terça-feira, 3 de agosto de 2010

[fanfic #003] [capítulo #008] [U2] As Terras do Norte - A Vida de Cada Um


AS TERRAS DO NORTE

CAPÍTULO 8
A VIDA DE CADA UM
“I have spoke with the tongue of angels
I have held the hand of the devil
It was warm in the night
I was cold as a stone”
(U2 – I Still Haven't Found what I'm Looking for)

     A estalagem em que estavam hospedados não era nem de longe tão boa quanto a última em que haviam dormido. O colchão era desconfortável, o telhado estava rachado e a comida era horrível. Mas era a única hospedaria da cidade, e foi nela que Bono e Glory tiveram que ficar.
     -- Você não comeu quase nada, Glory. - disse Bono, após o jantar – Gastou muita energia na viagem, devia se alimentar bem.
     -- Vou morrer se tiver que comer mais alguma coisa dessa comida horrível.
     -- Acha que vai sobreviver se ficar com esse tipo de frescura? Você não é mais uma princesa. Vai ter que aprender a viver com o que tem.
     -- Amanhã vou à cidade e compro comida de verdade. Temos bastante dinheiro.
     -- Mas o ouro não vai durar para sempre. É bom aprender a economizar.
     -- Temos novecentas moedas de ouro, isso...
     -- Não, querida. Setecentas. Temos setecentas moedas de ouro, pois já gastamos duzentas. Duzentas moedas, Glory, em pouco mais de um mês. E por quê? Porque estou tentando te dar o maior conforto possível. Mas o dinheiro não vai durar pra sempre, então é bom começar a pensar num jeito de arrumarmos mais, ou vai ter que se conformar em dormir sempre na rua.
     -- Mas... Eu achei que... Era muito dinheiro...
     -- E é, pra mim. Se eu estivesse sozinho, não teria gasto nem vinte moedas. Mas não, você é uma princesa, precisa ter tudo do bom e do melhor.
     -- Você é que se ofereceu pra me ajudar! E eu nunca peço nada, você gasta dinheiro comigo porque quer!
     -- Ah, muito obrigado! Então, além de me fazer gastar dinheiro e não me dar nem um “obrigada”, você reclama do que eu faço por você. Ótimo. - ele colocou sua capa e pegou sua espada – É bom começar a se preparar, porque essas mordomias vão acabar quando sairmos daqui.
     Ele saiu. Glory se sentou, contrariada. Tinha algumas economias, cem moedas de ouro, além de jóias; mas pela primeira vez começava a perceber que aquilo não ia durar para sempre.
     Glory se deitou e acabou dormindo. Acordou após um sonho agitado, do qual não se lembrava. A vela havia se apagado, e o quarto estava às escuras. Ela tateou pela cama, procurando por Bono, e ficou amedrontada ao perceber que ele não estava ali. Levantou-se e caminhou pelo quarto até a janela. Pela altura da lua, já deviam ter se passado mais de três horas, mas ela não tinha muita certeza. Acendeu uma vela e vestiu uma longa capa negra sobre sua camisola. Então, sem saber direito o porquê de estar fazendo isso – e jamais admitindo que era porque queria saber onde Bono estava – ela saiu do quarto.
     O barulho que vinha da cantina do andar de baixo era alto. Ela espiou do alto da escada: havia muitos homens ali, cantando e dançando. Ela desceu dois degraus, e viu que havia mulheres também – ciganas, pelas roupas que usavam. Desceu mais dois degraus, e, depois de alguns minutos, conseguiu ver Bono. Ele estava sentado em uma mesa, com mais cinco homens, e todos pareciam estar se divertindo. Uma mulher estava sentada em seu colo, e Glory sentiu uma sensação ruim no estômago ao ver isso. Sentou-se no degrau, tomando cuidado para que ninguém a visse, e ficou assistindo.
     Bono parecia estar tendo uma conversa séria com um dos homens, apesar de ambos estarem bebendo e rindo. Ela desejava ardentemente que eles estivessem mais perto, para que pudesse ouvir o que diziam. E, quando a mulher no colo de Bono passou a mão por seus cabelos e ele a beijou, Glory também desejou ardentemente que ela explodisse em mil pedacinhos e queimasse pela eternidade no fundo do inferno.
