terça-feira, 3 de agosto de 2010

[fanfic #003] [capítulo #003] [U2] As Terras do Norte - A Cidade e o Cavaleiro


AS TERRAS DO NORTE

CAPÍTULO 3
A CIDADE E O CAVALEIRO
“In the shade of a willow tree
Creeps a crawling over me
Over me and over you
Stuck together with God's glue
It's gonna get stickier too
It's been a long hot summer
Let's get under cover
Don't try too hard to think”
(U2 – Staring at the Sun)

     Glory avistou a cidade, do alto da colina. Voltou-se para Gill, perguntando com o olhar quanto faltaria para chegar até lá.
     -- Dez minutos, talvez menos. - disse Gill – Vamos ter que manter o ritmo rápido. Acha que consegue?
     -- Sim. Não é difícil cavalgar com essas roupas.
     As roupas que Gill lhe emprestara eram próprias para a cavalgada: um vestido de um modelo diferente, muito usado pelas camponesas, e uma longa capa. Ela puxou o capuz sobre a cabeça para evitar o sol forte do verão.
     Dez minutos depois, elas paravam os cavalos diante de uma estalagem. Gill disse:
     -- Essa é a taverna de Lessis. Meu irmão costumava vir aqui. Tome cuidado, Glory. Está com suas armas?
     -- Estou, mas... Acha que vai ser necessário usá-las?
     -- Eu realmente espero que não, mas nunca se sabe. Fique perto de mim. E deixe que eu fale.
     Elas entraram. Só havia mais uma mulher no local, uma senhora que atendia os clientes. De resto, eram todos homens. O cheiro do lugar era horrível para Glory.
     -- Isso aqui parece um estábulo.
     -- Bem vinda ao mundo, princesa. Nem todo mundo pode tomar um banho por mês.
     Elas foram até o balcão. Glory podia sentir o olhar dos homens sobre elas, e isso a perturbou muito. Sentaram-se nos bancos e Gill disse:
     -- Olá, senhora Lessis. Nos dê uma dose de vinho.
     -- Olá, Gill. - disse a mulher, servindo dois copos – Soube o que aconteceu com seu irmão. Sinto muito.
     -- Pois é. Mas a culpa foi dele, é um idiota. Se meter com a princesa...
     -- Cada um no seu lugar, é o que eu digo. Quem nasce camponês morre camponês, e Dave teve muita sorte em se tornar um cavaleiro. Mas não, ele queria mais. Queria a princesa.
     -- Meu irmão é idiota demais para se envolver com alguém por interesse, Lessis. Ele estava apaixonado.
     -- E vai perder a cabeça por causa disso. Que isso sirva de lição para você e seu irmão, Gill. Nunca tente comer mais do que pode.
     -- Vou me lembrar disso.
     Enquanto as duas conversavam, Glory olhava com curiosidade para os homens na taverna. Eram tão estranhos, tão diferentes. Ela conhecia os homens da corte, conhecia cavaleiros, conhecia até alguns camponeses; mas aqueles homens eram diferentes de todos os que ela já vira. Pareciam infinitamente piores, mais sujos.
     No meio deles, havia também alguns cavaleiros. Ela estremeceu quando percebeu isso; se um deles a visse, iria reconhecê-la. Virou-se para Gill e murmurou:
     -- Há cavaleiros aqui.
     -- Eu sei. Não se preocupe. Ninguém vai te reconhecer com essa roupa.
     -- Tem certeza?
     -- Tenho. Não se preocupe. Mas não tire o capuz, nem os encare.
     -- Temos que encontrar alguém para nos ajudar.
     -- Eu sei, é por isso que estou aqui. Deixe comigo.
     Gill terminou de beber seu vinho e se voltou para Lessis.
     -- Onde está seu marido, Lessis?
     -- Na cozinha, por quê?
     -- Nós vamos nos sentar em uma mesa ali, você pode pedir pra ele vir falar comigo?
     -- Claro, mas olha lá, heim? Não vai meter ele em uma das suas encrencas.
     -- Não se preocupe.
     As duas foram para uma mesa. Em poucos minutos o senhor Lessis apareceu, um homem alto e gordo, e cheirando a carne assada.
