terça-feira, 3 de agosto de 2010

[fanfic #003] [capítulo #005] [U2] As Terras do Norte - Na Floresta


AS TERRAS DO NORTE

CAPÍTULO 5
NA FLORESTA
“Hopelessly
So hopelessly
I'm breaking through for you and me”
(U2 – Elvis Presley and America)

     Os três cavalgaram por toda a noite. Dave por várias vezes teve que ser amparado por Bono, pois ameaçava cair do cavalo. Glory se mantinha perto, mas não podia fazer muito para ajudar. Apenas segurava na mão de Dave, quando eles diminuíam a marcha, mas logo precisavam recomeçar a correr, e ela era obrigada a soltá-lo.
     Era Bono quem guiava o caminho, pois Glory não tinha a menor idéia de para onde estavam indo, e provavelmente se perderia deles caso se afastasse demais. Mas Bono parecia enxergar caminhos invisíveis no meio da mata, sabia exatamente aonde tinham que ir, onde era mais seguro. Finalmente, com o raiar do dia, ele disse:
     -- Aqui já está bom. Vamos parar.
     Glory deu graças a Deus, mas Dave disse:
     -- Tem certeza? Os guardas ainda estão à nossa procura, e com o raiar do dia...
     -- Passamos por lugares onde nossos rastros foram apagados. Havia uma planície só de pedras lá atrás, nossas pegadas não deixaram marcas. E demos muitas voltas, eles ficarão confusos. De qualquer forma, não podemos continuar, você vai desmaiar antes de andarmos mais um quilômetro. É melhor descansarem, eu monto guarda.
     -- Você não está cansado?
     -- Não. Descansem, eu vigio. Não se preocupem, não vou abandonar vocês nem nada parecido. Não faz o meu estilo.
     Dave desistiu de protestar. Encontrou um lugar razoavelmente confortável, entre as raízes de uma árvore, e chamou Glory:
     -- Venha aqui, princesa. Deite-se aqui, acho que está bom.
     Ela foi, levando uma manta que trouxera consigo. Colocou-a sobre o chão e se deitou sobre ela. Dave se apoiou ao tronco de uma árvore próxima, de onde podia ver Glory, e os dois adormeceram.
* * * * *

     -- Senhorita Glory. - ela ouviu a voz de Dave, e sentiu suas mãos a tocando suavemente – Princesa, acorde.
     Com muito esforço, Glory abriu os olhos. A luz forte do sol batia diretamente sobre ela, e o calor era quase insuportável. Dave estava à sua frente, tentando despertá-la.
     -- Temos que ir, querida. Ainda não estamos seguros.
     -- Estou com sede...
     Bono atirou um cantil para eles, e Glory bebeu avidamente.
     -- Vamos logo. - ele disse, pegando as coisas que estavam no chão – Temos um longo caminho pela frente.
     -- Para aonde nós vamos?
     -- Só estaremos seguros quando sairmos das terras do reino. Demoraremos mais ou menos dois dias para chegar à cidade mais próxima fora daqui. Eu levo vocês até lá, e minha missão estará encerrada.
     -- Tem certeza de que consegue nos levar?
     -- Minha linda, eu posso fazer qualquer coisa. Conheço essas terras, sei aonde estou indo.
     -- Não a trate por esses termos. - disse Dave, ofendido – Você está diante de uma princesa. Chame-a de “senhorita”.
     -- Não, cavaleiro. Eu estou diante de uma ex-princesa. E de um ex-sir, também. Vocês perderam seus títulos quando decidiram fugir do reino. Agora, você é David Evans e ela é Glory Artur, e nada mais. Vão ter que se virar para sobreviver daqui pra frente.
     Glory se levantou e guardou suas coisas.
     -- Eu sei disso. E estou disposta a fazer qualquer coisa para viver com o Dave.