     De repente, o homem com quem Bono conversava se levantou, e a mulher fez o mesmo. Bono terminou de beber e se levantou também. A mulher foi dar atenção para outros homens, e Bono foi, com o outro, na direção de Glory. Ela se levantou depressa e correu para o quarto, deixando apenas uma minúscula fresta da porta aberta. Viu quando Bono e o homem chegaram ao fim da escada, e quando vieram se aproximando pelo corredor. Por um momento ela temeu que eles estivessem indo para o quarto, mas eles passaram direto, parando alguns metros à frente. Ela fazia um enorme esforço para escutar o que diziam, pois eles falavam muito baixo.
     -- ... e você puder me garantir isso. - disse o desconhecido.
     -- Já lhe disse que posso. - Bono parecia impaciente – É ridículo. Não há nenhuma dificuldade.
     -- Não é tão fácil assim, eu já lhe disse. Ele tem...
     -- Irmãos perigosos. Se isso me causasse a menor preocupação, eu não seria digno do nome que uso. Já lhe dei as garantias que tinha que dar. Vai querer ou não o serviço?
     -- Claro que quero. Não confio em ninguém da cidade para fazer isso, não é seguro. Qual é o seu preço?
     -- Cinquenta moedas de ouro. Vinte adiantados.
     -- É muito. Você mesmo disse que é um serviço simples.
     -- E você mesmo disse que não há mais ninguém em que confie para fazê-lo. O preço é esse, e se não quiser, paramos por aqui e não se fala mais nisso.
     -- Certo, certo. Maldição. - ele suspirou – Amanhã mandarei um criado lhe trazer a primeira parte. Mas se não cumprir com o combinado...
     -- Você não poderá fazer nada, pode ter certeza. Mas não há nada no mundo mais importante para mim do que minha honra, senhor. Se não executar meu trabalho com perfeição uma vez, dificilmente conseguirei outros.
     -- Certo. Mas não se esqueça do que eu lhe disse. Eu quero ele morto com um único golpe, e que seja o mais rápido possível. De preferência, que ele não veja você.
     -- Não se preocupe. Ele estará morto antes de poder entender o que está havendo.
     Os dois se despediram. Glory fechou a porta e apagou a vela. Jogou a capa para um canto e se deitou na cama, cobrindo-se no exato momento em que Bono entrou no quarto. Ouviu ele fechar a porta e se despir, e sentiu quando ele deitou ao seu lado. Ele ficou alguns segundos em silêncio, sem se mover, e ela achou que ele dormira; mas então ele se aproximou e a tocou. Ficou mexendo em seus cabelos, suavemente, e Glory fazia um enorme esforço para fingir que estava dormindo. Ele se aproximou mais, e agora estava quase grudado a ela. Começou a beijar seu pescoço, e Glory não conseguiu mais ficar quieta: abriu os olhos e murmurou:
     -- Pare.
     -- Glory... - ele disse, em seu ouvido.
     -- Não me toque. - ela se virou para ele – Não se aproxime.
     Bono tinha um brilho intenso nos olhos, e ela pode ver, apesar do escuro, que ele estava muito sério.
     -- Não devia ficar ouvindo as conversas dos outros por trás da porta.
     Glory ficou pálida.
     -- O... O que?
     -- Você – ele a puxou para si – é uma menininha muito má.
     Ele tentou beijá-la, mas ela o empurrou.
     -- Não faça isso! - ela bateu no peito dele, tentando fazer com que se afastasse – Não ouse tocar em mim, ou...
     -- Ou o que? - ele a segurava firmemente – Devia dar graças aos céus por eu estar sendo tão compreensivo. Não sei se já percebeu, mas eu podia fazer o que quisesse com você, sem nenhum problema.
     -- Você... Você... Você disse que não ia...
     -- Eu disse que não ia, se você se comportasse bem e não me irritasse. Mas você me irritou, querida. - ele subiu em cima dela, e Glory não pôde fazer nada para impedir – Me irritou muito.