     -- Gill, querida, o que você quer comigo?
     -- Oi, Lessis. Eu estou precisando de um favor seu. Você conhece bem os homens que frequentam a taverna, pode nos ajudar.
     -- O que você quer?
     -- Me diga – ela se aproximou e baixou o tom de voz – existe algum homem aqui que aceitaria invadir o castelo e resgatar meu irmão?
     Ele ficou muito sério.
     -- Ficou louca, Gill? Nem que pagasse uma fortuna...
     -- Deve haver alguém, Lessis. Tente se esforçar.
     -- Ninguém confiável. Desista, Gill.
     -- É uma pena. Já que você não quer me ajudar, vou ter que usar outros métodos.
     Ela se levantou. Glory assistiu, sem ter a menor idéia do que a outra iria fazer.
     -- Escutem! - Gill disse, em voz alta, e todos voltaram suas atenções para ela – Tenho dinheiro e preciso de um homem corajoso para fazer um serviço para mim. Alguém se candidata?
     -- Que serviço, querida? - disse um homem de uma mesa próxima.
     -- Preciso que alguém invada o castelo e resgate meu irmão.
     Houve um momento de silêncio.
     -- Ficou louca? - disse outro homem – Não há dinheiro que possa pagar a vida de alguém, Gill. Invadir o castelo é sentença de morte.
     Gill suspirou, exasperada.
     -- Será que todos pensam assim? Não há ninguém aqui que aceite se arriscar?
     Todos permaneceram em silêncio.
     -- Ótimo. - ela fez um sinal para Glory – Vou procurar em outro lugar.
     Nesse momento um jovem rapaz, que permanecera calado até então, disse:
     -- Espere.
     Gill se voltou.
     -- O que foi?
     -- Existe um homem que talvez aceite. Um forasteiro.
     Lessis se voltou para eles.
     -- Ninguém que tenha o menor juízo tentaria fazer qualquer tipo de acordo com aquele homem.
     -- Se ela tivesse o menor juízo – retrucou o rapaz – não tentaria invadir o castelo. Existe um homem que chegou na cidade há alguns dias. Um cavaleiro. O chamam de Bono.
     -- Bono? - disse Gill – Que tipo de nome é esse?
     -- Não tenho nem idéia, mas ele não é daqui. Parece ter vindo de longe. Há muitas histórias a seu respeito, e ele parece ser capaz de qualquer coisa por dinheiro. Não sei até que ponto essas histórias são verdadeiras ou se não passam de lendas, mas talvez possam conseguir alguma coisa se falarem com ele.
     -- É um homem perigoso, Gill. - disse Lessis – Um bandido, mercenário. Não vá procurá-lo, sabe Deus o que ele pode fazer.
     -- Onde o encontro?
     -- Ele está hospedado na estalagem de Moe. Se não o encontrar lá, procure pela cidade. Ele nunca fica parado no mesmo lugar por muito tempo.
     -- Certo. Obrigada, garoto.
     Ela atirou uma moeda para o garoto, que gritou de volta um agradecimento. Em seguida saiu, acompanhada de Glory.
     -- Nós vamos procurá-lo? - disse Glory.
     -- Está com medo?
     -- Não, claro que não... Vamos, se ele pode nos ajudar, então temos que falar com ele.
     Elas foram até a estalagem de Moe, mas lá foram avisadas de que o cavaleiro partira naquela manhã.
     -- Ele foi embora muito cedo. - disse Moe – Pagou sua hospedagem e levou todas as suas coisas. Já se passaram muitas horas, ele deve estar longe daqui. Talvez nem esteja mais na cidade, provavelmente vai embora dessas terras.
     -- Isso é mau. - disse Glory, quando elas saíram – Acho que não vamos conseguir encontrar ninguém. Por que essas pessoas têm tanto medo do meu pai?
     -- Porque ele é o dono dessas terras e pode arrancar a cabeça de quem ele quiser. E pense bem no que está fazendo, Glory. Vai trair o seu próprio pai. Se ele a pegar, pode ser condenada à morte.
     -- Achei que estivesse disposta a tudo para salvar seu irmão.
