terça-feira, 3 de agosto de 2010

[fanfic #003] [capítulo #001] [U2] As Terras do Norte - Cartas


AS TERRAS DO NORTE

CAPÍTULO 1
CARTAS
“ You wrote the letter
Said you were gonna
Get there someday
Gonna walk in the sun
And the wind and the rain
Never look back again”
(U2 – I Fall Down)

     O barulho dos passos dos homens ecoou por todo o pátio. Ela estava sentada perto da árvore quando os ouviu. Levantou-se e correu para a beira do muro, tentando ver o que acontecia.
     -- Christian! - ela gritou para o jardineiro que, sabia, espiava tudo do outro lado – O que está acontecendo?
     -- Parece que trazem um prisioneiro! - o pequeno rapaz gritou em resposta – É, sim. Tem alguém amarrado ali!
     -- É um ladrão?
     -- Como posso saber?
     -- Vá lá e descubra!
     -- Sim, senhorita!
     Ela ouviu os passos dele se afastarem em direção aos guardas, e sorriu. Christian era seu amigo de infância, haviam crescido e brincado juntos, e ele gostava de agir como o servo pessoal dela. Mas, para ela, ele era seu irmão mais novo.
     Quando ela ouviu os passos se reaproximando do muro, subiu em um banco de madeira que arrastara até ali, e conseguiu ver o rosto pálido de Christian do outro lado. Os guardas já haviam ido.
     -- E então? - ela perguntou, ansiosa – É algum ladrão? Ou algum cavaleiro que tentou entrar nas nossas terras?
     Mas Christian demorou a responder. Ela estranhou que ele não estivesse tão empolgado quanto ela.
     -- Diz, Christian! Quem é o prisioneiro que eles trouxeram?
     -- Senhorita... É um dos nossos cavaleiros, acusado de traição.
     -- Um cavaleiro nosso? Traidor? Não acredito... Eu conheço todos os cavaleiros, nenhum iria trair o papai! É um engano, tenho certeza...
     -- É sir Evans.
     O rosto dela passou do não entendimento para a surpresa, o choque e então o desespero em questão de segundos. Ela tapou a boca com a mão, mas não pôde conter um grito.
     -- Não! Não, não pode ser...
     -- Eu o vi, eles o traziam preso... Disseram que ele cometeu uma alta traição... Glory. - ele também subiu em um banco e ficou frente a frente com ela – O seu pai deve ter descoberto.
     -- Não, não é possível... Meu Deus, Christian... - ela estava quase chorando – O que eu faço?
     -- Eu não sei... Mas não vá atrás deles, por favor, senhorita. Se fizer isso, vai dar a certeza a seu pai.
     -- Vou falar com papai! - ela pulou do banco, sem dar atenção ao que o jardineiro dizia – Vou falar com ele e reverter essa injustiça!
     -- Glory! Espera!
     Mas Glory já corria para longe. Atravessou o pátio do castelo em segundos, o vestido amarelo atrapalhando seus passos, de forma que ela teve que segurar a saia para conseguir correr mais depressa. Subiu as escadarias e chegou às portas do salão principal, onde seu pai recebia os visitantes. Elas estavam fechadas; algo importante devia estar acontecendo. Ela avançou sem hesitar, mas os dois guardiões impediram sua passagem.
     -- Ninguém pode entrar no salão, princesa. - disse um dos guardiões – Ordens de seu pai.
     -- Tenho um assunto importante para tratar com ele, e não posso esperar nem um segundo.
     -- Sinto muito. Ninguém pode entrar.
     Aquilo a enfureceu: quem aquele reles cavaleiro pensava que era para dizer onde ela podia ou não entrar?
     -- Vou entrar vocês querendo ou não. Ousem tocar em mim, e amanhã de manhã suas cabeças estarão espetadas no alto da muralha.
     Os dois se olharam. Ela avançou; um deles ainda ensaiou uma abordagem, mas acabou por deixá-la passar. Ela entrou no salão sem a menor cerimônia, interrompendo a audiência que seu pai estava tendo com outro homem, que ela nunca vira.
     -- E aí está minha doce e meiga filha. - disse Artur, pai de Glory, levantando-se – O que nosso visitante irá pensar de você, Glory, se age como se não tivesse os mínimos bons modos?