     -- Não! Não, Bono, por favor... - ele já levantava a camisola dela – Você disse que ia sempre me proteger... - ela começou a chorar – Você prometeu...
     Ela fechou os olhos, chorando incontrolavelmente, e tentou não pensar no que estava acontecendo. Mas Bono se afastou de repente, sem ter tocado nela. Glory abriu os olhos, e viu que ele levantara da cama e começara a se vestir.
     -- Pro inferno, você. - ele disse, terminando de se vestir – Vai passar o resto da vida chorando sozinha.
     Bono saiu do quarto. Glory ficou ainda alguns minutos parada, atônita; e então se levantou, indo até a janela. A cidade estava deserta e escura, e não havia ninguém na rua, apenas cachorros e cavalos, além de um velho bêbado que dormia em um canto. Mas não demorou muito, e ela viu Bono sair da hospedaria, acompanhado de uma mulher. Os dois foram para uma parte escura da rua, e ela ainda viu quando começaram a se beijar. Mas então fechou as cortinas e voltou para a cama. Cobriu-se da cabeça aos pés e chorou até adormecer.
* * * * *

     Glory acabara de tomar café quando Bono entrou no quarto. Ela não olhou para ele, e ele não falou com ela. Os dois passaram o resto da manhã em silêncio, como se um não percebesse a presença do outro.
     Antes do almoço, Glory começou a arrumar suas coisas. Ao perceber o que ela estava fazendo, Bono disse:
     -- Aonde você vai?
     Ela não respondeu. Continuou a arrumar suas coisas, em seguida pegando sua capa e a vestindo. Já era fim de outono, e o frio começava a ficar maior.
     -- O que pensa que está fazendo? - ele a segurou – Não pode ir embora.
     -- Por que não? - ela finalmente disse – Você tem as suas ciganas para lhe fazerem companhia. Não acho que vá sentir a minha falta.
     -- Está com ciúmes? A culpa foi sua. Se aceitasse ser minha esposa, eu não precisaria pagar para que outras mulheres fizessem o que você devia fazer.
     -- Não estou com ciúmes. E jamais seria esposa de um assassino.
     -- Não sei se você sabe disso, mas Dave também já havia matado alguns homens antes de fugir com você.
     -- Ele só matava outras pessoas durante batalhas, e eram sempre outros guerreiros! Mas você não. Eu ouvi ontem quando você disse que aceitaria matar um homem que nem conhece em troca de dinheiro.
     -- Sim, é verdade. E daí? Esse é o meu trabalho. Nós precisamos de dinheiro, tenho que pensar no nosso futuro. Aquele dinheiro que você me deu não vai durar para sempre.
     -- Existem milhares de maneiras muito mais dignas de se ganhar dinheiro!
     -- Acontece que esse é o meio que escolhi. Meu trabalho não está em discussão, Glory. Você não tem nada a ver com isso e não deve interferir. E estará sendo infantil se resolver ir embora por um motivo tão tolo. Você não vai sobreviver um mês, ou vai acabar como aquela mulher com quem eu passei a noite. Pense bem no que está fazendo, para não se arrepender depois.
     Glory pensou um pouco, e acabou largando suas coisas de volta onde estavam. Tirou sua capa, tristemente. Bono foi até ela e a abraçou.
     -- Eu sei que você está preocupada, e que não está satisfeita com a vida que está levando. Mas as coisas vão ficar melhores logo, eu prometo.
     -- Quem é ele?
     -- Ele quem?
     -- O homem que você vai matar.
     Ele se afastou.
     -- Não é seguro te dizer.
     -- Como quer que eu me torne sua esposa se não confia em mim?
     -- Só o fato de você ter ficado bisbilhotando por trás da porta já é prova mais do que suficiente de que eu não devo confiar.
     Ela baixou a cabeça, muito vermelha.
     -- E... Quando você vai... Fazer esse serviço?
     -- Em breve. Ele disse que não tem pressa. Preciso me preparar por enquanto.
     -- Se preparar... Você fala como se fosse uma coisa normal.