     -- Eu estou. Mas não tenho certeza de que você também está.
     -- Eu faria qualquer coisa pelo Dave. E já disse que, se ele morrer, ou se eu tiver que me casar com outro, eu me mato. Não tenho do que ter medo, eu não tenho mais nada a perder. - ela olhou para o céu – Eu amo o Dave, Gill. Minha vida está ligada à dele.
     -- Você se deitou com ele?
     -- Não. Ele é muito honrado, nunca tentou me tocar. Disse que isso feriria sua honra e a minha, e ele jamais faria qualquer coisa que pudesse me machucar.
     -- Meu irmão é muito bom, e muito tolo. Um sonhador, e vai morrer por causa disso.
     -- Ele não pode morrer. Não pode.
     -- Não comece a chorar, menina. Vamos, já está escurecendo. Vamos voltar para o castelo.
     -- Mas não conseguimos nada aqui.
     -- Podemos voltar outro dia. Ainda temos um tempo antes do meu irmão ser julgado. Vamos, eu realmente não quero ter que cavalgar à noite.
     -- Eu estou com sede...
     -- Por que não disse isso antes?
     -- Eu não estava antes. Acho que foi o vinho.
     -- Vamos para a cantina ali em frente, eles devem ter água.
     Na cantina havia água, de fato, mas estava quente por causa do calor; Glory bebeu, mas a sensação de sede continuou.
     -- Ainda estou com sede.
     -- Glory, a não ser que chova, você não vai conseguir nada frio neste lugar.
     -- No castelo a água é guardada no subsolo para estar sempre fresca.
     -- Mas não estamos no castelo. Agora vamos.
     O sol já estava na linha do horizonte quando elas deixaram a cidade, montadas em seus cavalos. O caminho, que sob o sol forte parecia bonito e agradável, agora estava escuro e tenebroso.
     -- Eu não tinha reparado que passávamos por uma floresta tão fechada...
     -- De dia não dá pra perceber tanto, porque o caminho é bastante limpo. Mas à noite isso aqui pode ser perigoso. Vamos depressa.
     Já estava quase totalmente escuro, e elas cavalgavam depressa. Glory mal conseguia ver o que estava à sua frente. Então, algo passou correndo ao lado dela, e seu cavalo deu uma parada brusca, fazendo-a cair com violência no chão.
     -- Gill!
     -- Glory! - Gill parou e voltou para junto dela – O que houve?
     -- Eu caí. - Glory se levantou – Passou alguma coisa por...
     Nesse momento elas ouviram o barulho de cascos de cavalos passando ao lado delas. Tochas foram acesas, e elas se viram cercadas por um grupo de homens.
     -- Olha só. - disse um deles – O que as bonequinhas estão fazendo aqui?
     -- Quem são vocês? - disse Gill, que segurava a mão de Glory firmemente.
     -- Somos anjos, minhas lindas. - um deles desceu do cavalo – Estamos aqui para fazer a vontade de Deus.
     Os outros também desmontaram e foram até elas. Glory tentava se esconder atrás de Gill.
     -- Eu vi você na cidade. - disse outro – É a irmã daquele cavaleiro que foi preso, não é? Gill Evans.
     -- Sim, sou eu.
     -- E essa criança aí atrás? Quem é?
     -- Minha prima. Ela não é daqui. Veio das Terras do Leste para me visitar.
     -- Sabia – disse outro – que é perigoso duas moças tão lindas andarem pela floresta a essa hora?
     -- Perigoso por quê? - disse Glory.
     -- Pode haver lobos aqui. - disse um deles, indo para perto de Glory – Lobos muito maus, que vão querer devorar menininhas como você...
     Ele tentou segurar Glory, mas ela correu. Outros dois a seguraram, e ela gritou:
     -- Gill!
     Mas Gill estava ocupada, tentando se soltar das mãos de outro deles. Glory soltou uma das mãos e puxou a espada. Acertou um deles no braço, e o homem a soltou com um berro. Ela se voltou para eles e ameaçou atacá-los, mas os homens também tinham espadas. Gill se juntou a Glory, e as duas se viram novamente rodeadas, dessa vez por um grupo de homens armados.