     -- É mesmo? - Bono deu um sorriso malicioso – Infelizmente para você, não há muitas coisas que uma mulher possa fazer para ganhar dinheiro... A não ser que queira vender seu corpo, e nesse caso eu tenho certeza de que conseguirá uma considerável fortuna...
     Dave agarrou Bono pela camisa antes mesmo que este terminasse.
     -- Nunca mais... Nunca... Dirija-se à senhorita Glory nesses termos.
     -- Me perdoe, cavaleiro. - ele continuava a sorrir de um modo arrogante – Mas não esqueça que era você quem estava preso em uma cela. Se eu não tivesse aparecido, em alguns dias você estaria morto. Portanto, não me diga o que eu devo ou não fazer.
     Um barulho longínquo fez os três pararem. Glory disse:
     -- O que foi isso?
     -- Não sei. - Dave soltou Bono – Podem ser eles.
     -- Vamos. - disse Bono – Já nos demoramos demais.
     Eles prepararam os cavalos e partiram.
* * * * *

     Já estava tarde, e havia apenas poucos raios de sol no horizonte, quando eles chegaram a uma cachoeira. Havia uma caverna na rocha, onde os três poderiam dormir, e ali estavam razoavelmente escondidos pela água que caía. Os homens arrumaram o abrigo, enquanto Glory andava pela região, procurando frutas ou qualquer coisa que pudessem comer. Traziam alguma comida, mas não duraria mais que um dia.
     Porém, tudo o que a garota conseguiu encontrar foi algumas maçãs. Como se não bastasse sua falta de sucesso, a barra de seu vestido foi rasgada em alguns espinhos. E ela não trazia muitas outras roupas.
     Quando voltou para a caverna, Glory encontrou Bono limpando alguns peixes. Não havia nenhum sinal de Dave.
     -- Onde está Dave?
     -- Saiu para tentar caçar alguma coisa. Olhe, consegui pescar isso. Vou assar para nós.
     -- Obrigada. Eu só encontrei algumas maçãs.
     Ela colocou as maçãs em um canto e foi até uma bolsa. Tirou de dentro dela outra bolsa, menor, e entregou para Bono, dizendo:
     -- O resto de seu pagamento. Como foi combinado.
     Bono se levantou, olhando fixamente para Glory. Pegou a bolsa e contou o dinheiro: seiscentas moedas de ouro, como havia sido combinado. Disse:
     -- Muito bem. - ele guardou a bolsa entre as suas coisas – Mas ainda falta uma parte do pagamento.
     -- Eu... Eu pagarei depois.
     Ele se aproximou dela, olhando-a de uma forma penetrante.
     -- Eu prometi que daria a vocês um dia e uma noite, e assim vai ser. Vocês têm até o amanhecer para fazerem o que quiserem. Amanhã, vou exigir a minha parte.
     -- Mas... E se... Se eu não me deitar com Dave hoje?
     -- Isso não é problema meu. Se entregando a ele ou não, você será minha amanhã. - ele a segurou pelo braço – E nem sonhe em tentar fugir, querida. Não mesmo.
     -- Claro que não vou fugir, fiz uma promessa e vou cumpri-la. Mas... Como faremos? Dave está com a gente, ele não pode nem desconfiar...
     -- Deixe isso por minha conta. Eu cuidarei de criar uma oportunidade. E não precisa se preocupar, seu amigo não vai ficar sabendo de nada.
     Nessa hora Dave chegava, trazendo um coelho.
     -- Consegui isso... O que foi?
     Glory e Bono pararam de falar e se voltaram para ele. Glory disse:
     -- Eu consegui maçãs. O cavaleiro Bono pescou alguns peixes. Acho que temos um bom jantar para hoje.
     -- Ótimo. Vamos preparar, então. Glory, você se incomoda de esperar enquanto eu e Bono cuidamos da comida?
     -- Não, claro que não... Eu vou aproveitar para tomar um banho no rio. Nem pensem em ir lá fora, ouviram?
     -- Pode deixar.