     -- E é. Bem vinda ao grande lado de fora, princesa. Este é um mundo em que você tem que matar pra sobreviver, antes que matem você.
     -- Não sei se quero viver nesse mundo.
     -- Você não tem outra opção. A não ser que queira voltar pro seu querido papai e se casar com o seu prometido.
     -- Não. - ela baixou a cabeça – Não quero.
     -- Ótimo.
* * * * *

     Glory não suportava mais ficar o tempo todo trancada naquele quarto, vendo Bono preparar suas armas quando ele estava, ou ficar olhando pela janela quando ele saía. Precisava agir, sentia que havia coisas que tinha que fazer. Não teria paz enquanto não fizesse o que achava certo.
     -- Você quer sair? - Bono disse, quando Glory expressou seu desejo – Pra onde?
     -- Pra qualquer lugar. Quero andar pela cidade. Vamos ter que ficar aqui mais um tempo, por causa desse seu serviço, e não vou suportar ficar mais um segundo sequer trancada aqui.
     -- Eu sou um homem ocupado, Glory. Não fico passeando quando saio, estou tratando de negócios. Não tenho tempo pra ficar te levando para tomar sol.
     -- E quando foi que eu disse que iria com você? Eu vou sozinha.
     Ele a olhou como se ela fosse louca.
     -- Não seja ridícula. Nenhuma mulher casada sai por aí desacompanhada. O que vão dizer?
     -- Dane-se o que vão dizer. E eu não sou casada, caso não lembre.
     -- Uma mulher solteira sozinha é pior ainda. Vão achar que você é uma prostituta.
     -- Não importa! Eu não estou pedindo a sua autorização. Estou te avisando que vou sair, e nada do que você disser vai me fazer mudar de idéia.
     Por um momento, pareceu que ele ia protestar, e Glory estava pronta para reagir caso ele fosse rude com ela; mas, por fim, ele apenas disse:
     -- Está certo. Eu não sou seu dono. Faça o que quiser. - ele lhe deu as costas – Mas não venha me pedir ajuda se alguma coisa acontecer.
     -- Não vou.
* * * * *

     Glory caminhava alegremente pelo mercado da cidade. Em uma bolsa, levava todos os seus vestidos pretos, e presa por dento do vestido estava uma bolsa menor, com o que restava de suas economias – e mais algumas que pegara escondida de Bono.
     Alguns poucos homens olharam para ela, mas a maioria se mantinha indiferente. O vestido simples de luto e o véu que cobria seu rosto definitivamente não eram atraentes: muitos deviam pensar que se tratava de uma velha senhora. Era exatamente o que ela queria.
     Ela parou em uma praça e se sentou em um banco, olhando pensativamente ao redor. Uma daquelas pessoas podia ser o homem que Bono iria matar. E ela ia permitir, do mesmo jeito que permitira o assassinato de Dave. Mais uma vez, sangue seria derramado na sua frente, e ela ficaria apenas olhando.
     Havia uma forma, uma única forma, de talvez conseguir impedir aquilo. E essa forma era conquistar a confiança de Bono. Se conquistasse sua confiança, ele iria contar quem era o homem que teria que matar, e ela poderia interferir, poderia avisar a ele...
     Mas só havia um jeito de conquistar a confiança de Bono. E ela não sabia se teria forças para isso.
     Ela se levantou novamente e voltou a andar. Perguntara para a dona da hospedaria onde poderia encontrar uma costureira, e a mulher lhe dera o endereço. A casa era longe, mas Glory atravessaria o mundo para consertar seus erros passados.
     Finalmente, ela encontrou a casa. Era pequena, simples. Bateu na porta, e uma velha mulher atendeu.
     -- Sim?
     -- Boa tarde. - ela estava um pouco sem jeito por falar com uma estranha – Estou procurando uma costureira.
     -- Entre.
     Glory entrou na casa, e a mulher a levou para uma sala, com muitos tecidos e prendas e teares. Disse:
     -- Quer fazer um vestido?
     -- Mais ou menos. Na verdade – ela estendeu uma sacola – quero, antes, vender esses.
     A mulher analisou os vestidos.