     -- Não se aproximem! - Glory gritou – Não ousem se aproximar!
     -- Calma, querida. - disse um deles, com um sorriso maligno – É só vocês não gritarem, que nada de mal vai acontecer.
     Eles avançaram para elas. Nesse momento uma sombra passou por eles, tão rápido que Glory não conseguiu sequer enxergar. No instante seguinte, três deles estavam caídos no chão, com sangue em suas roupas.
     -- Mas que diabos foi isso? - um deles gritou.
     Novamente a sombra, e mais dois no chão. Só havia dois agora, e pareciam aterrorizados. Então, uma voz se fez ouvir.
     -- Sabe, sempre aparece um caçador para matar o lobo no final das histórias.
     Das sombras, surgiu um homem. Mais tarde, Glory se lembraria de ter achado, naquele momento, que ele era maior do que qualquer homem que ela já vira. Vestia roupas pretas e tinha uma espada em sua mão; era tudo o que ela podia enxergar na luz fraca das tochas.
     -- Quem é você?
     -- Eu vou dar uma última chance a vocês. - disse o homem – Vão embora agora, e serão poupados.
     -- Só pode estar brincando. - disse o outro, posicionando a espada – Nós somos dois, meu amigo.
     -- Bem, é a escolha de vocês. Eu tentei ser bonzinho.
     Os homens avançaram, o cavaleiro também, e a tocha caiu no chão. Glory não conseguiu ver mais nada, apenas o som breve de metal contra metal, e depois silêncio. Gill pegou a tocha e conseguiu fazer o fogo crescer novamente. Os dois últimos homens estavam agora no chão, mortos. De pé, apenas o cavaleiro, que limpava o sangue de sua espada. Atrás dele havia um cavalo, negro e silencioso, que elas não haviam visto até então.
     -- Muito obrigada. - disse Glory, indo até ele – Eu nem sei como agradecer.
     O homem olhou para ela. Não era, afinal, tão alto; parecia ser menor do que Dave. Mas tinha um porte de rei. E os olhos azuis pareciam incandescentes.
     -- Espere. - disse Gill, também se aproximando – Quem é você?
     Ele não respondeu imediatamente. Terminou de limpar sua espada e a guardou. Só então se voltou para as duas.
     -- As pessoas costumam me chamar de Bono. - ele pegou a mão de Gill e a beijou – Mas você pode me chamar de Deus, se quiser.
     -- Você é o cavaleiro de que nos falaram na cidade! - disse Glory – Olha, Gill, é ele! Senhor, nos falaram de sua coragem, e queremos saber se você aceitaria uma oferta nossa.
     -- Isso depende. Mas, antes de falarmos de negócios, me digam o que uma mulher e uma criança estão fazendo no meio da floresta, após o anoitecer. Que eu saiba esse é um lugar para bandidos e meretrizes, e creio que vocês não são nenhuma das duas coisas. - ele deu um sorriso malicioso – Ou estou enganado?
     -- Claro que não somos meretrizes. Muito menos ladras. - disse Gill – Estávamos indo para a vila do castelo. Vivemos lá.
     -- Hum, entendo. Mas não é sábio trazer uma menina em viagens, minha cara. Crianças são sempre um problema.
     -- Não sou uma criança! - disse Glory – Olhe para mim, por acaso pareço criança? Eu tenho catorze anos!
     -- Uma criança, como eu disse. Enfim, o que querem de mim?
     -- Meu nome é Gill Evans. - disse Gill – Sou irmã de David Evans. Meu irmão é cavaleiro de honra do Rei Artur, e está preso no castelo acusado de traição. Queremos que você nos ajude a invadir o castelo e resgatar meu irmão.
     -- E qual foi a traição que seu irmão cometeu?
     -- Ele se apaixonou pela única filha do nosso senhor.
     -- E por acaso ela engravidou ou algo do tipo?
     -- Claro que não. Eles se encontravam, mas meu irmão nunca a desonrou.
     -- E como é que o rei descobriu isso?
     -- Eles trocavam cartas, e parece que essas cartas foram encontradas por algum criado que as entregou ao rei.
     Bono deu um riso.
     -- Ou seja, ele é um tolo. Além de não se aproveitar da princesa, se deixou capturar por causa de cartas românticas.