     Glory parou em frente a eles, sem responder, mas encarando firmemente o olhar do rei. O visitante também se levantara, e a garota deteve seu olhar sobre ele apenas um momento: devia ter trinta anos, e tinha a aparência de um homem muito rico. Artur lançou para ela um olhar indecifrável e disse:
     -- De qualquer forma, foi bom você ter aparecido. Glory, esse é o rei Macguiness, um dos senhores das terras do sul. Rei, essa é minha filha única, de quem lhe falei.
     -- Princesa Glory. – Macguiness se aproximou e beijou a mão dela, fazendo uma reverência – É uma honra conhecê-la. Eu e seu pai estivemos falando da senhorita na última hora.
     -- De mim? - ela sequer pensou em retribuir a mesura – Acho que homens como os senhores têm coisas mais importantes a tratar do que eu.
     -- A beleza sempre terá espaço na mente de um homem. Ainda mais em se tratando de um homem como eu.
     -- Macguiness é viúvo. - disse Artur – Sua senhora faleceu no último outono.
     -- Meus pêsames.
     -- Já superei a dor. - disse o homem, sem dar o menor sinal de ter sentido dor alguma – E creio que a senhorita saiba que um homem como eu não deve se prender ao luto.
     -- Imagino que não. - ela esperava que sua voz não demonstrasse sua extrema falta de interesse.
     -- Bem, acho que é melhor deixarmos de lado os rodeios e irmos direto ao assunto. - disse Artur – Glory, Macguiness veio aqui tratar de negócios, e entre eles está o interesse dele em ter sua mão em casamento.
     -- O quê!?
     -- Será uma honra para mim. - disse Macguiness – Meu reino precisa de uma senhora, alguém com quem eu possa ter filhos. Minha primeira esposa se foi antes de me dar herdeiros, e prefiro uma mulher jovem e saudável como a senhorita. Além disso, eu e o senhor seu pai temos negócios há muitos anos, e seria interessante unir nossas famílias.
     -- E o que o senhor meu pai tem a dizer sobre esse... Sobre isso?
     -- Acho ótimo! - Artur deu um quase sorriso – Não creio que haja no reino da Bretanha um melhor partido para alguém da sua classe. A filha de um rei deve se casar com um rei. - ele apertou a mão de Macguiness – Eu concedo a mão de minha filha ao senhor.
     -- E você não quer saber a minha opinião sobre isso?
     -- Seja ela qual for, está feito. - ele se sentou novamente, e foi seguido por Macguiness – Nós estávamos combinando a data do matrimônio.
     -- Concordamos que seja o mais breve possível. - disse o outro – O inverno chegará em poucos meses, e ainda precisamos noivar oficialmente. Quando a neve cair, será impossível transportar a princesa até o meu castelo.
     -- Podemos fazer o noivado na próxima semana. O casamento poderá ser feito em suas próprias terras, lorde. Acho que o fim de novembro é uma boa data.
     -- Sim, o ar está belo e ainda não faz tão frio. E temos três meses para preparar tudo.
     -- De jeito nenhum!
     A voz de Glory se erguera acima da dos dois homens e ecoara pelo salão. Artur lhe lançou um olhar mortal, mas ela continuou:
     -- Não vou me casar com um homem que sequer conheço e por quem não tenho nenhum tipo de sentimento amigável. Digam o que disserem, eu não me deitarei na mesma cama que esse senhor, nem que tenha que cortar meus pulsos e sangrar até a morte.
     Artur parecia que ia explodir, mas Macguiness riu.
     -- Magnífico! Artur, tenho a sensação de que sua filha será uma excelente esposa para mim. Nada poderia ser mais divertido do que domar uma garota rebelde.
     -- Não sou uma égua para ser domada! Agora, senhor meu pai, pare com essa conversa ridícula e dispense esse senhor, porque tenho um assunto sério a tratar.
     Artur se levantou, parecendo prestes a explodir.
     -- Glory...
     -- Vamos, vamos, Artur. - disse Macguiness – Não brigue com a menina, as garotas sempre acham que seus assuntos têm alguma importância. Eu preciso realmente partir, vou até a cidade cuidar de alguns pequenos negócios, e voltarei logo após o anoitecer.
     -- Minha casa é sua, Macguiness. Fique à vontade, coloquei vários criados à sua disposição e à de seus serviçais.
     Logo que Macguiness se retirou e as portas se fecharam, Artur voltou-se para Glory.
     -- Espero que esse seu comportamento vergonhoso e indigno de sua posição tenha alguma explicação minimamente aceitável, ou pode ter certeza de você será castigada como uma criada.