* * * * *

     Se não fosse noite de lua cheia, Glory jamais teria tido coragem de ir se banhar sozinha naquele rio. Lembrou-se de que, quando era criança, costumava fugir do castelo, com Gill e Hally, para tomar banho no lago. E, geralmente, eram arrastadas de lá por um certo garoto chamado Dave, que vinha buscá-las sob ameaças. Glory riu ao se lembrar disso.
     Ela se despiu e entrou no rio. A água estava fresca e muito agradável. Um pouco à frente, estava a cachoeira, e por trás dela ela podia ver o clarão da fogueira, e os vultos de Dave e Bono. Sabia que eles não podiam vê-la, mas mesmo assim corou. Pensou no que teria que fazer naquela noite, e, pior ainda, no que Bono queria que ela fizesse no dia seguinte. E sentiu uma imensa vontade de voltar correndo para o castelo.
     Na caverna, os dois homens terminavam de assar a comida. Bono disse:
     -- Como se sente, cavaleiro?
     -- Bem. Estou melhor do que ontem, pelo menos.
     -- Hoje pela manhã você teve febre.
     -- Eu sei. Mas foi só naquele momento, e não voltou mais. Deve ter sido o cansaço.
     -- Não tem nenhum ferimento infeccionado?
     -- Não, graças a Deus. Já me feri muito em batalhas, meu corpo sabe como reagir.
     -- Parece muito jovem para ter participado de tantas lutas. Está com quantos anos?
     -- Vinte e um. Mas fui nomeado cavaleiro do rei aos catorze, por influência de meu irmão, que também era cavaleiro. O título de sir eu ganhei aos dezesseis, quando participei de minha primeira grande batalha.
     -- E o que você fez para ganhá-lo?
     -- Salvei algumas pessoas. Mas não quero ficar me lembrando disso. Fosse o que fosse, não significa mais nada. Eu não sou mais sir agora.
     -- Muito bem. - Bono se levantou para pegar algumas vasilhas – Nunca se prender ao passado, esse é o meu lema. Vale muito mais o que estamos vivendo agora, e o que virá. Aliás – ele se voltou para Dave – você já pensou em como vai fazer daqui pra frente?
     -- Como assim?
     -- Você e Glory estão sendo procurados. Não podem chegar na cidade se apresentando como “sir Evans e princesa Glory”. Ela até pode usar seu primeiro nome, mas é bom que você use um nome diferente.
     -- É por esse motivo que você usa o nome Bono? Também está sendo procurado?
     -- Mais ou menos. Hoje, isso não faria mais muita diferença. Mas eu prefiro não usar meu verdadeiro nome.
     -- Por quê?
     -- Porque não. Tenho os meus motivos. - ele voltou para junto da fogueira – Pode comer, se quiser.
     -- Vou esperar a senhorita Glory.
     -- Por que continua a tratando desse jeito? Vocês fugiram juntos, devia considerá-la praticamente sua esposa.
     -- Ainda não estamos casados perante as leis de Deus. Quando chegarmos à cidade, eu procurarei um padre para nos casarmos.
     -- Mas não vai esperar tudo isso para torná-la sua esposa, não é? Digo... Para se deitar com ela.
     -- Claro que vou. Não posso consumar o casamento se não estamos casados. Eu a respeitarei sempre.
     -- Não seja tolo. Você quase morreu, e ainda não está fora de perigo. Já pensou se vocês forem pegos antes de chegarem à cidade? Ou se você adoecer e morrer? Vai deixar Glory viúva antes mesmo que ela tenha tido a chance de ter um marido.
     -- É o certo, se for a vontade de Deus.
     -- Claro. A vontade de Deus. E você sabe o que vai acontecer depois. - ele colocou vinho em um copo e ofereceu para Dave – Ela vai chorar até adoecer, e, se ela não morrer de tristeza, daqui a um tempo vai aparecer um comerciante qualquer e vai pedi-la em casamento. - ele encheu outro copo para si – Ela talvez recuse a princípio, mas depois do quarto ou quinto pretendente, vai acabar aceitando. E outro homem vai ter aquilo que você tratou com tanto respeito, e ela jamais vai saber como seria passar a noite em seus braços.