     -- Exatamente, ele é um idiota. Mas é meu irmão. E eu vou fazer qualquer coisa para salvá-lo.
     -- Podemos pagar. - disse Glory – Pagaremos quanto você quiser. Temos nossas economias. Por favor, cavaleiro, o senhor é forte, derrotou sete homens sem o menor problema... Por favor, nós sabemos como entrar no castelo, você só vai ter que desarmar os guardas e soltar o Dave. Por favor...
     -- Calma, querida. Me corta o coração ver uma garotinha implorando desse jeito. - ele pegou a mão dela e a beijou – Será uma honra para mim te ajudar, princesa Glory.
     -- Mesmo? Você vai... - ela parou – Do que me chamou?
     Gill também estava atônita. Bono riu.
     -- Por favor, acham que eu não ia perceber? Olhe pra você. - ele passou a mão nos cabelos e no rosto de Glory – Esse cabelo brilhante, essa pele macia... Suas mãos tão delicadas, como quem nunca teve que levantar um copo... Uma camponesa nunca teria nada disso. Gill é uma mulher bonita, mas tem feições de quem passou a vida trabalhando duro. Enquanto você, princesa... É uma flor numa redoma de cristal.
     Glory ficou alguns instantes olhando para ele, fascinada. Como ele percebera tudo aquilo, mesmo no escuro? Então, disse:
     -- Certo, eu sou a princesa. Sendo assim, você sabe que posso pagar quanto você quiser para que salve o Dave.
     -- Imagino que esteja disposta a tudo, já que é por sua culpa que ele está preso. - ela corou – Mas será que realmente está pronta pra tudo?
     -- Como assim? - disse Gill.
     -- Estou aqui diante da princesa, filha única do senhor dessas terras. Eu poderia sequestrá-la e pedir um resgate. Poderia conseguir tanto dinheiro do rei quanto você está disposta a pagar, e os riscos não seriam tantos.
     -- M-mas você não vai fazer isso, não é? - disse Glory – Você não faria uma coisa dessas...
     -- Acredite, minha criança – ele tocou novamente no rosto dela, dessa vez se aproximando mais – já fiz coisas muito piores.
     -- Se vai nos sequestrar, ou sequestrar ela, diga de uma vez. - disse Gill – O que pretende?
     -- Não sei se vou sequestrá-la. Apesar de tudo, sou um cavalheiro. Me digam, o que têm a me oferecer em troca da liberdade de sir Evans?
     -- Já dissemos, todo o ouro que puder carregar...
     -- Não falo só de dinheiro. - ele a interrompeu – Isso eu poderia conseguir de outras maneiras. Eu quero algo além disso.
     -- Como o que? - disse Glory – Diga, nós lhe daremos qualquer coisa!
     -- Eu sei o que ele quer. - disse Gill, com um olhar cortante – É como os outros, não é? Como aqueles homens. Não foi por bondade que você nos ajudou.
     -- Minha querida, nem os anjos fazem algo só por bondade. E eu sou o oposto de um anjo. - ele olhou para Glory – Eu quero a princesa.
     -- Eu!? - disse Glory, finalmente entendendo – Achei que tivesse me chamado de “criança”.
     -- Uma linda criança, é verdade. - ele a olhou de cima a baixo – Não é sempre que uma chance como essa aparece.
     -- Escute. - disse Gill – Pode fazer o que quiser comigo. Eu faço o que você quiser. Não precisa dela, é só uma menina, não é muita coisa. Eu sou mais velha – ela chegou perto dele e tocou em seu peito – sei do que você precisa.
     -- Hum... - ele sorriu e segurou a mão dela – Realmente, você não é de se jogar fora... Não mesmo, uma linda mulher. Seria muito interessante... Mas ainda é só uma camponesa. Sabe quantas como você eu já tive? Nem eu sei dizer. Posso conseguir mulheres como você a qualquer momento. Mas não é sempre que se consegue uma princesa.
     Ele se afastou. Glory parecia desesperada.
     -- Por favor, cavaleiro... Por favor... Só você pode salvar o Dave...