     -- Me bata depois, papai. Estou aqui para falar sobre uma questão de justiça.
     Ele se sentou novamente, parecendo estar prestando mais atenção ao que ela dizia.
     -- Fale.
     -- Eu estava no pátio ainda há pouco quando vi os guardas entrarem no castelo com um prisioneiro.
     -- Você deve ter coisas melhores a tratar que não os assuntos políticos, minha filha. Como estão suas aulas de bordado?
     -- Ótimas. - era mentira – Christian me disse...
     -- Eu já disse àquele maldito criado que pare de te importunar com as bobagens dele.
     -- Christian disse que o prisioneiro era sir Evans, papai. Disseram que ele havia cometido uma traição. Isso é verdade?
     -- Infelizmente sim, filha. Sir Evans traiu a mim e a esse reino e deve ser punido por isso.
     -- Eu não acredito nisso! Ele jamais trairia o senhor, nenhum cavaleiro trairia o senhor! O que acham que ele fez, roubou alguma coisa, ajudou algum criminoso a fugir, matou alguém? Eu sei que ele jamais faria nada disso, ele é um grande cavaleiro, um homem honrado!
     -- Claro que sim. Um homem muitíssimo honrado. - ele se dirigiu para um dos guardas que estava no canto da sala – Sir Nathan, poderia trazer as provas da traição de sir Evans?
     Sem nenhuma palavra, o cavaleiro atravessou a porta, e voltou instantes depois trazendo uma bandeja de prata, na qual havia vários pergaminhos. Artur pegou o primeiro, dizendo:
     -- Parte desses itens foram encontrados em um local, parte em outro, mas os guardas fizeram o favor de colocá-los em ordem. Infelizmente, nem todos puderam ser recuperados, mas o que temos aqui é suficiente. Vejamos: “Princesa Glory, senhorita mais pura e bela que já surgiu sobre a terra, e por quem todas as criaturas vivas se curvam em admiração perpétua” - Glory sentiu um tremor passar por seu corpo - “Princesa, por quem velo dias e noites a defender este reino. A senhorita está a me fazer perder qualquer juízo que algum dia eu possa ter tido. Sou só um homem, um reles serviçal de seu pai, que conquistou o título de 'sir' com o esforço de muitas batalhas. Mas talvez, para a senhorita, eu não seja mais do que a grama sob seus pés ou a água fria do lago onde se olha. Ontem estava eu a cavalgar, e, ao passar perto do lago, vi a senhorita ali, sentada, a olhar docemente para as águas calmas. Pobre de mim, maldito sou; pus meus olhos sobre o mais puro dos anjos, sustentei por vossa imagem os mais indignos sentimentos. Eu, um reles cavaleiro, estou preso nos braços do amor, que leva meu coração para junto da senhorita. E a senhorita me sorriu, com seus lábios, seus olhos, seu coração. Pobre de mim, princesa. Não sou mais do que um reles cavaleiro. Sei que traço meu destino escrevendo-lhe esta carta, mas o seu sorriso à beira daquele lago está a deixar-me louco. Por favor, princesa, se tens alguma consideração por este que não é nada senão teu escravo; por favor, não vá mais àquele lago. Uma princesa não deve ir sozinha àquelas terras; é por demais perigoso, mesmo à luz do dia. Não me faça pôr meus olhos novamente sobre seu rosto, dê uma chance para que eu possa escapar a esses vis sentimentos. Dedico-lhe os meus mais sinceros votos de alegria e felicidade. Sir David Evans”.
     Artur fechou o pergaminho e o colocou sobre a mesa ao seu lado.