     Dave bebeu o copo todo e colocou mais vinho. Quis dizer alguma coisa, mas não encontrou palavras. As coisas que Bono lhe dizia ecoavam em seu cérebro.
     -- Você sabe como são esses homens da cidade. O marido vai tratá-la como trataria uma camponesa. Vai ser bruto com ela, vai machucá-la, e talvez, depois de um tempo, ela fique feliz por não ter conhecido você, porque vai achar que todos os homens são assim e que você também a machucaria... E ela terá doze ou treze filhos, e jamais saberá o que é se deitar com alguém que a ame. É isso o que você quer?
     -- Não... Deus, claro que não...
     -- É claro, tudo pode correr de uma forma diferente. Ela pode ficar um tempo sozinha, pode recusar todos os pedidos de casamento... Mas uma menina tão jovem e tão linda atrai todos os tipos de pessoa. E, num dia em que ela estiver sozinha na floresta, algum andarilho pode pegá-la e abusar dela... E uma garota sozinha e desonrada só tem um rumo a seguir.
     -- Não!
     -- Ela vai ser obrigada a se vender para sobreviver... E já pensou em todos os tipos de homens que obrigarão ela a se deitar com eles, em troca de umas poucas moedas? Os tipos mais baixos e sórdidos possíveis, e ela engravidará e será obrigada a abandonar a criança, e provavelmente um dia ela não suportará mais essa vida e dará um fim em si mesma...
     -- Não! - Dave se levantou, deixando o copo cair no chão – Não! Eu não quero que isso aconteça! Não vou permitir que nenhum outro homem toque nela!
     -- Então, cavaleiro – Bono também se levantou – não deixe escapar a chance que está tendo, porque não sabe se terá outra igual. Amanhã vocês podem ser capturados, ou pode acontecer alguma coisa com um dos dois, e ambos vão sofrer eternamente porque você quis respeitá-la por mais dois dias antes do casamento.
     -- Eu... Eu...
     Nesse momento eles ouviram passos, e se calaram. Glory entrou na caverna, com os cabelos molhados e um vestido diferente, parecendo mil vezes mais alva e bonita do que antes. Dave foi até ela e a abraçou.
     -- Glory...
     -- Dave...? - ela olhou para ele, surpresa – O que foi?
     -- Eu te amo, Glory. - ele passou a mão nos cabelos dela – É só isso, eu te amo. Não importa mais nada.
     -- Dave... - ela sorriu, radiante – Eu também te amo.
     Bono deu um breve sorriso, satisfeito, e então entregou pratos para os dois, dizendo:
     -- Vamos comer, antes que esfrie.
     Todos jantaram, e depois Bono e Dave arrumaram a caverna para que eles pudessem dormir. Já estava tarde.
     -- Vou dormir lá fora. - disse Bono, pegando suas armas e uma manta – Se perceber algum sinal estranho, aviso vocês. Fiquem aqui dentro e não acendam a fogueira. A luz atravessa a cachoeira e cria um sinal luminoso que pode ser visto à milhas.
     -- Podemos revezar. - disse Dave – Você pode ficar metade da noite, e eu fico a outra metade.
     -- Não. Eu é que estou te salvando. Além disso, você precisa descansar, seu corpo ainda está fraco. Glory, cuide de seu cavaleiro. Não deixe ele fazer nenhuma bobagem.
     Ele saiu da caverna. Dave e Glory colocaram algumas mantas no chão e apagaram a fogueira. Dave se deitou, e Glory se acomodou ao lado dele, dizendo:
     -- Eu posso deitar ao seu lado?
     -- Claro. - ele sentiu o coração bater mais forte – Se isso não te incomodar...
