.
     -- Isso não vai dar certo, ele vai nascer cedo demais, e será muito grande, vão acabar descobrindo...
     -- Podemos encobrir o nascimento dele por algum tempo. Ou podemos ocultá-lo, alegar que ele é pequeno demais para ser visto. Arranjaremos uma desculpa adequada. - ele subiu nela – Mas não devemos nos preocupar com isso agora. Agora, tudo o que eu quero é você.
     Novamente ele a beijou, e ela não teve como se preocupar com mais nada aquela noite; e qualquer vontade que ela tivesse de resistir a ele simplesmente desapareceu.

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