     -- E eu farei isso. O meu preço é seiscentas moedas de ouro e uma noite com a princesa.
     -- Mas... Eu... Não posso...
     -- Por favor, Bono – disse Gill – ela é só uma menina, mal sabe o que é isso. Ela nem se deitou com meu irmão. Será muito cruel se tiver que se entregar a você sem nunca ter sido tocada por ele.
     -- Não fale assim, me corta o coração. Vamos, o que é uma noite em troca da vida do seu amado?
     A princesa estava quase chorando. Baixou a cabeça e disse:
     -- Está bem. Eu aceito.
     -- Glory, não! - disse Gill – Pense bem, o Dave jamais te perdoaria!
     -- Ele... Não precisa saber.
     -- Ele vai saber que você não é virgem quando se deitar com você. Vocês não vão ficar nesse namoro de criança a vida inteira. O que vai fazer quando ele descobrir? Ele nunca vai aceitar!
     -- Eu... Eu prefiro que ele me deixe, então. Pelo menos ele vai estar vivo. - ela chorava – Eu só quero que ele esteja bem, entende? Mesmo que não seja comigo... Mesmo que eu nunca mais o veja de novo. Eu não posso deixar ele morrer. - ela olhou para Bono – Eu aceito. Pode... Pode fazer o que quiser comigo.
     Bono olhou para ela atentamente. Parecia estar lendo sua alma.
     -- Certo, eu não quero ser o terrível vilão dessa história. - ele suspirou – Fazemos assim: você paga parte do preço agora, e outra parte depois que eu tiver resgatado o seu amigo. Então, você vai poder ter sua primeira noite com ele, e só depois se deitar comigo. Assim ele nunca vai descobrir.
     -- Eu aceito! - disse Glory, pensando que, até lá, encontraria um jeito de fugir dessa promessa.
     -- Mas, como o pagamente será parcelado, eu tenho o direito de pedir mais.
     -- O que você quer?
     -- Antes do resgate, eu quero trezentas moedas de ouro. E quero a Gill.
     -- Ora essa. - disse Gill – E a princesa?
     -- A princesa é pra depois. Já que vou arriscar minha vida, então quero aproveitá-la antes. Depois do resgate, vou dar a você e ao seu cavaleiro um dia e uma noite para fazerem o que quiserem. No dia seguinte, você vai ter que me pagar mais seiscentas moedas, e se deitar comigo.
     -- Eu aceito.
     -- Glory. - Gill a segurou – Você tem certeza disso? Não tem nem idéia do que está prestes a fazer...
     -- Seja o que for, vale a vida do Dave. Eu aceito, cavaleiro Bono. Terá o seu pagamento.
     -- Ótimo. Quero que a Gill venha amanhã à cidade trazer a primeira parte. Eu estarei esperando na estalagem de Moe.
     -- Nós fomos lá essa tarde. - disse Gill – Nos disseram que você havia partido pela manhã.
     -- E eu tinha, mas resolvi voltar. Havia nuvens de tempestade se formando, e achei que poderia chover durante a madrugada, o que seria desagradável se eu estivesse ao relento. Vou prolongar minha estadia para executar a tarefa que me foi solicitada. Estarei esperando por você amanhã, Gill.
     Em seguida ele subiu no cavalo, e se foi.
* * * * *

     Hally estava penteando os cabelos de Glory, em frente ao espelho. Neste momento bateram à porta, e Glory disse:
     -- Entre.
     Michaell entrou. Hally corou profundamente.
     -- Com licença, princesa... Senhorita... - ele também estava ligeiramente corado – Princesa, a senhorita Gill está aí fora e deseja vê-la.
     -- Mande ela entrar.
     -- Sim, senhorita.
     Ele saiu, não sem antes dar um sorriso para Hally, que corou ainda mais. Glory riu e disse:
     -- Como estão os encontros?
     -- Ah, estão... Estão indo bem... - ela estava sem jeito – Ele disse que vai pedir minha mão no próximo verão...
     -- Sério? Que legal!
     Nesse momento a porta voltou a se abrir, e Gill entrou.
     -- Gill! - Glory se levantou e foi até ela – E então?
     -- Está tudo certo. Na próxima lua nova ele virá, e nos encontrará no lugar combinado.