     -- Não, não me incomoda... Eu me sinto melhor assim. - ela o abraçou – Afinal, agora, é como se estivéssemos casados, não é?
     -- É. - ele se lembrou do que Bono dissera, e sentiu o sangue correr com mais força por seu corpo, aquecendo-o – Casados.
     -- Dave... - ela estava aliviada por estar escuro; assim, não precisava olhá-lo diretamente, e ele não podia perceber o quanto ela estava vermelha – Me dá um beijo?
     Ela pôde ouvir a respiração de Dave acelerar.
     -- A... A senhorita permite que eu a beije?
     -- Permito. - ela passou a mão em seu rosto – Você é meu marido agora.
     Dave virou-se para ela e ficou olhando seu vulto no escuro. Então, lentamente, tocou em seus cabelos, e depois em seu rosto. E finalmente a beijou, um beijo a princípio lento e cuidadoso, mas logo mais forte, até se tornar quase selvagem. Glory apenas aceitava, um pouco assustada, um pouco curiosa.
     -- Glory... - ele desceu para o pescoço dela, depois para os ombros – Eu te amo, te amo tanto...
     -- Eu também te amo... Dave...
     -- Você... Você permite...
     -- Permito. Eu quero ser sua de verdade.
     -- Ah, Glory...
     Ele não podia mais se controlar. Não comandava mais os movimentos de seu corpo, nem quando subiu em Glory, nem quando começou a despir a ambos, nem daí em diante. Glory sentia um milhão de coisas ao mesmo tempo, amor e medo, vontade e pudor.
     Embora estivesse escuro, Glory corou ao ver os contornos do corpo nu de Dave. E corou ainda mais quando também ela estava nua. Então, era assim o corpo de um homem. E era assim que se fazia. Aquilo era o que as pessoas mais esperavam durante toda a sua vida. A maior prova de amor que alguém poderia lhe dar. Mas ela não estava achando nada tão incrível assim. Só sentia vergonha e medo, apesar de ver, pelos suspiros de Dave, que para ele aquilo devia ser algo muito bom.
     Mas Dave entendeu os sentimentos de Glory, e não queria que aquilo fosse ruim para ela. E, embora não tivesse nenhuma experiência, já ouvira muitas histórias; sendo assim, começou a fazer de tudo para que também ela sentisse o que ele sentia. E, depois de algum tempo, começou a conseguir. Glory suspirou, surpresa com as doces sensações que passavam do corpo de Dave para o seu.
     Do lado de fora, Bono, deitado, olhava a lua cheia no céu. Uma linda lua, para uma linda noite. Ele sorriu ao ouvir os murmúrios que vieram da caverna atrás da cachoeira, murmúrios altos, mas que duraram poucos segundos. Acabara. Ele estava feliz pelos dois amantes. E mais feliz ainda por saber que, no dia seguinte, seria ele no lugar de Dave. Mas teria que ficar de olho em Glory: tinha a certeza de que ela tentaria escapar de alguma forma, e isso ele não permitiria. Só esperava que ela não fosse muito difícil, e que ele não tivesse que machucá-la – ou machucar Dave. Seria uma pena se isso acontecesse.
* * * * *

     Glory não tinha nem idéia de que horas seriam quando acordou. O céu estava nublado, embora ainda fizesse calor, de forma que ela não podia saber exatamente que horas eram. Ao seu lado, Dave dormia profundamente.
     Ela se levantou e se vestiu. Olhou para Dave por algum tempo, vendo-o melhor à luz do dia. Chegou à conclusão de que ele era um homem bonito, um dos mais bonitos, embora nunca tivesse visto outro homem nu. Mas não deviam ser muito diferentes uns dos outros, de qualquer forma. Dave tinha muitos pêlos por todo o corpo, e era forte, o corpo de um cavaleiro. Ela ainda achava um pouco estranho, mas se acostumaria.