     -- Bela carta, não? Pobre cavaleiro. Essas coisas acontecem, o escravo se encanta com as belezas de sua dona. - Glory continuou calada - Mas essa carta não diz muita coisa, não é mesmo? Apenas dá pena do pobre serviçal. Vejamos a próxima, é muito mais interessante. - ele pegou outro pergaminho e começou a ler - “Princesa Glory; a senhorita está a brincar com meu coração. Escrevi-lhe três cartas, com os mais desesperados pedidos de misericórdia, e a senhorita me ignorou por completo. Diverte-lhe o meu sofrimento? Diverte-se com meu amor? Porque a senhorita continua a ir ao lago todas as tardes, e não sai de lá até me encontrar. Pobre de mim, senhorita, ontem vossa senhoria ousou falar comigo. Um breve aceno, sua voz a chamar meu nome – foi como se todos os anjos arrancassem meu coração do peito e o levassem para perto do céu. Mas não me engano, sei que a senhorita trata bem a todos os cavaleiros; mas, se sabe de meu amor profano, então porque não me evita? Mas a senhorita me tenta. Ousei assistir quando a senhorita entrou no bosque, e a segui, com o mais nobre objetivo de te proteger; e vi, com olhos profanos, quando a senhorita despiu parte de seu vestido para andar por entre as árvores, julgando estar sozinha. Pobre de mim, maldito sou! Mas a senhorita me viu depois, e, ao invés de fugir de mim, chamou-me para junto de si. O que quer de mim? Eu fui, sou seu escravo, seu servo. E a senhorita tocou-me com suas mãos puras, a mim, um indigno, um cavaleiro, um criado. Nunca dama alguma havia tocado em mim como o fez a senhorita, e meu destino está selado para sempre. Estou apaixonado, senhorita, e a senhorita me diz que também o está. Não faça isso comigo. Se tudo o que quer é me ver sofrer, eu lhe imploro por Deus que não volte a me provocar desse jeito. Sou um servo fiel a seu pai, mas acima de tudo sou um homem, e um homem à beira da loucura. Tenho medo de mim mesmo, do mal que poderei lhe fazer se algo como o que aconteceu ontem voltar a acontecer. A senhorita não imagina o perigo que correu ali, sozinha comigo, naquele bosque. Foram todos os anjos do céu que tocaram meu coração e puseram meu espírito acima de minha carne, para que eu não cedesse aos impulsos que me vieram quando a senhorita me tocou. Mas não podemos contar sempre com a misericórdia divina; Deus está por demais ocupado. Por favor senhorita, não me provoque, não me tente. Se não me amas, não venha mais até mim. Com respeito e amor, sir Evans”.
     -- Não vejo nada demais nisso. - disse Glory – É uma carta como a outra. Não vejo onde está a traição.
     -- Ah, você não vê nada demais? E o que ir ao bosque sozinha com um cavaleiro e se despir na frente dele é? Por acaso agora você é uma cigana ou algo parecido?
     -- Não é nada disso! Eu não o vi quando entrei no bosque, costumo ir ali sempre! Faço escondido porque sei que é perigoso, e quando ele viu foi atrás pra me proteger. E eu não me despi, só tirei a parte de cima do vestido, porque fiquei com medo de que ele rasgasse nos espinhos. Quando eu vi que ele estava ali, já não adiantava, ele já tinha me visto, mas eu estava de roupa de baixo. Ele estava muito constrangido, e eu segurei na mão dele para dizer que estava tudo bem. Depois me vesti e ele me levou embora. Foi só isso.
     -- E o que me diz dessa parte? Ele disse que está apaixonado, e que você lhe disse que também está.
     Glory tentou pensar em uma resposta, mas nenhuma lhe veio à cabeça, e ela apenas gaguejou:
     -- Não... Não é isso...
     -- Bem, parece que aqui temos uma carta que explica muitas coisas. - Artur pegou outra carta – Como eu lhe disse, nem todas puderam ser recuperadas, e essa terceira parece estar muito distante da segunda, mas acho que ela resume muito bem o que deve ter sido conversado durante esse tempo. - ele abriu o pergaminho e começou a ler - “Querido Dave; sinto muita falta de você, e do tempo que passávamos juntos. Desde que se juntou ao grupo de cavaleiros de confiança de meu pai, nós quase não temos nos visto. Sei que é perigoso, para você e para mim; mas sinto tanto a sua falta. Mais uma viagem como essa e vou morrer de desespero. Recebi sua última carta, e fui às lágrimas com suas palavras de amor; saiba que correspondo a cada palavra que ali está, e não posso pôr em palavras os meus sentimentos. Que meu pai nunca desconfie de nosso amor, e que nunca encontre essas cartas; ele sequer sabe que sei escrever. Devo isso a Christian, meu querido irmãozinho. Sei que brigou com ele, Dave, sei que morre de ciúmes dele, mas esse sentimento é indigno e infundado. Meu amor é todo seu, só seu. Mal posso esperar para te encontrar novamente, para abraçar você. Por favor, meu amor, se ainda me ama, por favor vá até o lago, para que nos encontremos novamente. Vou estar lá no fim da tarde, esperando, e esperarei até que o sol se ponha. Sei que é um lugar perigoso, mas confio em você e no seu amor por mim. Se quer o meu bem, apareça antes que a luz se vá, para que eu possa te ver mais uma vez. Sua para sempre, Glory”.