     -- Graças a Deus... E... Você entregou o dinheiro a ele?
     -- Entreguei. Ele ficou satisfeito, disse que nós não tínhamos com o que nos preocupar, que ele iria cumprir a sua parte.
     -- E... Você... Se deitou com ele?
     -- Era parte do pagamento, não era? Eu não tinha outra escolha.
     -- Gill... Eu sinto muito...
     -- Sente pelo quê? Vamos, princesa, pra mim isso não é o fim do mundo. E ele é bonito, afinal de contas. E mais gentil do que eu esperava.
     -- Mas... Ele... Te desonrou...
     -- Não, Glory, alguém já tinha feito isso há muito tempo atrás. Eu não sou uma criança, estou acostumada com isso.
     -- Você já tinha...
     -- Já. Glory, a vida de uma plebéia não é como a de uma princesa. E não se preocupe comigo. Eu é que estou preocupada com você. Tenho certeza de que se deitar com aquele homem será um sacrifício maior do que você poderia suportar. Ele é um grande amante, e não me machucou, mas você é virgem e nem sabe como funcionam essas coisas.
     -- Eu já vou ter me entregado ao David quando tiver que me deitar com o Bono.
     -- Acha que uma noite é suficiente para te preparar para isso? Não seja tola. E um homem como o Bono... Serão necessárias muitas e muitas noites com o Dave para que esteja preparada para ele.
     -- Por quê?
     -- Porque ele é um homem do mundo, sabe Deus as coisas pelas quais já passou, o que ele já viveu. E o meu irmão... Apesar de já ter participado de batalhas, ele ainda é muito jovem, inexperiente. E eu nunca soube de nenhuma mulher na vida dele. Não vou me surpreender se ele for tão virgem quanto você.
     -- Ele me disse que nunca tinha tocado em mulher nenhuma.
     -- Em outra situação isso seria muito bonito, mas não nesse momento. Você não vai ter muito tempo para aprendizados.
     -- Mas eu não estou pensando realmente em me deitar com o Bono. - ela se sentou na cama, ao lado de Hally, que se mantinha apenas ouvindo – Penso em lhe pagar as seiscentas moedas e depois fugir com o Dave.
     Gill ficou muito séria.
     -- Cuidado com o que for fazer, Glory. Você viu a força daquele homem. Eu ouvi algumas histórias sobre ele, na cidade. Ele é muito perigoso.
     -- Sei disso. Mas vou fazer o possível para defender minha honra e a de Dave, Gill. Mas não se preocupe comigo, não vou fazer nada muito tolo.
     -- Eu espero que não.
     Ela saiu. Hally disse:
     -- Glory, como é esse cavaleiro?
     -- Bono? É um homem muito forte, derrotou sete homens sozinho!
     -- Isso você já disse. Eu estou perguntando como é a aparência dele. Ele é feio?
     -- Não mesmo. É muito bonito. É um pouco menor que o Dave, mas tem uma força que vem de dentro dele, e que faz ele parecer tão grande... Ele tem cabelos compridos, acho que são negros, mas não tenho certeza, estava escuro... E tem os olhos muito azuis, como safiras. E o jeito como ele olha... Parece que todas as estrelas do céu refletem nos olhos dele. - ela sorriu ao se lembrar – E ele tem um jeito, tipo o que você imagina de um mercenário, perigoso, atrevido... Mas ao mesmo tempo tem o porte de um cavaleiro... Ele é fascinante.
     -- Princesa – Hally olhava aturdida para Glory – mais um pouco, e lhe digo com certeza que está apaixonada por ele.
     -- Ficou louca? Eu, apaixonada por um bandido? Pelo homem que quer abusar de mim? De jeito nenhum. - ela balançou a cabeça – Eu fiquei encantada com ele quando o vi, nunca tinha conhecido um homem assim antes. Mas definitivamente não estou apaixonada por ele. O único homem que eu amo é o Dave, e ele é o único que vou amar até o fim dos meus dias.
     -- Que bom. - ela sorriu – Achei que estivesse duvidando dos seus sentimentos.
     -- Não se preocupe. Eu nunca abandonaria o Dave.

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