     Após cobrir Dave com uma manta, Glory saiu da caverna. Os respingos da cachoeira a molharam um pouco, e ela chegou à conclusão de que precisava mais do que nunca de um banho.
     Do lado de fora ela achou que iria encontrar Bono, mas ele não estava ali. Havia apenas as coisas dele, uma manta e uma capa, além de algumas armas. Devia ter ido caçar. Daria tempo para se lavar antes que ele voltasse, mas era bom procurar um lugar mais reservado.
     Ela andou um pouco, até encontrar uma parte do rio que formava uma espécie de lagoa, e era cercada por muitas árvores e pedras. Era quase uma piscina natural. Ela olhou em volta, para se certificar de que estava sozinha, e se despiu. Entrou na água e começou a se lavar, tirando de seu corpo os vestígios da noite anterior, do amor de Dave. Depois resolveu nadar um pouco, mergulhando e ressurgindo no meio do rio. A água estava deliciosa.
     Depois de nadar algum tempo, ela mergulhou fundo, emergindo próxima a algumas pedras. Apoiou-se nelas, recuperando o fôlego, e nesse momento ouviu uma voz atrás de si:
     -- A água está boa?
     Glory se virou depressa, e se deparou com Bono, sentado sobre uma pedra à beira do rio, olhando para ela. Por muito pouco a garota não gritou.
     -- O que está fazendo? - ela tentava se esconder na água quase transparente – Saia daqui, eu estou nua!
     -- Percebi. - ele sorriu com malícia – Como foi a noite?
     -- Não é da sua conta! Não deve fazer esse tipo de pergunta para mim!
     Bono apenas sorriu. Levantou-se, ainda a olhando intensamente, e começou a se despir. Ela virou de costas para ele, em pânico. Não podia sair do rio e correr. Nem podia gritar, pois se Dave aparecesse ali, haveria morte. E ela tinha aquela maldita dívida com Bono. Ele iria cobrá-la agora.
     Nem quando sentiu o movimento da água atrás de si ela se voltou. Somente quando Bono tocou em seu ombro e beijou seus cabelos ela virou para ele, involuntariamente. Ele a olhou de cima a baixo.
     -- Linda... - ele a abraçou – Você não imagina o quanto invejo aquele cavaleiro...
     -- Não... Bono, por favor...
     -- Você tem uma dívida, querida. E vai pagá-la agora.
     Ele tentou beijá-la, mas ela se afastou, mais rápida.
     -- Por favor, Bono, espere só mais um pouco...
     -- Não, meu anjo. Não teremos outra chance como essa, e eu não quero ser obrigado a forçar uma situação. Venha logo, vamos acabar de vez com isso.
     -- Eu... Eu me deitei com Dave há apenas algumas horas... Por favor, cavaleiro, ainda estou machucada...
     -- Eu vou ser cuidadoso. Aliás, vou te dar mais prazer do que te deu Evans. Não precisa ter medo.
     Antes que ela fugisse de novo, ele a segurou e a puxou para si. Ela não conseguiu impedir um grito quando sentiu o corpo dele contra o seu.
     -- Não! Solte-me!
     -- Não grite, vai acordar Evans.
     -- Me solte, Bono, me solte... Isso não, por favor, tudo menos isso...
     Apesar de ser mais forte, ele não tinha muito domínio sobre ela dentro d'água. Glory conseguiu escapar de seus braços e nadou depressa até a margem, pegando o seu vestido e se cobrindo. Saiu do rio e jogou apenas uma capa sobre si, o suficiente para se cobrir, e correu. Bono gritou:
     -- Glory! Volte aqui! Não pode fugir de mim!
     Mas ela já fugia. Escondeu-se entre as árvores e se vestiu, enquanto ele saía do rio e colocava suas roupas. Ela correu em direção à cachoeira, mas antes que subisse o pequeno declive que chegaria lá, Bono a agarrou e a jogou no chão. Ela gritou, mas ele apontou uma adaga para ela, fazendo-a se calar.