     -- São bons. Alto padrão, boa costura, tecidos finos. Quanto quer por eles?
     -- Quarenta moedas de ouro por peça.
     -- Dou trinta moedas.
     -- Paguei sessenta por eles, e não têm muito tempo de uso. Quarenta é o menor preço que posso fazer. Se não quiser, vou vendê-los no mercado.
     -- Certo, certo. Quarenta moedas, sete vestidos, duzentas e oitenta moedas.
     Ela pagou a quantia. Glory sorriu ao ver a pequena fortuna em suas mãos.
     -- Ótimo. Agora, quero alguns vestidos.
     -- Tenho uns prontos. Dê uma olhada.
* * * * *

     Quando ouviu a porta se abrir, Bono se levantou de súbito, pronto para gritar com Glory. Afinal, havia horas que a menina saíra, já havia anoitecido há muito tempo, e ele já estava pronto para ir procurar o corpo dela, certo de que fora atropelada por alguma carruagem ou atacada por marginais. Ela merecia, no mínimo, uma boa surra.
     Mas, quando ela entrou, ele foi incapaz de falar qualquer coisa.
     Ela não usava mais um vestido preto, nem o véu. Usava um vestido verde, com bordados em ouro rendado e uma grande saia rodada, como uma verdadeira princesa. Sobre os ombros os cabelos caíam em cachos dourados, delicadamente trabalhados. Também estava maquiada, mas não muito, como convinha a uma moça decente. Parecia outra pessoa; parecia, na verdade, aquela que era antes de deixar o palácio.
     -- Desculpe. - ela murmurou, ao fechar a porta – Eu demorei demais, mas a mulher que cuida de cabelos...
     -- O que aconteceu? - ele cortou – Por que... Isso? Por que tirou o luto?
     -- Porque... - ela corou – Eu estou casada com você agora. E não adianta ficar vivendo como eu estava, o David não vai voltar, eu chorando ou não. Acho que já é hora de voltar a viver.
     Bono foi até ela. A vontade real de Glory era sair correndo, mas tinha que seguir com o plano. Tinha que ser forte.
     -- Você... Não gostou do que eu fiz?
     -- Se gostei? - ele tocou em seus cabelos – Nunca vi uma mulher tão bela quanto você. Está mais bonita do que um anjo.
     -- Bono... Eu... Sinto muito... - ela tocou no peito dele, tentando não tremer – Sinto muito, por ter sido tão... Por ter agido da forma que tenho agido. Eu sei que devia te agradecer por ter cuidado de mim, mas tudo o que tenho feito é reclamar e brigar com você... Eu tenho sido muito infantil.
     -- Tudo bem. - o olhar dele mudara completamente – Você é só uma menina. Eu tenho sido muito duro com você. - ele tocou o rosto dela, fascinado – Não estou acostumado a conviver com alguém por tanto tempo. Fui incompreensivo com você várias vezes, te assustei. Eu é que tenho que pedir desculpas.
     -- Vamos... Vamos fazer as pazes? - ela sabia que soava muito infantil, mas não sabia falar de outro modo – Eu quero... Que a gente se dê bem. Afinal, vamos viver juntos por muito tempo, e... Eu quero fazer as coisas direito.
     Ele estava muito próximo, e ela começou a se sentir um pouco zonza.
     -- Você não sabe o quanto eu quero que as coisas dêem certo entre a gente.
     -- Eu... Eu quero ser sua esposa. Digo, sua esposa de verdade. Quero que nós sejamos realmente casados.
     -- Eu também quero isso. - ele a abraçou – Quero muito.
     Glory fechou os olhos, e Bono a beijou. Ela sentia medo, quase pânico; mas, quando sentiu os lábios dele junto aos seus, percebeu que não era tão difícil. Quando o beijo se tornou mais intenso, ela percebeu que não só era fácil, como era até bom. Mas, quando ele a abraçou com mais força e a encostou na parede, todo o medo e pânico voltaram, junto das lembranças das vezes em que ele a tivera.
     -- Espera... - ela murmurou, tentando afastá-lo – Pára...