     Dessa vez, Glory não tinha o que dizer, e nem tentou. Apenas baixou a cabeça, sem coragem de encarar o olhar impassível de seu pai. Artur, por sua vez, parecia quase triunfante. Pegou a última carta e disse:
     -- Essa foi a última que encontramos, embora talvez não seja a última trocada entre você e ele. Vamos ver o que diz? Vamos lá: “Minha querida Glory, minha doce e meiga amiga”. “Amiga”, é como ele te chama. “Amiga”. - ambos sabiam que amigo era um sinônimo gentil para namorado ou amante - “Depois dos últimos dias, sou o homem mais feliz sobre essa terra. Não posso pensar em coisa alguma senão seu rosto sob a luz do luar, do brilho do céu refletido em seus olhos puros. Nunca a floresta foi tão bela, nunca o céu da noite foi tão estrelado. Eu darei minha alma ao demônio para ter novamente uma noite como aquela. Não há mais o que possa dizer sobre aquilo. Foi a coisa mais bela que já me aconteceu, e me sinto quase digno de seu amor. Estou disposto a me sacrificar pela senhorita, de responder a qualquer crime que possa ter cometido. Eu te amo, querida, te amo com todas as forças que um homem pode amar uma mulher, com todo o fervor que um mortal pode amar a uma deusa. Amo-te, e te quero para mim. Venha novamente à floresta esta noite, estarei esperando por você; permita-me te amar mais uma vez, me permita sentir o seu amor por mim. Seu escravo eterno, Dave”.
     Houve um longo silêncio no salão quando a última palavra da carta foi lida. Glory ainda ficou um tempo olhando para baixo, mas então ergueu o rosto.
     -- Com essas provas – disse Artur – eu declaro sir Evans como alto traidor e o ordeno preso, para que seja julgado e condenado como deve ser.
     -- Não é nada disso. - disse Glory – Não aconteceu nada.
     -- Nega o que ele te disse? Nega que se encontrava com ele à noite, na floresta, como se fosse uma... Uma meretriz? Tem a coragem de negar o que está escrito aqui?
     -- Não, eu não nego. Eu me encontrei com ele sim, e depois dessa carta nós voltamos a nos encontrar mais mil vezes, e não só na floresta nem só à noite! Mas nós não fizemos nada de mais, papai, ele não me desonrou, sequer tocou em mim! Tudo o que fazíamos era ficar conversando, e eu permitia que ele me abraçasse, que me beijasse, mas isso era tudo!
     -- Acha que sou tolo? Acha que vou acreditar que esteve com um homem durante várias noites e não se deitou com ele? Eu não sou idiota, Glory! Você devia agradecer aos céus que um rei como Macguiness queira casar com você, e devia implorar a misericórdia divina, para que ele não te devolva se descobrir que você não é mais virgem!
     -- Eu sou virgem! Dave nunca me faltou ao respeito, ele é honrado demais para isso! E eu prefiro morrer a casar com o rei Macguiness!
     -- Cale-se, eu já ouvi demais! Você agora vai para o seu quarto, e vai ficar lá até o dia de ir para a casa de seu noivo. Em breve haverá o noivado, você irá se comportar como a princesa que é durante a celebração, e nos dias que se seguirem ficará em seu quarto, preparando-se para o casamento. E não quero mais ouvir o nome de sir Evans nessa casa.
     -- O que vai acontecer com ele?
     -- Ele perderá seu posto e seu título, e ficará preso até o julgamento, onde será condenado.
     -- E qual a condenação?
     -- Isso eu ainda decidirei. Mas a pena comum para crimes como o dele é a morte por decapitação.
     -- Não! Não, papai, você não pode fazer isso! Se ele morrer eu morrerei também, papai, por favor...
     -- Minha palavra está mantida. Sua dama de companhia irá com você para o seu quarto, e você não sairá de lá a não ser por ordens minhas. Um guarda cuidará para que você não desrespeite minhas ordens.
     Artur fez um sinal, e a dama entrou no salão, esperando por Glory. A princesa, por sua vez, olhou para seu pai e fez menção de dizer algo; mas acabou por se calar, e seguiu para seu quarto.

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