     -- Ouça, criança. - ele disse, com um olhar tão cortante que a fez se encolher – Fizemos um trato. Eu salvaria o seu cavaleiro, receberia novecentas moedas e você e Gill se deitariam comigo. Gill cumpriu a parte dela, e esperava que você também cumprisse a sua. Sei que é só uma menininha mimada, mas achei que tivesse palavra. Você tem duas opções: ou cumpre a sua parte e acabamos com isso agora, ou eu vou tomar o que é meu à força, e você vai se machucar no processo. Decida agora o que você quer.
     Ao invés de responder, Glory começou a chorar. Bono suspirou.
     -- Devo interpretar isso como a segunda opção?
     -- Eu... Eu... - ela soluçava – Eu estou com medo...
     -- Eu sei. - ele abandonou o tom agressivo, resolvendo usar outro método – Você é só uma criança. Mas eu prometo que não vou te machucar. Vai ser rápido, vou fazer o que preciso e pronto. Vai acabar antes do que você imagina.
     -- Promete... Promete que não vai me machucar?
     -- Eu já disse que sim.
     Ela virou o rosto, com lágrimas caindo de seus olhos, e parou de lutar. Bono guardou a adaga e abriu a calça. Mas, antes que tivesse tempo de fazer mais alguma coisa, sentiu a ponta de uma espada contra sua nuca, e ouviu a voz de Dave dizer:
     -- Se mover um dedo, eu te mato.
     Glory abriu os olhos e olhou para Dave, quase sem acreditar que aquilo fosse real. Ele estava ali, de pé, com sua espada apontada para Bono.
     -- Dave...
     -- Levante-se. - ele disse para Bono – Devagar.
     Bono se levantou. Glory fez o mesmo, limpando a terra do vestido e dos cabelos. Disse:
     -- Dave... - ela foi até ele e o abraçou – Eu... Eu fiquei com tanto medo...
     -- Ele te machucou?
     -- Não, ele não fez nada... Ainda bem que você chegou...
     -- O que você prometeu a ele?
     -- O... O que?
     -- Eu ouvi quando ele falou sobre o pagamento. O que você disse que faria caso ele me libertasse?
     Ela baixou a cabeça, sem coragem de dizer. Mas Bono disse:
     -- Eu lhe digo, cavaleiro. Ela me prometeu novecentas moedas de ouro e uma noite comigo. A primeira parte ela pagou, e eu estava apenas cobrando a segunda.
     -- Isso... Isso é verdade, Glory?
     -- Eu... - ela se assustou com o olhar que Dave lhe dirigiu – Eu estava desesperada... Ele era o único que tinha condições de te salvar, eu não tinha outra opção... Tive que aceitar... Mas não ia fazer, estava pensando em fugir de alguma forma...
     -- Que eu morresse naquela cela, mas você nunca devia ter prometido isso! Não tem idéia do que fez, do que está me obrigando a fazer! Fez uma promessa absurda e agora está quebrando sua palavra, e vai me obrigar a trair a pessoa que me salvou! Porque eu não vou deixar que ele toque em você, nem que tenha que ser arrastado pro inferno por causa disso! Você manchou tanto a sua honra quanto a minha quando fez essa promessa irresponsável!
     -- Eu... - ela recomeçava a chorar – Eu sinto muito...
     -- Sente... - ele suspirou – Não sei como Gill pôde concordar com esse absurdo. Ela sabia disso?
     Glory não sabia como dizer aquilo, mas não foi necessário. Bono disse por ela:
     -- Sua querida irmã também se deitou comigo, cavaleiro.
     Dave se voltou, pálido.
     -- O... O que?
     -- O pagamento foi dividido. Antes do seu resgate, seriam trezentas moedas de ouro, e Gill. Depois, seiscentas moedas, e Glory. Gill cumpriu a parte dela, e devo admitir que fez um ótimo serviço. Mas geralmente é assim, as criadas são muito mais confiáveis do que suas senhoras.