     Bono não insistiu. Ao invés disso, ficou um tempo em silêncio, olhando para ela e tocando seu rosto.
     -- Qual é o problema?
     -- Eu... Não sei. - ela fazia um enorme esforço para não chorar – Estou com medo.
     -- Achei que quisesse isso.
     -- Eu quero ser sua esposa. - ela deu um suspiro triste – Mas... Tenho medo... Mas você pode continuar, eu não vou tentar te impedir.
     Ao invés de continuar, ele se afastou. Glory ficou olhando para ele, surpresa. Ele foi até a janela e a fechou. Apagou quatro das velas que iluminavam o quarto, deixando apenas uma delas acesa. O quarto ficou na penumbra.
     -- O que você está fazendo?
     -- Shhh... - ele a puxou pela mão e a conduziu para a cama – Vem cá.
     Ele se sentou na cama, e ela se sentou ao seu lado.
     -- Feche os olhos.
     Ela obedeceu, sem ter nem idéia do que ele pretendia. Ele a abraçou por trás e sussurrou em seu ouvido, com a voz mais doce que ela já ouvira dele:
     -- Eu não vou te machucar. - ele começou a desfazer os laços que prendiam as costas de seu vestido – É uma promessa. Apenas respire fundo e relaxe.
     Glory respirou fundo, tentando se acalmar. Sentiu as mãos dele em seu pescoço e depois em seu ombro, afastando as mangas do vestido. Ele começou a cantar uma música calma, bem baixinho, e ela percebeu pela primeira vez o quanto a voz dele era bonita. Sentiu a parte de cima do vestido escorregar por seu corpo, deixando-a nua até a cintura, e isso a fez se retrair. Bono passou a mão por seus braços e encostou o rosto em suas costas, subindo lentamente, sentindo seu cheiro.
     -- Você é linda... - ele dizia, com a voz rouca – Minha menina... Minha princesinha...
     Ele beijou o pescoço dela, a princípio de leve, depois com paixão. Um arrepio percorreu toda a espinha de Glory, e espalhou ondas por seu corpo. As mãos dele foram a tocando lentamente, explorando um novo mundo, fazendo novas descobertas. Depois de alguns toques, Glory já não sentia medo; sensações estranhas e fascinantes se espalhavam por ela. Ele sentiu que ela já estava pronta, e a deitou, tirando o resto de seu vestido. Só então começou a tirar suas próprias roupas, e se deitou, nu, ao lado dela.
     -- Você está gostando disso? - ele passava a mão por ela, e lhe dava beijos suaves – Pode sentir isso?
     -- Acho... Que sim...
     -- Não estou te assustando?
     -- Não... Isso é estranho... E... É bom...
     -- Vou te fazer sentir coisas ainda melhores. Eu prometo.
     Bono foi tão gentil, tão cuidadoso, que Glory quase não acreditou que aquele era o mesmo homem que matara Dave e que a violentara duas vezes de forma tão traumática. Dessa vez, ela sentiu algo incrível, que nem mesmo Dave pudera fazê-la sentir. Era tão bom que chegava a ser assustador.
     Já era tarde da noite quando Bono acabou. Glory sentia uma felicidade estranha, e isso, por mais absurdo que fosse, a fazia se sentir triste. De repente, Bono era duas pessoas: o assassino frio que ela queria destruir, e o homem mais doce e bondoso que já surgira na Terra.
     -- Você gostou disso? - ele disse, tocando os cabelos dela.
     -- Sim.
     -- Não te machuquei?
     -- Não.
     -- Obrigado por isso. Obrigado por ter sido tão boa pra mim. - ele deu um beijo na cabeça dela e a deitou em seu peito – Eu estava precisando muito de carinho, e você me permitiu um momento maravilhoso. Prometo que as coisas vão ser muito melhores entre nós a partir de agora.
     -- Vão, sim. - ela agradecia por estar escuro, e ele não poder ver o quão triste ela estava – Eu sei que vão.
* * * * *

     No dia seguinte, Bono estava completamente diferente. Ao invés do modo arrogante e indiferente com que a vinha tratando, ele agora estava carinhoso, atencioso, gentil. A todo o momento perguntava se Glory desejava algo, se ela se sentia bem, se havia algo que pudesse fazer por ela.