     -- Deus, eu não acredito... Glory... Eu nunca poderia esperar uma coisa dessas de vocês...
     -- Eu só fiz isso para salvar você!
     -- Pois eu preferia estar morto agora a ver minha irmã e minha esposa agirem como prostitutas!
     Ele imediatamente se arrependeu do que dissera. Glory tapou a boca com a mão, chocada, e saiu correndo. Dave se voltou para ela, fazendo menção de ir atrás.
     -- Glory, espere! Eu não quis dizer...
     Sua voz cessou bruscamente. Glory virou para ele, e deu um grito: Bono cravara a adaga nas costas de Dave, até o cabo. Dave só conseguiu emitir um murmúrio estrangulado quando Bono puxou a faca.
     -- Não! - Glory correu para ele – Dave!
     Dave se virou para Bono, mas antes que pudesse erguer a espada Bono o golpeou outra vez, no peito. O sangue jorrou, e Dave caiu de joelhos.
     -- Não! - Glory abraçou Dave, chorando – Não não não não!
     -- Sinto muito. - disse Bono, se afastando – Você me obrigou a isso. A culpa é sua, Glory. Se tivesse mantido sua promessa, nada disso teria acontecido.
     -- Dave... - ela passou a mão pelo rosto pálido de Dave – Não... Olha pra mim, meu amor, fala comigo...
     Mas Dave não podia falar. Ele tentou, mas apenas um gemido de dor saiu de sua garganta. Ele passou a mão no rosto de Glory, e ela percebeu que ele estava se despedindo. Quase podia ler as palavras em seus olhos. Sinto muito, querida, você é tão jovem, e agora estará sozinha. Eu te amo, Glory. E ela o beijou, dizendo que também o amava, que não iria abandoná-lo jamais.
     Nesse momento Bono voltou, trazendo dois cavalos e sua bagagem. Glory nem percebera que ele saíra.
     -- O trato está desfeito. - ele disse – Como não estão mais sob minha responsabilidade, eu decido o que será feito a partir de agora. Glory, você vem comigo.
     Ela o olhou, o ódio queimando em seus olhos.
     -- Vai ter que me matar primeiro.
     Ele suspirou e foi até ela. Sem nenhum esforço, a arrancou dos braços de Dave, que não podia fazer nada para impedir. Disse:
     -- Ele vai estar morto em pouco tempo. Não vai querer ver isso.
     -- Me larga! Eu vou morrer junto com ele, mas nunca, jamais, vou a qualquer lugar com você!
     -- Ah, vai. E vai ser melhor pra você se não reagir.
     Bono a agarrou e a colocou sobre o cavalo. Glory se debateu e tentou fugir, mas ele amarrou suas mãos e seus pés, de forma que ela não podia se mover. Dave se arrastou pelo chão e tentou ficar de pé, murmurando:
     -- N-n-não... Não...
     O olhar que ele dirigiu à Glory fez a garota recomeçar a chorar.
     -- Dave...
     Uma lágrima, apenas uma, caiu dos olhos de Dave e escorreu pelo rosto. Bono olhou para ele, surpreso.
     -- Ainda consegue se mexer assim? Incrível. Com a quantidade de sangue que perdeu, devia estar no mínimo inconsciente.
     Dave se apoiava na espada, tentando respirar. Uma golfada de sangue lhe veio à boca, fazendo com que engasgasse e tornando a respiração ainda mais dolorosa. Bono disse:
     -- Você é um bom cavaleiro. Eu gostei de você, é uma pena que tudo tenha acontecido dessa forma. Sinto muito.
     Bono subiu no cavalo. Dave tentou se erguer, mas esse último esforço foi demais para ele; com um tremor, ele desabou no chão. Glory deu um grito, e Bono a segurou firmemente, para que ela não caísse. Em seguida ele se foi, levando Glory consigo.

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