     -- Eu estou ótima, Bono. - ela disse, depois de ele perguntar pela décima vez se ela queria alguma coisa – Não precisa se preocupar tanto. Não sou feita de cristal.
     -- Pra mim, é como se fosse. - ele beijou a mão dela – Se tiver algo, qualquer coisa, que queira, basta me pedir e eu vou conseguir pra você.
     -- Não quero nada, de verdade. Quero que faça o que tem que fazer e não se preocupe comigo. - ela estava impressionada com o que uma noite podia fazer com um homem – Você tem uma tarefa, lembra?
     -- Está falando do meu serviço? Não se preocupe com aquilo. - ele sorriu – Já está tudo pronto. Só estou aguardando o momento certo para executá-lo.
     -- E quando vai ser? Eu não queria ficar tanto tempo a mais nesse lugar, entende? Sei que não posso exigir muito, mas...
     -- Não, não, eu entendo. Nem eu quero que fique tanto tempo num lugar como esse. Você merece tudo do bom e do melhor. – era inacreditável – Não se preocupe. Mais cinco ou seis dias, e tudo vai estar terminado.
     -- Nós vamos partir assim que você fizer aquilo?
     -- Devemos ficar mais um dia, e então iremos embora.
     -- Eu estou com medo, Bono. E se algo sair errado? E se você se machucar?
     -- Não se preocupe comigo, sou muito experiente nesse tipo de serviço. E não tem dificuldade nenhuma.
     -- Mas o homem que você vai matar... Ele não é um guerreiro também? Não vai lutar contra você?
     -- Não, é um homem do campo. Diz-se que nunca pegou em armas. Vive com a mulher e o filho numa casa perto de um rio, e segue uma rotina de trabalho muito rígida. Eu mesmo já verifiquei isso. Podia já ter feito, se quisesse, mas prefiro agir dentro do plano.
     -- Mas eu ouvi aquele homem dizendo que ele tem irmãos perigosos...
     -- Isso é o que dá ficar ouvindo conversas atrás da porta. - ela corou, mas ele não parecia aborrecido com isso – Fica se preocupando com bobagens. Os irmãos dele não vão me oferecer perigo se não estiverem presentes, e já me certifiquei de que não estão. Eles saíram para ver o casamento de uma prima, num reino distante daqui. Só voltam daqui a trinta dias.
     -- Que bom, então. Se você diz que não tem perigo, eu acredito. - ela se sentou na cama – Mas se você diz que o homem é tão inofensivo assim, porque aquele homem quer que você o mate? O que ele fez?
     -- Não sei detalhes. Parece que eles tiveram uma discussão, e de alguma forma a honra de alguém foi atingida. Uma coisa estúpida, mas não sou eu quem decide isso. Eu só faço o que me mandam.
     -- Está certo, você não deve se preocupar com os motivos deles. - ela segurou a mão de Bono – Mas esse homem mora longe daqui? Digo, não tem o perigo de alguém daqui ver você?
     -- Não, nenhum. Ele mora longe. A uns cinco quilômetros, na direção oeste, passa-se por um trecho de floresta. É próximo a um rio, e é a única casa em um raio de quilômetros.
     -- Você sabe o nome dele?
     -- Derek, eu acho. Mas por que você quer saber?
     -- Por nada... Só fiquei curiosa.
     -- Não fique se preocupando com o meu trabalho, Glory. Quanto menos você souber, melhor. Se por acaso um dia eu for capturado, ou, pior ainda, se alguém capturar você por minha causa, pode ser muito perigoso para você saber demais. Eu não quero que nada de mal te aconteça.
     -- Está bem. Desculpe minha curiosidade.
     -- Tudo bem. - ele a beijou – Vem cá.
     Ela sabia o que ele queria, e não ofereceu nenhuma resistência; pelo contrário, se entregou completamente a Bono. Durante aqueles momentos, ela esquecia o assassino frio e cruel, e via nele um príncipe, um homem belo e carinhoso que a levava às estrelas.

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